segunda-feira, 22 de março de 2021

 

“Ungir com Óleo” (Tg.5:14): Uma prática cultural, algo não reproduzível para a igreja atual.

Neste ensaio, trabalharemos Tg.5:14, a partir de ferramentas metodológicas hermenêuticas fundamentadas na Análise do Discurso. Para tal, as contribuições de alguns estudiosos serão de vital importância, principalmente, as oriundas de William Varner e Grant Osborne (1942-2018). A defesa, nesse sintético texto, afirma que “ungir com óleo” é uma prática cultural, não reproduzível para a igreja atual. Para expormos esta percepção passaremos por alguns caminhos.

Em primeiro lugar, trabalharemos dois elementos que corroboram com a análise do texto. Assim, uma observância do contexto histórico de Tiago faz com que percebamos certos pontos sobre este verso. Incialmente, os usos do óleo tanto na prevenção e como tratamento de doenças (cf. Lc 10,34), evocando os fins “medicinais” (do ponto de vista antigo). Além disso, no viés da oração existia uma, de conotação mais geral, pela cura, como uma das bênçãos regularmente recitadas nas sinagogas. Visitar os doentes significava um ato de piedade no judaísmo primitivo, o qual os cristãos provavelmente continuaram (cf.Mt 25,36,43. KEENER. InterVarsity Press: The IVP Bible Background Commentary: New Testament, 1993, S. Tg 5:14). Em associação com isto, foquemos as duas categorias interpretativas deste “ungir com óleo”: 1) PROPÓSITO PRÁTICO: medicinal, pois o óleo era amplamente utilizado no mundo antigo, tanto como condicionador da pele e como medicamento; pastoral, pois, a unção pode ter sido planejada como uma expressão física exterior de preocupação e como um meio de estimular a fé da pessoa doente. 2) PROPÓSITO RELIGIOSO: sacramental essa prática surgiu no início da história da igreja. Com base neste texto, a antiga igreja grega praticava o que eles chamavam de “Euchelaion” (uma combinação das palavras εὐχὴ, “oração” e ἔλαιον, “óleo”, ambos usados neste texto), que tinha o propósito de fortalecer o corpo e alma dos enfermos. Simbólico: a unção frequentemente simboliza a consagração de pessoas ou coisas para o uso e serviço de Deus no AT como em Êx.28:41 (MOO. The Letter of James The Pillar New Testament Commentary, 2000, p.240).

Em segundo lugar, observemos o texto grego de 5:14 é escriturado em três partes (linhas): 1) ἀσθενεῖ τις ἐν ὑμῖν, 2) προσκαλεσάσθω τοὺς πρεσβυτέρους τῆς ἐκκλησίας 3) καὶ προσευξάσθωσαν ἐπ᾽ αὐτὸν ἀλείψαντες [αὐτὸν] ἐλαίῳ ἐν τῷ ὀνόματι τοῦ κυρίου. Na primeira linha (cólon) o pronome indefinido nominativo (τις, lê-se tis, “alguém”) “é usado para introduzir um membro de uma classe sem adicionar identificação” (WALLACE. Gramática Grega, 2009, p.347). A ordem do texto pode ser construída pela análise das cláusulas de Varner: “predicado: ἀσθενεῖ -- sujeito: τις ἐν ὑμῖν (lê-se: tis em hymîn, “alguém entre vós”). Assim, a estrutura de cada cláusula é indicada pela função de cada componente” (VARNER. The Book of James – A New Perspective A Linguistic Commentary Applying Discourse Analysis, 2010, pp.41,189). Este predicado funciona pelo verbo ἀσθενεῖ (lê-se: astheneî, “está doente”), o qual parece ser “progressivo” ou “ação durativa” (ROBERTSON. Grammar of The Greek New testament in The Light of Historical Research, 2006, p.879). Este uso corresponde a Mt.10:8 e aparece muitas vezes no grego clássico e helenístico (MAYOR. The Epistle of St. James the Greek Text With Introduction, Notes and Comments, and Further Studies in the Epistle of St. James, 1913, p.163).  Esse personagem não identificado vive numa situação de doença (ἀσθενεῖ τις ἐν ὑμῖν) e recebe o imperativo que desenvolve uma convocação distinta: ... προσκαλεσάσθω τοὺς πρεσβυτέρους τῆς ἐκκλησίας. Este imperativo προσκαλεσάσθω (lê-se: proskalesástho, “comece a chamar ou chame para perto os presbíteros da igreja”). Este imperativo aoristo (προσκαλεσάσθω) chancela uma mudança (em relação ao contexto) no tempo (aoristo) e voz (média). Talvez, por ser aoristo, esteja funcionando aqui como ingressivo, enfatizando a urgência e especificidade da ação (WALLACE. Gramática Grega, 2009, pp.719,720). O acusativo plural reduz esta ação para τοὺς πρεσβυτέρους τῆς ἐκκλησίας (“os presbíteros da igreja”, alguns usos semelhantes: At.11:30; 14:23; 15:2; 20:7; Tt.1:5), visto assim, numa extensão definida (cf. CHAMBERLAIN. Gramática Exegética do Grego Neo-Testamentário, 1989, p.63). O segundo imperativo προσευξάσθωσαν (“comecem a orar” ou “orem”) parece ter as mesmas classificações do anterior (ingressivo ou constativo), entretanto, agora é direcionada aos presbíteros (τοὺς πρεσβυτέρους), sendo complementado com a locução preposicional ἐπ᾽ αὐτὸν (uso espacial, “sobre ele”), descrevendo a quem está ação passa a ser dirigida. Essa construção continua com um particípio, seguido de outra locução preposicional:  ... ἀλείψαντες [αὐτὸν] ἐλαίῳ ἐν τῷ ὀνόματι τοῦ κυρίου. Robertson entende que este particípio (adverbial dependente de προσευξάσθωσαν) pode ser simultâneo ou antecedente (“façam oração, enquanto ungem ou depois de ungirem, façam oração”) e a locução foca o dativo instrumental (“pelo nome do Senhor”). O mesmo uso de ἀλειφω ἐλαιῳ (lê-se: aleifo, “unjo” – elaio, “óleo”) aparece em Mc.6:13 (ROBERTSON. Word Pictures in the New Testament, 1997, s. Tg 5:14). Essas considerações denotam nosso primeiro contato com o texto, a partir de suas discriminações sintáticas. Elas serão de fundamental importância na argumentação que virá posteriormente.

