O SIGNIFICADO DO σήμερον (Lc.23:43) VISTO COM
MAIS INTENSIDADE NUMA DINÂMICA TEOLÓGICA DO QUE CRONOLÓGICA.
“E ele lhe disse: Em verdade, eu lhe digo HOJE:
Você estará comigo no Paraíso” (TNM).
“E
disse-lhe [Jesus]: Em verdade te digo que HOJE estarás comigo no
Paraíso”. (ACF, ARC).
Desta forma, σήμερον
numa ênfase teológica aponta para o dia da salvação, pela da morte e
ressurreição de Jesus. Embora
“como resultado, isso tenha acontecido temporalmente naquele dia, σήμερον na visão de Lucas pertence mais à teologia do que à
cronologia (STEIN. Luke,
The New American Commentary, 1992, s,593).
Em Lc.23:43 algumas questões hermenêuticas são
respondidas antiteticamente, por meio de alguns posicionamentos interpretativos.
Por esta razão, as controvérsias que envolvem este texto, dividem os
pesquisadores e igrejas em seus pressupostos hermenêuticos. Em suma, reduziremos
estas questões complexas de Lc.23:43, para pensarmos a seguinte problemática: o
significado de Lc.23:43 funciona com
mais intensidade numa ênfase cronológica ou teológica? Para
trabalharmos esta questão: 1)
analisaremos os pontos que envolvem o texto grego (tradução e sintaxe) da
referida passagem; 2) exporemos as
percepções cronológicas que envolvem σήμερον (Lê-se: sémeron, “hoje”) com suas
ligações e finalmente, 3)
destacaremos a interpretação que fundamenta-se no foco teológico.
A
tradução de Lc.23:43 passa inicialmente pela comparação do texto Crítico (Nestle Aland 28 Edição) e
Majoritário (Byzantine Text Form, 2005) com suas particularidades. Isto
nos leva a entender os fundamentos das versões em português, quanto a suas
escolhas na árdua tarefa de traduzir.
Καὶ εἶπεν αὐτῷ ὁ Ἰησοῦς, Ἀμὴν λέγω σοι, σήμερον μετ᾽ ἐμοῦ ἔσῃ ἐν
τῷ παραδείσῳ. (Byzantine Text Form, 2005).
Este exercício de comparação destaca
que ὁ Ἰησοῦς (lê-se: ho Iesûs) funciona como diferencial entre
o Crítico e o Majoritário. As versões em português em sua
maioria seguem o texto majoritário (ARC, ACF, NVI, ARA, BA), por isso, traduzem
assim: “e disse-lhe Jesus...” Neste caso, parece que o contexto legitima esta
tradução em seu fluxo argumentativo, muito mais que o aparato crítico (αὐτῷ S0- î75 a B D L a b ec f ff2 q >> - Ἰησοῦς A2 69 MT TR >>, cf. The Center for New Testament Textual
Studies NT Critical Apparatus). A outra questão que envolve a tradução deste verso é de
cunho mais sintático, pois o advérbio σήμερον (Lê-se: sémeron, “hoje”) altera o verbo λέγω (lê-se: légo, “falo”) ou ἔσῃ (Lê-se: ése, “estarás”)?
A TNM (tradução novo mundo) em
antítese a maioria das versões em português, liga o advérbio ao presente: “E ele lhe disse: Em verdade, eu lhe digo HOJE:
Você estará comigo no Paraíso”.[1] As
outras versões (ARC, ACF, NVI, ARA,
BA) focam
o futuro: “em verdade te digo que HOJE estarás
comigo no paraíso”. Quando
tratarmos as percepções cronológicas, exporemos os fundamentos explicativos
destas traduções. Entretanto, de forma imediata fiquemos com a fala de
Robertson: “não está claro se o malfeitor espera uma bênção
imediata ou apenas no julgamento (ROBERTSON.
Word Pictures in the New Testament, 1997, S. Lc 23:42).
