quinta-feira, 13 de fevereiro de 2020




            Neste ensaio, pensaremos, exegeticamente Mt.11:12 em seus desdobramentos textuais. As problemáticas que envolvem tradução, contexto e definição dos conceitos deste texto, serão vistas, introdutoriamente, a partir do modelo gramático-histórico de interpretação. As discussões atuais trazem luzes e certas dificuldades quanto a “esse dito enigmático, o qual inspira muitas interpretações. Estas dependem de diversas alternativas relativas a diversos pontos exegéticos determinantes que podem ser combinados de maneiras variadas.” (CARSON. Mateus, p.316). A defesa deste ensaio entende Mt.11:12 (propriamente, βιάζεται) como passivo/negativo. Para tal percorremos alguns caminhos investigativos: 1) os fundamentos de complexidade (de Mt.11:12); 2) o contexto lógico pela estrutura narrativa/discurso e o fluxo de Mt.11:7-15; 3) a transição de Mt.11:11 para 11:12 pela conjunção δέ; 4) os argumentos para a defesa deste ensaio (tese de Craig Blomberg).   
... ἡ βασιλεία τῶν οὐρανῶν βιάζεται καὶ βιασταὶ ἁρπάζουσιν αὐτήν (11:12 )
Os fundamentos de complexidade desta passagem estão relacionados a alguns pontos distintos. Basicamente, dois são importantes: [1] o uso do verbo βιάζεται (lê-se: biázetai, vem de βιάζω) como passivo ou médio. Na primeira possibilidade a tradução é vista  assim: “o reino está sendo atacado” (num sentido passivo/negativo) ou “está sendo tomado a força” (por quem?). Por isso, neste viés, os mensageiros e pregadores deste reino são rejeitados com violência. Isto pode se referir as atividades como as de Herodes e dos opositores judeus quanto ao evangelho. Ainda, o reino “sofre violência”, no sentido de que, alguns que o procuram (os homens violentos; pessoas como os zelotes?), tentam implantá-lo, por meios violentos, desta forma, talvez também o vejam como somente um reino político. Já na segunda possibilidade a tradução: “o reino abre o caminho a força” (voz média/sentido positivo), podendo ser visto, no sentido de, “avançar com força triunfante” (MORRIS. The Gospel According to Matthew, 1992, p.281).
[2] A relação entre βιάζεται (lê-se: biázetai, vem de βιάζω) e βιασταὶ (lê-se: biastaì, vem de βιαστής) formando um tipo de paralelo (adiáfora, sinônimos, antanclasis). Além disso, a tradução do segundo termo descrito como verbo (mas, no grego é um substantivo) em algumas versões em português (ARA, NVI). Essas problemáticas constituem a referida dificuldade em voga.
       O contexto lógico de 11:12 tem papel preponderante na proposta definida deste ensaio Em Mateus, encontramos a dinâmica narrativa/discurso como substrato estrutural do livro (Narrativa, 11:1-12:50 – Discurso. 13:1-53). Além disso, quanto “a análise redacional” (crítica da fonte e redação)[1] Mt.12—13 depende em grande parte de Mc.2.23—3.12; 3.20-4.34, mas antes disso vem 11.2-30, passagem na qual, boa parte encontra paralelo em várias partes de Lucas. Em suma, da perspectiva temática, os três capítulos (Narrativa, 11;12—Discurso, 13) são unidos pelo crescente desapontamento com o reino de Deus e com a oposição a ele resultantes do ministério de Jesus. Ele não estava mostrando ser o tipo de Messias que o povo esperava. Alguns fatos textuais descrevem isto, pois até mesmo João Batista tinha dúvidas (vs.2-19), já as cidades galileias que representavam a maioria dos locais nos quais Jesus realizou milagres, endureceram-se em descrença (vs.20-24). A natureza da pessoa e do ministério de Jesus estava “escondida” (palavra importante) dos sábios, a despeito dos convites públicos e compassivos (vs.28-30). Os conflitos com os líderes judeus começavam a se intensificar (12.1-45), embora as pessoas ainda interpretassem erroneamente os elementos mais básicos do ensinamento e da autoridade de Jesus (12.46-50). Mas, isso quer dizer que ele recebera um xeque-mate ou que, afinal, o reino ainda não viera? Mateus 13 é a resposta — o reino de Deus continuava seu avanço embora, com frequência, fosse contestado e ignorado (CARSON. Mateus, p.310). 