Em terceiro lugar, esta abordagem envolverá o co-texto (para distingui-lo do CXT histórico. cf. VOGT. A Interpretação do Pentateuco, 2015, p.130) de 5:14 em sua delimitação e ligação. Varner entende que a extensão em que 5:14 é de 5:13-18. Este parágrafo descreve primeiro a oração na comunidade (5:13-16) e como exemplo a [oração] de Elias (5:17,18). Além disso, ao observamos pela seção, nesse caso, regida pelo vocativo (ἀδελφοί, lê-se: adelfoí, “irmãos!”) traz a seguinte síntese: “não jure, mas ore” (VARNER. The Book of James – A New Perspective A Linguistic Commentary Applying Discourse Analysis, 2010, pp.37, 188).  Outros estudiosos como Moo trabalham com a mesma delimitação para 5:14, mas, com título diferente: “oração e cura”. Nesse caso, um encorajamento para orar é típico das seções conclusivas das cartas do NT e também típico das cartas helenísticas, em geral um desejo final de “saúde” (MOO. The Letter of James The Pillar New Testament Commentary, 2000, p. 234). Algo importante a ser destacado são os usos de προσεύχομαι (preoseýkhomai, “eu oro”), εὐχή (lê-se: eukhé, oração), εὔχομαι (eúkhomai, “eu oro”) e προσευχή (lê-se: proseukhe, “oração”).


Κακοπαθεῖ τις ἐν ὑμῖν, προσευχέσθω...  5:13

“Está alguém entre vós sofrendo? Faça oração”

ἀσθενεῖ τις ἐν ὑμῖν [...] προσευξάσθωσαν ἐπ᾽ αὐτὸν... 5:14

“Está alguém entre vós doente? [...] Orem sobre ele...”

καὶ ἡ εὐχὴ τῆς πίστεως σώσει τὸν κάμνοντα.. 5:15

“A oração da fé salvará o doente...”

καὶ εὔχεσθε ὑπὲρ ἀλλήλων... 5:16

“Orai uns pelos outros...”

Ηλίας [...] προσευχῇ προσηύξατο τοῦ μὴ βρέξαι... 5:17

“Elias [...] orando, pediu que não chovesse...”

 

Portanto, essa constatação nos leva a seguinte conclusão:  “a oração é claramente o tópico deste parágrafo, sendo mencionado em todos os versos” (MOO. The Letter of James The Pillar New Testament Commentary, 2000, p. 234).  