Como acabamos de observar, a Tradução Novo Mundo (TNM) exprime
Lc.23:43, num viés em que o advérbio σήμερον (Lê-se: sémeron, “hoje”) altera λέγω (lê-se: légo, “falo”), mas
por quais razões? Em primeiro lugar, a passagem
em foco tem conotação anfibológica por causa da posição do σήμερον (Lê-se: sémeron, “hoje”) entre os verbos.[2] Isto traz certa
complexidade sobre a tradução. Entretanto, esta tradução/interpretação (TNM) quando
ligada ao cumprimento da promessa μετ᾽
ἐμοῦ ἔσῃ ἐν τῷ παραδείσῳ (“... estarás comigo no paraíso”), serve de fundamento, pois realmente se deu no mesmo dia da crucificação
de Jesus? Albert Timm destaca que, “se o
propósito de Cristo em Lucas 23:43 fosse prometer ao bom ladrão que este
estaria com Ele ‘no paraíso’ naquele mesmo dia, então a promessa acabou não se
cumprindo, pois dois dias mais tarde o próprio Cristo afirmou que ainda não
subira para Seu Pai” (Jo.20:17,
Centro de Pesquisas Ellen White)[3].Desta
forma, o caminho interpretativo foca a
recompensa dos justos que ocorrerá somente depois da segunda vinda de Cristo. A
Bíblia tem vários exemplos registrados disto (Ap.22:12; Mt.16:27; 1Pe.5:4; 2Tm.4:8). Portanto, “a interpretação de Lc.23:43 (que afirma “hoje
estarás”) “é um falso pilar, em que se ergue a teoria da imortalidade inata no
homem e seu imediato galardão post mortem” (“Hoje estarás comigo no paraíso”: Da
Apostila Explicação de Textos Difíceis, //downloads.adventistas.org/pt/)[4].
De outro lado, Lc.23:43 em sua
tradução/interpretação pode funcionar em antítese ao que foi exposto. Para
estabelecer os postulados em questão desta percepção, nos voltemos inicialmente
ao contexto lógico de Lc.23:43
que tem como precedente e subsequente a crucificação de Cristo (23:33-38,44-49). Desta forma, 23:39-43 funciona como
interlúdio, destacando os posicionamentos dos κακοῦργοι (lê-se: kakûrgoi, “malfeitores” de κακοῦργος) no momento da crucificação
(Lc.23:32,33,39, fora dos evangelhos somente em 2Tm.2:9). Em suma 23:39-43 narra duas atitudes em contraste que
conduziram a condenação e salvação (passagem exclusiva a Lucas, cf. Mc.15:32; Mt.27:44).
Com isto em mente entendemos que os vs.41,42 descrevem o arrependimento
(v.41) e pedido/reconhecimento (v.42) do segundo malfeitor, respondido por
Jesus (v.43). Assim, parece complicado dissociar o pedido em questão da
crucificação de Jesus, pois o malfeitor arrependido (e
não “bom ladrão”) interpreta o sofrimento do Senhor como algo salvífico.
O
advérbio σήμερον (Lê-se:
sémeron, “hoje”) alterando ἔσῃ (Lê-se: ése, “estarás”) está presente em algumas
versões em português: “Jesus lhe respondeu: Em verdade te
digo que hoje estarás comigo
no paraíso” (ACF, ARA, ARC, NVI). Bock trabalha com esta tese, pois entende que Lc.23:43 foca
o presente imediato, pois “o pedido é concedido hoje” (BOCK. Luke Volume 2 Baker Exegetical Commentary on the New Testament, 1996,
S. 1857). John Nolland
corrobora: “Jesus no momento de sua morte trouxe salvação” (NOLLAND. Word Biblical Commentary: Luke 18:35-24:53,
2002, S.1152). Entretanto, no
pensamento de Howard Marshall ocorre uma síntese, pois entende que
as duas alternativas (contemporâneo e futuro), podem ser usadas no significado
em questão (MARSHALL. The
Gospel of Luke: A Commentary on the Greek Text, 1978, S. 873). Assim, o aspecto cronológico presente é enfatizado
como base explicativa. Essas premissas pressupostas precisam estar
fundamentadas numa “exegese crítica”, por isso, nos voltemos para suas argumentações
basilares.
