“Ungir
com Óleo” (Tg.5:14): Uma prática cultural,
algo não reproduzível para a igreja
atual.
Neste ensaio, trabalharemos
Tg.5:14, a partir de ferramentas metodológicas hermenêuticas fundamentadas na
Análise do Discurso. Para tal, as contribuições de alguns estudiosos serão de
vital importância, principalmente, as oriundas de William Varner e Grant
Osborne (1942-2018). A defesa, nesse sintético texto, afirma que “ungir com
óleo” é uma prática cultural, não reproduzível para a igreja atual. Para
expormos esta percepção passaremos por alguns caminhos.
Em
primeiro lugar, trabalharemos
dois elementos que corroboram com a análise do texto. Assim, uma observância do
contexto histórico de Tiago faz com que percebamos certos pontos sobre este
verso. Incialmente, os usos do óleo tanto na prevenção e como tratamento de
doenças (cf. Lc 10,34), evocando os fins “medicinais” (do ponto de vista
antigo). Além disso, no viés da oração existia uma, de conotação mais geral,
pela cura, como uma das bênçãos regularmente recitadas nas sinagogas. Visitar
os doentes significava um ato de piedade no judaísmo primitivo, o qual os
cristãos provavelmente continuaram (cf.Mt 25,36,43. KEENER. InterVarsity Press: The IVP Bible Background
Commentary: New Testament, 1993, S. Tg 5:14). Em associação com isto, foquemos as duas
categorias interpretativas deste “ungir com óleo”: 1) PROPÓSITO PRÁTICO: medicinal, pois o óleo era amplamente utilizado no mundo antigo,
tanto como condicionador da pele e como medicamento; pastoral, pois, a unção pode ter sido planejada como uma expressão
física exterior de preocupação e como um meio de estimular a fé da pessoa
doente. 2) PROPÓSITO RELIGIOSO: sacramental essa prática surgiu no início da
história da igreja. Com base neste texto, a antiga igreja grega praticava o que
eles chamavam de “Euchelaion” (uma combinação das palavras εὐχὴ, “oração” e ἔλαιον, “óleo”, ambos
usados neste texto), que tinha o propósito de fortalecer o corpo e alma dos
enfermos. Simbólico: a unção frequentemente
simboliza a consagração de pessoas ou coisas para o uso e serviço de Deus no AT
como em Êx.28:41 (MOO. The Letter of James The Pillar
New Testament Commentary, 2000, p.240).
Em segundo lugar, observemos o texto grego de 5:14 é
escriturado em três partes (linhas): 1) ἀσθενεῖ τις ἐν ὑμῖν, 2) προσκαλεσάσθω
τοὺς πρεσβυτέρους τῆς ἐκκλησίας 3) καὶ
προσευξάσθωσαν ἐπ᾽ αὐτὸν ἀλείψαντες [αὐτὸν] ἐλαίῳ ἐν τῷ ὀνόματι τοῦ κυρίου. Na primeira linha (cólon) o pronome indefinido nominativo
(τις, lê-se tis, “alguém”) “é usado para introduzir um
membro de uma classe sem adicionar identificação” (WALLACE. Gramática
Grega, 2009, p.347). A ordem
do texto pode ser construída pela análise das cláusulas de Varner: “predicado: ἀσθενεῖ -- sujeito: τις ἐν ὑμῖν (lê-se:
tis em hymîn, “alguém entre vós”). Assim,
a estrutura de cada cláusula é indicada pela função de cada componente”
(VARNER. The
Book of James – A New Perspective A Linguistic Commentary Applying Discourse
Analysis,
2010, pp.41,189). Este predicado funciona
pelo verbo ἀσθενεῖ (lê-se: astheneî, “está doente”), o qual parece
ser “progressivo” ou “ação durativa” (ROBERTSON. Grammar
of The Greek New testament in The Light of Historical Research, 2006, p.879). Este uso corresponde a Mt.10:8 e aparece muitas vezes no
grego clássico e helenístico (MAYOR. The Epistle of St. James the
Greek Text With Introduction, Notes and Comments, and Further Studies in the
Epistle of St. James, 1913, p.163). Esse personagem não identificado vive numa situação de
doença (ἀσθενεῖ τις ἐν ὑμῖν) e
recebe o imperativo que desenvolve uma convocação distinta: ... προσκαλεσάσθω