Ainda nesta dinâmica, ao reduzirmos para 11:7-15, é possível pensar a seguinte divisão:
1.    Uma série de três perguntas sobre João e uma resposta das Escrituras (vs.7–10);
2.    Uma fala em duas partes quanto a grandeza de João e a [grandeza] dos que estão no reino (v.11);
3.    A situação deste reino (v.12);
4.    A identificação de João como um ponto de virada histórico de salvação em paralelo com Elias (vs 13–14);
5.    Uma exortação/fórmula para ouvir o que está sendo feito (v.15).
Portanto, o paralelismo da passagem é principalmente limitado aos versículos 7–9 nas perguntas repetidas e nas respostas sugeridas também dadas na forma de questionamentos. Um terceiro elemento é introduzido entre parênteses no v.8c, a localização daqueles que estão bem vestidos em palácios e na descrição de João como “mais que um profeta” (v.9), na verdade o precursor do próprio Messias, um ponto enfatizado pela citação do AT (v.10). As três perguntas exemplificam o padrão comum de duas conclusões erradas, seguidas pela correta (HAGNER. Word Biblical Commentary: Matthew 1-13, p.304). Esta compreensão do fluxo nos ajuda a entender o lugar de 11:12 na seção (“a situação do reino”).
A conexão dos vs.11,12 se dá pela conjunção δὲ (lê-se: dè), vista como aditiva por algumas versões em português (ARC, ACF), já outras nem a traduzem (ARA, NVI, NVT). Entretanto, Hagner pensa nesta conjunção como adversativa, desta forma, a grandeza de João Batista e dos que estão no reino (v.11) é vista num contraste ou pensamento oposto no v.12 (HAGNER. Word Biblical Commentary: Matthew 1-13, 2002, p.302; BLOMBERG. Matthew NAC, 2001, p.187). Depois disto, a locução preposicional e a conjunção destacam: ἀπὸ δὲ τῶν ἡμερῶν Ἰωάννου τοῦ βαπτιστοῦ ἕως ἄρτι. Esta construção dividida em duas linhas, pelo viés da gramática grega a primeira parece indicar um genitivo/ablativo de fonte, funcionando desta forma em relação ao substantivo principal (“desde os dias de João, o Batista...”). A outra parte, a conjunção adverbial ἕως ἄρτι (“até agora”) descreve a questão temporal em voga. Não pensamos nestas construções como antitéticas (época em que Jesus afirmou isto – época da escrita de Mateus) em seus conteúdos. Como explica Morris: “normalmente, essa expressão se refere à vida inteira de um homem, mas esse não pode ser o significado aqui, pois João ainda estava vivo. Por isso, refere-se ao tempo no deserto em que fez sua pregação eficaz e estabeleceu sua reputação, o tempo em que realizou o trabalho de sua vida” (MORRIS. The Gospel According to Matthew, 1992, p.281).
Depois deste trato, pensaremos βασιλεία τῶν οὐρανῶν βιάζεται  καὶ βιασταὶ ἁρπάζουσιν αὐτήν (“o reino está sendo atacado” [num sentido negativo] e alguém violento o toma a força”. Como foi colocado na introdução, existem certas divergências na exegese de 11:12. A raiz disto (como vimos), é a compreensão do verbo βιάζεται (lê-se: biázetai). Ele aparece somente duas vezes no NT (Mt.11:12; Lc.16:16 e algumas vezes na LXX: Gn.33:11; Êx.19:24; Dt.22:25,28). Sua tradução é vista por Louw Nida como (subdomínio: “violência”): “sofrer ou experimentar uma ataque violento, ser atacado com violência, sofrer ataques violentos” – propriamente em 11:12: “o reino dos céus sofre aqueles violentos” (LOUW; NIDA. Léxico do NT Grego, p.206). No BDAG  o apontamento, neste viés, descreve o uso negativo usado com mais frequência. Quanto a tradução é entendida, frequentemente no sentido desfavorável em que o reino dos céus é tratado violentamente (Arndt, W., Danker, F. W., & Bauer, W. [2000]. A Greek-English lexicon of the New Testament and other early Christian literature, Logos Library System). Portanto, esses estudiosos pela dinâmica lexical definem o uso de βιάζεται como passivo/negativo.  