O advérbio σήμερον (Lê-se: sémeron, “hoje”) aparece quarenta
e uma vezes no NT, destas onze vezes somente em Lucas (2:11; 4:21; 5:26; 12:28;
13:32,33; 19:5,9; 22:34; 23:43; 24:21). A tradução em síntese destes
usos, reduzido a Lc.23:43 é exposta por Louw e Nida “nas unidades de tempo com referência
a outras unidades ou pontos temporais”, nessa dinâmica σήμερον
“descreve o dia que é o mesmo do
discurso ou comunicação” (LOUW; NIDA. Léxico
Grego Baseado em Domínios Semânticos, 2013, p.582). Entretanto, além deste viés cronológico
trabalhemos as fundamentações explicativas deste verso, pensando primariamente não somente
na cronologia, mas também na teologia.
Para tal foquemos na ênfase teológica, partindo do pedido do malfeitor em 23:42: καὶ
ἔλεγεν· Ἰησοῦ, μνήσθητί μου ὅταν ἔλθῃς εἰς τὴν βασιλείαν σου (“... e dizia: Jesus, lembra-te de mim, quando entrares para
teu reino”).[5] Nolland
entende que “no quadro do pensamento de Lucas, Jesus ‘entrará em seu reino’,
por meio de sua passagem pela morte para a exaltação à destra de Deus” (cf. 9:51; 19:12; 24:26, NOLLAND. Word
Biblical Commentary: Luke 18:35-24:53, 2002, S.1152). Stein traz um
foco distinto, explicando que “esta petição no cenário de Lucas, foi entendida
pelos leitores originais como um pedido a Jesus, para que, quando entrasse em
seu reinado, através de sua morte-ressurreição-ascensão, deveria lembrar-se
dele, isto é, agir para salvá-lo”. Neste viés podemos comparar o verbo μιμνῄσκομαι (lê-se: mimnéskomai, “eu me lembro”) usado aqui com suas aparições na Septuaginta (Gn.40:10;
Sl.74:2; 106:4) (STEIN. Luke,
The New American Commentary, 1992, s.592). Assim, parece complicado
dissociar o pedido da crucificação de Jesus, pois o malfeitor arrependido
interpreta o sofrimento do Senhor como algo salvífico.
Desta forma, σήμερον numa ênfase teológica aponta para o
dia da salvação, pela da morte e ressurreição de Jesus. Embora “como resultado, isso tenha acontecido
temporalmente naquele dia, σήμερον na visão de Lucas pertence mais à
teologia do que à cronologia. Esse viés está ligado ao
uso deste advérbio em Lucas, em 2:11, definindo o “dia da salvação messiânica” e em 4:21, onde é
dada ênfase especial ao termo em questão, colocando-o primeiro, no dizer de
Jesus. Assim, “agora” (σήμερον) indica
a era messiânica, realizada na vinda de Jesus. Portanto, σήμερον não
significa literalmente as últimas vinte e quatro horas, mas algo precedente
iniciado em 3:1 (STEIN. Luke, The New
American Commentary, 1992, s.108,157,593). Esta constatação pode ser
definida como “uma declaração jurídica feita por Jesus, o Juiz de vivos e
mortos, a qual a caracteriza como novo Adão que inaugura um novo período de
salvação, com referência à At.10:42 e 17:31” (CARSON. BEALE. O Comentário do Uso do Antigo Testamento no
Novo Testamento, 2014, p.495). Nolland segue esta linha, explicando a
efetividade imediata do perdão, pois “o malfeitor não precisa esperar que Jesus
entrasse em seu reino (embora isso ainda não tinha ocorrido), pois, estava lhe
concedendo clemência real” (NOLLAND. Word
Biblical Commentary: Luke 18:35-24:53, 2002, S.1152). Marshall associa o
direito do Rabino com a ação Messiânica de Jesus. O Rabino tinha o direito de
fazer sua declaração com base no poder das chaves dos escribas (Mt.23:13), mas,
Cristo age como o Messias que tem o direito real de abrir as portas do paraíso,
para aqueles que entram em comunhão com ele. A petição do criminoso expressa a esperança
de que atingirá a vida na parusia (futuro), mas a resposta do Senhor lhe
garante a entrada imediata (presente) no paraíso (MARSHALL. The
Gospel of Luke: A Commentary on the Greek Text, 1978, S. 873). Ainda assim, não negamos a fala de Robertson nesta
análise: “não está claro se o malfeitor espera uma bênção imediata ou apenas no
julgamento (ROBERTSON. Word Pictures in
the New Testament, 1997, S. Lc 23:42). Desta forma, a questão cronológica
tem suas complexidades declaradas, entretanto em associação a declarações
teológicas basilares Lc.23:43 funciona soteriológicamente ou numa cristologia
aplicada.