τοὺς πρεσβυτέρους τῆς ἐκκλησίας. Este imperativo προσκαλεσάσθω (lê-se: proskalesástho, “comece a chamar ou chame para perto os presbíteros
da igreja”). Este imperativo aoristo (προσκαλεσάσθω) chancela uma
mudança (em relação ao contexto) no tempo (aoristo) e voz (média). Talvez, por
ser aoristo, esteja funcionando aqui como ingressivo, enfatizando a urgência e
especificidade da ação (WALLACE. Gramática Grega, 2009, pp.719,720). O acusativo plural reduz esta ação para τοὺς πρεσβυτέρους τῆς ἐκκλησίας (“os presbíteros da igreja”, alguns usos semelhantes:
At.11:30; 14:23; 15:2; 20:7; Tt.1:5), visto assim, numa extensão definida (cf. CHAMBERLAIN. Gramática
Exegética do Grego Neo-Testamentário, 1989, p.63). O
segundo imperativo προσευξάσθωσαν (“comecem a orar” ou
“orem”) parece ter as mesmas classificações do anterior (ingressivo ou
constativo), entretanto, agora é direcionada aos presbíteros (τοὺς πρεσβυτέρους), sendo
complementado com a locução preposicional ἐπ᾽ αὐτὸν (uso espacial, “sobre ele”), descrevendo a quem
está ação passa a ser dirigida. Essa construção continua com um particípio,
seguido de outra locução preposicional: ... ἀλείψαντες [αὐτὸν] ἐλαίῳ ἐν τῷ ὀνόματι
τοῦ κυρίου. Robertson entende que este particípio (adverbial
dependente de προσευξάσθωσαν) pode ser simultâneo
ou antecedente (“façam oração, enquanto ungem ou depois de ungirem, façam
oração”) e a locução foca o dativo instrumental (“pelo nome do Senhor”). O
mesmo uso de ἀλειφω ἐλαιῳ (lê-se: aleifo,
“unjo” – elaio, “óleo”) aparece em Mc.6:13 (ROBERTSON. Word Pictures in the
New Testament, 1997, s. Tg 5:14). Essas considerações denotam nosso
primeiro contato com o texto, a partir de suas discriminações sintáticas. Elas
serão de fundamental importância na argumentação que virá posteriormente.
Em
terceiro lugar, esta abordagem envolverá o co-texto (para distingui-lo do CXT histórico.
cf. VOGT. A Interpretação do Pentateuco, 2015, p.130) de 5:14 em sua
delimitação e ligação. Varner entende que a extensão em que 5:14 é de 5:13-18.
Este parágrafo descreve primeiro a oração na comunidade (5:13-16) e como
exemplo a [oração] de Elias (5:17,18). Além disso, ao
observamos pela seção, nesse caso, regida pelo vocativo (ἀδελφοί, lê-se:
adelfoí, “irmãos!”) traz a seguinte síntese: “não jure, mas ore” (VARNER. The Book of James – A New Perspective A Linguistic
Commentary Applying Discourse Analysis, 2010, pp.37, 188). Outros
estudiosos como Moo trabalham com a mesma delimitação para 5:14, mas, com
título diferente: “oração e cura”. Nesse caso, um encorajamento para orar é
típico das seções conclusivas das cartas do NT e também típico das cartas
helenísticas, em geral um desejo final de “saúde” (MOO. The Letter of James The Pillar
New Testament Commentary, 2000, p. 234). Algo importante a ser destacado são os usos de προσεύχομαι (preoseýkhomai, “eu oro”), εὐχή (lê-se: eukhé, oração), εὔχομαι (eúkhomai, “eu oro”) e προσευχή (lê-se: proseukhe, “oração”).
“Está alguém entre vós sofrendo? Faça oração” |
|
ἀσθενεῖ
τις ἐν ὑμῖν [...] προσευξάσθωσαν ἐπ᾽ αὐτὸν... 5:14 |
“Está alguém entre vós doente? [...] Orem sobre ele...” |
καὶ
ἡ εὐχὴ τῆς
πίστεως σώσει τὸν κάμνοντα.. 5:15 |
“A oração da fé salvará o
doente...” |
καὶ
εὔχεσθε ὑπὲρ ἀλλήλων... 5:16 |
“Orai uns pelos outros...” |
Ηλίας
[...] προσευχῇ προσηύξατο τοῦ μὴ βρέξαι... 5:17 |
“Elias [...] orando, pediu que não chovesse...” |
Portanto, essa constatação nos
leva a seguinte conclusão: “a oração é claramente o tópico deste
parágrafo, sendo mencionado em todos os versos” (MOO. The Letter of James The Pillar
New Testament Commentary, 2000, p. 234).