Em quarto lugar, depois de pensar estas questões, percebemos a proeminência em voga na passagem analisada. Para a Análise do Discurso esta proeminência tem um viés definidor. Runge a conceitua da  seguinte forma: objetos presentes no texto que são mais significantes do que outros (RUNGE. Discourse Grammar of The Greek New Testament, 2013, p.14). Assim, voltamos para a questão proposta neste ensaio. Inicialmente levantemos algumas abordagens de interpretação para a expressão: καὶ προσευξάσθωσαν ἐπ᾽ αὐτὸν ἀλείψαντες [αὐτὸν] ἐλαίῳ ἐν τῷ ὀνόματι τοῦ κυρίου (“façam oração, enquanto ungem ou depois de ungirem, pelo nome do Senhor”).  “Os presbíteros, imperativamente, “devem orar (simultaneamente) ungindo com óleo por meio do nome do Senhor”. Comumente, quando se trabalha esta passagem o particípio (ἀλείψαντες, lê-se: aleípsantes) funciona com certa proeminência em nosso contexto, de forma contrária, ao seu uso no texto. Como explica Varner existe muita discussão quanto ao ungir com óleo com discriminações distintas, mas é importante notar que esta questão é parte secundária nesta passagem, pois a cláusula primária descreve a oração dos presbíteros. Ao passo que isso não responde as questões remanescentes sobre o uso do óleo, coloca o assunto no contexto maior da oração” (VARNER. The Book of James – A New Perspective A Linguistic Commentary Applying Discourse Analysis, 2010, pp.190,191). Presbíteros como oficiais da igreja são mencionados no N.T (em Atos 11:30, 14:23, 15: 4, 6, 22, 23, 16: 4, 20:17, 21:18, 1 Tm. 5:1,2,17, 19, Tt.1:5), além disso, vilas judaicas também tinham presbíteros (ROPES. A Critical and Exegetical Commentary on the Epistle of St. James, 1916, p. 304). Entretanto, Varner pensa esses presbíteros de 5:14 em associação com 2:2, pensando o centro espiritual da comunidade chamada de “Sinagoga”. Assim, a referência não é a construção, mas a reunião dos crentes. A dificuldade consisti em conhecer, se esses presbíteros de 5:14 são escolhidos, sinônimos ao período de At.20 ou das cartas paulinas. Provavelmente, sejam eles líderes espirituais da comunidade, presbíteros na sinagoga judaica do segundo templo (VARNER. The Book of James – A New Perspective A Linguistic Commentary Applying Discourse Analysis, 2010, pp.190,191).   

    Pelos considerandos argumentativos citados, parece que  a questão da passagem está fundamentada na oração. Por esta razão, não temos informações exaustivas sobre ... ἀλείψαντες [αὐτὸν] ἐλαίῳ ἐν τῷ ὀνόματι τοῦ κυρίου, dificultando sua contextualização. Osborne pensa nas normas culturais e supraculturais (normativo) da Escritura (decisão complexa), de maneira que o segundo é determinado pela extensão do princípio teológico subjacente, dominando a aplicação de superfície  (em Tg.5:13-18 a oração). Assim, o autor depende do ensino tradicional, definido numa questão específica (OSBONE. Espiral Hermenêutica, 2009, pp.548-550). Por causa das limitadas informações, por causa da subserviência desta questão, a absolutização de alguma abordagem (medicinal, sacramental e outros) funciona numa constante falsealidade (VARNER. The Book of James – A New Perspe\ctive A Linguistic Commentary Applying Discourse Analysis, 2010, pp.190,191).   

Nesta resumida jornada investigativa observamos alguns elementos fundantes para a argumentação em voga. Inicialmente pela sintaxe grega, a qual nos serviu como porta de entrada no texto. Nossa estruturação de 5:14 passou pelas orações com suas constituições que envolvem a situação e os imperativos. Posteriormente a luz do co-texto trabalhamos a delimitação e ligação do textos com os outros, principalmente pelo verbo “orar” e substantivo “oração”. Desta forma, parágrafo/seção foram pensadas e identificadas. Isso passou também pelo contexto histórico com seus postulados culturais fundamentais. Finalmente, os conceitos analisados nos fizeram entender que “ungir com óleo” nesta passagem é algo secundário somente e cultural. Por esta razão, o viés supracultural nesta passagem é a oração, o imperativo teológico para todos os tempos.            

domingo, 7 de março de 2021

 

“SATANÁS” não é “a ESTRELA da MANHÃ (“LÚCIFER” הֵילֵל) de Is.14:12.   