Além disso, a harmonização serve de fundamento para a explicação do texto na percepção de alguns. Entretanto, Hagner afirma que “é um erro exegético interpretar a difícil passagem de Mateus, através da declaração mais simples de Lucas (Lc.16:16), a qual por si só vem de um contexto diferente, especialmente quando as lógicas são formuladas de maneira tão diferente” (HAGNER. Word Biblical Commentary: Matthew 1-13, p.307). Desta forma, a harmonização não funciona, por causa das dissonância observadas nos textos em paralelo.
Em terceiro lugar, foquemos na dificuldade de ligar as duas orações, quando pensadas na voz média. Carson explica que o substantivo βιαστής (biastēs) é raro na literatura grega (aparece só aqui no NT), mas onde ocorre, tem sempre conotação negativa, envolvendo violência ou rapacidade. Kittel pensa desta forma este termo: “... βιαστής  (“homem violento”), em 11:12 se refere, naturalmente àqueles que violam (de forma violenta) a regra divina” (Kittel, G., Friedrich, G., & Bromiley, G. W. (1995, c1985). Theological Dictionary of the New Testament. Logos Library System). Ademais, o verbo ἁρπάζουσιν (harpázousin “se apoderam dele”) é bastante comum e quase sempre tem as mesmas conotações malignas (uma rara exceção é At 8.39). Por esses motivos, a maioria dos comentaristas veem uma referência a homens violentos e, depois, leem o verbo da oração precedente como passivo (CARSON. Mateus, p.317; cf. LOUW; NIDA. Léxico do NT Grego, p.445).  
Portanto, βιάζομαι (biázomai) parece ser negativo/passivo, significando “sofrer violência”. O “mas” que introduz o v.12 sugere um contraste com o v.11, tornando também o v.12a mais provavelmente como negativo. A outra oração, βιασταὶ em conjunto com ἁρπάζουσιν (“apossar-se”, mas mais comumente “atacar”) também parece ser negativo: “pessoas violentas atacam o reino”. Essa combinação de traduções levaria o versículo a ser traduzido como: “desde os dias de João Batista até agora, o reino dos céus sofre violência e pessoas violentas o atacam”. Esta tradução se encaixa bem com o fluxo narrativo de Mateus. Apesar das muitas bênçãos do reino que chegavam, desde os primeiros dias do ministério de João até o momento presente na vida de Jesus, o reinado de Deus, no entanto, recebeu crescente oposição. João foi preso por Herodes. Os mestres judeus estavam cada vez mais, se opondo a Jesus, e as pessoas ficando cada vez mais descontentes com a recusa de Jesus em promover a revolução.[2] O aparente paralelo de Lucas (Lucas 16:16) é tão isolado e em um contexto tão diferente que dificilmente parece pertinente a uma interpretação de Mateus, apesar de seu sentido aparentemente mais positivo (BLOMBERG. Matthew NAC, 2001, p.187).
Depois de percorrer este introdutório caminho investigativo, a partir do substrato declarado, algumas conclusões se tornam concretas. Em primeiro lugar, o passivo/negativo pelo viés lexical tem bases reais estabelecidas pelos estudiosos. Em segundo lugar, a coesão de Mt.11:12 com Lc.16:16 parece não fazer sentido pelos considerando das passagens em suas propostas. Em terceiro lugar, a relação βιάζεται/βιασταὶ/ἁρπάζουσιν  implica o passivo/negativo, pois os dois últimos termos lidos a luz do primeiro funcionam num paralelo sinonímico, apontando para o mesmo referencial. Portanto, a tradução defendida afirma: : “desde os dias de João Batista até agora, o reino dos céus sofre violência e pessoas violentas o atacam”.   



[1] Ver em: OSBORNE. A Espiral Hermenêutica, p.278.
[2] Craig afirma: “revolucionários, como os conhecidos mais tarde como zelotes, queriam trazer o reino pela força militar. Jesus usava seu zelo (cf. Pv 11:16) de maneira figurada para o compromisso obstinado necessário para entrar no reino; ele descreve seus seguidores como fanáticos espirituais “(cf. Mt 10: 34). KEENER, Craig S; InterVarsity Press: The IVP Bible Background Commentary: New Testament. Downers Grove, Ill. : InterVarsity Press, 1993, S. Mt 11:12

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