Pelo uso do termo “paraíso” (παράδεισος, lê-se: parádeis[s]os)
Plummer afirma que “este malfeitor era judeu, pois esta palavra dificilmente
seria pronunciada por um pagão” (PLUMMER. A
Critical and Exegetical Commentary on the Gospel According to S. Luke, 1896, S. 535). Além disso, o lugar em questão
aparece num viés futurista μετ᾽
ἐμοῦ ἔσῃ ἐν τῷ παραδείσῳ (“... estarás comigo no paraíso”). παράδεισος, (lê-se: parádeis[s]os) aparece
três vezes no NT (Lc.23:43; 2Co.12:4; Ap.2:7). Na literatura judaica
tipicamente se contrasta “paraíso” com “Gehenna”, ou “inferno”. Embora os
textos judaicos contestassem a localização do paraíso, frequentemente
mencionavam isso como a morada dos justos após a morte ou depois da
ressurreição. Assim, tanto Jesus como este condenado seguiriam diretamente para
a morada dos justos após a morte (KEENER. InterVarsity Press: The IVP Bible
Background Commentary: New Testament, 1993, S. Lc 23:43). A consequência desta promessa é uma “escatologia reversa”
(NOLLAND. Word Biblical Commentary: Luke 18:35-24:53, 2002, S.1152), pois o homem foi expulso do Jardim do
Éden (παράδεισος, na LXX, Gn.3:23,24), entretanto agora em Cristo, tem esperança concreta
em voltar (Ap.2:7; 22:1-10).
As análises destacas procuraram definir as questões
que envolvem Lc.23:43 de algumas formas. Quanto ao grego em sua
tradução/interpretação do σήμερον num viés
cronológico, algumas questões foram, observadas, entretanto, resolver de forma
exaustiva, não parece ser algo possível (“não está claro se o malfeitor espera
uma bênção imediata ou apenas no julgamento, ROBERTSON. Word Pictures in the New Testament, 1997, s. Lc 23:42). Assim, as
delimitações contextuais nos levaram a pensar Lc.23:43 dentro do trato para com
a crucificação. Desta forma, este terrível estágio de humilhação vivido por
Jesus, ganhou interpretação soteriológica nas palavras do malfeitor. Por esta
razão, enfatizamos mais o aspecto teológico do que cronológico, Assim,
presente/futuro são intercambiáveis quanto a petição do malfeitor, pois a
resposta do Senhor lhe garante a entrada imediata (presente) no paraíso
Portanto, parece ser esta a ênfase de Lc.23:43 em suas delimitações.
[2]
Uma análise mais completa das bases são encontradas no artigo: Análise
Linguística do σήμερον em Lc.23:43. Disponível em: https://revistas.pucsp.br/index.php/culturateo/article/view/24190/17384.
Acesso em 16/02 às 04:55.
[5]
Existe uma discussão no Aparato Crítico neste verso, no que diz respeito a
aparição das preposições no texto Crítico e Majoritário: καὶ ἔλεγεν· Ἰησοῦ, μνήσθητί μου ὅταν ἔλθῃς εἰς
τὴν βασιλείαν σου (BNT)- Καὶ ἔλεγεν τῷ Ἰησοῦ, Μνήσθητί μου, κύριε, ὅταν ἔλθῃς ἐν τῇ
βασιλείᾳ σου (BYZ). Neste ensaio usamos o BNT.