Em
quarto lugar, depois de pensar estas questões, percebemos a proeminência
em voga na passagem analisada. Para a Análise do Discurso esta proeminência tem
um viés definidor. Runge a conceitua da
seguinte forma: “objetos presentes no texto que são mais significantes
do que outros” (RUNGE. Discourse Grammar of The Greek New Testament,
2013, p.14). Assim, voltamos para a questão proposta neste ensaio. Inicialmente
levantemos algumas abordagens de interpretação para a expressão: καὶ
προσευξάσθωσαν ἐπ᾽ αὐτὸν ἀλείψαντες [αὐτὸν] ἐλαίῳ
ἐν τῷ ὀνόματι τοῦ κυρίου (“façam oração, enquanto
ungem ou depois de ungirem, pelo nome do Senhor”). “Os presbíteros,
imperativamente, “devem orar (simultaneamente) ungindo com óleo por meio do
nome do Senhor”. Comumente, quando se trabalha esta passagem o particípio (ἀλείψαντες, lê-se:
aleípsantes) funciona com certa proeminência em nosso
contexto, de forma contrária, ao seu uso no texto. Como explica Varner “existe muita discussão quanto ao ungir com óleo
com discriminações distintas, mas é importante notar que esta questão é parte secundária
nesta passagem, pois a cláusula primária descreve a oração dos
presbíteros. Ao passo que isso não responde as questões remanescentes sobre o
uso do óleo, coloca o assunto no contexto maior da oração” (VARNER. The Book of James – A New Perspective A Linguistic
Commentary Applying Discourse Analysis, 2010, pp.190,191). Presbíteros como oficiais da igreja são mencionados no
N.T (em Atos 11:30, 14:23, 15: 4, 6, 22, 23, 16: 4, 20:17, 21:18, 1 Tm.
5:1,2,17, 19, Tt.1:5), além disso, vilas judaicas também tinham
presbíteros (ROPES. A Critical and Exegetical
Commentary on the Epistle of St. James,
1916, p. 304). Entretanto, Varner pensa esses presbíteros de 5:14 em
associação com 2:2, pensando o centro espiritual da comunidade chamada de “Sinagoga”.
Assim, a referência não é a construção, mas a reunião dos crentes. A
dificuldade consisti em conhecer, se esses presbíteros de 5:14 são escolhidos, sinônimos
ao período de At.20 ou das cartas paulinas. Provavelmente,
sejam eles líderes espirituais da comunidade, presbíteros na sinagoga judaica
do segundo templo (VARNER. The
Book of James – A New Perspective A Linguistic Commentary Applying Discourse
Analysis, 2010, pp.190,191).
Pelos considerandos argumentativos citados, parece que a questão da passagem está fundamentada na
oração. Por esta razão, não temos informações exaustivas sobre ... ἀλείψαντες
[αὐτὸν] ἐλαίῳ ἐν τῷ ὀνόματι τοῦ κυρίου, dificultando
sua contextualização. Osborne pensa nas normas culturais e supraculturais
(normativo) da Escritura (decisão complexa), de maneira que o segundo é
determinado pela extensão do princípio teológico subjacente, dominando a
aplicação de superfície (em Tg.5:13-18 a
oração). Assim, o autor depende do ensino tradicional, definido numa questão
específica (OSBONE. Espiral Hermenêutica, 2009, pp.548-550). Por causa das limitadas informações, por causa da
subserviência desta questão, a absolutização de alguma abordagem
(medicinal, sacramental e outros) funciona numa constante falsealidade (VARNER.
The Book of
James – A New Perspe\ctive A Linguistic Commentary Applying Discourse Analysis, 2010, pp.190,191).
Nesta resumida jornada investigativa observamos alguns elementos fundantes para a argumentação em voga. Inicialmente pela sintaxe grega, a qual nos serviu como porta de entrada no texto. Nossa estruturação de 5:14 passou pelas orações com suas constituições que envolvem a situação e os imperativos. Posteriormente a luz do co-texto trabalhamos a delimitação e ligação do textos com os outros, principalmente pelo verbo “orar” e substantivo “oração”. Desta forma, parágrafo/seção foram pensadas e identificadas. Isso passou também pelo contexto histórico com seus postulados culturais fundamentais. Finalmente, os conceitos analisados nos fizeram entender que “ungir com óleo” nesta passagem é algo secundário somente e cultural. Por esta razão, o viés supracultural nesta passagem é a oração, o imperativo teológico para todos os tempos.