                                       A Deo docetur, Deum docet, ad Deum ducit[1]

            Por que Satanás é chamado de “Lúcifer”? Pode ser que nem todos tenham essa resposta. Entretanto, alguns conscientes dela, usam alguns fundamentos de ordem etimológica e teológica com seus desdobramentos distintos, para destacar e legitimar “Lúcifer” como referência a Satanás, usando Is.14:12. Assim, este texto explicaria sua queda do céu, por causa de suas ambições. O rei da Babilônia funcionaria aqui como sua representação. Entretanto, neste ensaio esta percepção será negada, por meio de: [1] uma análise literária-histórica da expressão hebraicaבֶּן־שָׁחַר  הֵילֵל (heylel ben-shahar) que funciona como origem do termo “Lúcifer”, [2] uma análise do co-texto literário de Is.14:12-14 e [3] o trato hermenêutico da passagem delimitada (Is.14:12-14).

       A expressão hebraicaבֶּן־שָׁחַר  הֵילֵל (heylel ben-shahar) usada em Is.14:12 tem alguns desdobramentos fundantes na negação proposta neste ensaio. Entretanto, inicialmente isolaremos os termos para pensá-los em 1) suas traduções, 2) usos no AT e 3) definições do contexto histórico. Assim, com estes focos em voga, observemos primeiramente הֵילֵל (heylel) que pode ser traduzida como: “estrela da manhã” (The Brown-Driver-Briggs Hebrew and English Lexicon).[2] Quanto ao uso não aparece em nenhum outro lugar no Antigo Testamento (hapax). Muitos intérpretes, antigos e modernos, veem הֵילֵל (heylel) como uma designação de Vênus, “a estrela da manhã”. Essa interpretação estava por trás da tradução grega precoce do termo, bem como “luciferos” da Língua Latina (“brilhante”, isto é, “Vênus”). A maioria dos intérpretes modernos acredita que Isaías está usando um conto mitológico, bem conhecido, como uma analogia ao fracasso, as consequências da rebelião e arrogância do rei da Babilônia, mas nenhuma literatura conhecida corresponde aos detalhes da rebelião de “helel” (MATTHEWS; WALTON. The IVP Bible Background Commentary: Old Testament, 2000, s. Is 14:12).[3]

      De outro lado o complemento de הֵילֵל (helel) envolve: בֶּן־שָׁחַר que pode ser traduzido como: “filho da estrela, ou de real esplendor” (The Brown-Driver-Briggs Hebrew and English Lexicon).[4] Deste composto, a palavra שַׁחַר (shahar) era frequentemente personificada no Antigo Testamento a uma deidade conhecida em inscrições fenícias e ugaríticas (MATTHEWS; WALTON. The IVP Bible Background Commentary: Old Testament, 2000, s. Is 14:12). Ela aparece quarenta e quatro vezes no AT com significados distintos. Além destas perspectivas, a questão gramatical é importante, pois a relação de construto é usada como “genitivo de especificação”, o qual limita uma qualidade (PINTO Carlos. Fundamentos para a Exegese do Antigo Testamento, 1998, p.20).

         Depois destas considerações devemos destacar a origem literal do termo “Lúcifer”, vindo de Is.14;12. Na verdade, [Lucifer] é o nome romano para “estrela da manhã” (helel), o qual desparece rapidamente diante do esplendor do sol” (PFEIFFER. The Wycliffe Bible Commentary: Old Testament, S. Is 14:12). Por esta razão, aparece na Vulgata  Latina[5] como tradução de “helel” (Is.14:12: “...quomodo cecidisti de caelo LUCIFER qui mane oriebaris corruisti in terram qui vulnerabas gentes”). Além disso, alguns pensam em “helel” num título dirigido ao rei da Babilônia, não como um indivíduo humano específico (como Belsazar, por exemplo), mas como representante ou encarnação de Satanás, que é considerado o poder do trono do rei. O orgulho tirânico e a ambição expressas nos versículos 13,14 estão fora de lugar em qualquer lábio, exceto em Satanás (PFEIFFER, Charles. The Wycliffe Bible Commentary: Old Testament, S. Is 14:12).

         Depois disto, observemos o co-texto literário. O desenho argumentativo em que se encontra Is.14:12-14, tem suas ligações estabelecidas nas afirmações anteriores e posteriores. Desta forma, nosso recorte, partindo de Is.13 mostra “a sentença contra a/da Babilônia”[6] (13:1). Além disso, entre os caps.13 e 14 [de Isaías] “Babilônia” aparece quatro vezes (13:1,19; 14:4,22) e dentre esses somente em 14:4 aponta para o seu “rei”.[7] Este juízo é exposto como “dia de YHWH”[8] (13:6,9; 14:3). Esses textos são definidos estruturalmente por Watts com as seguintes partes (chamadas de “episódios”): [A] O peso da Babilônia (13:22a), [B] o destino da Babilônia e a esperança de Jacó (13:22b-14:7), [C] escárnio sobre um rei falido (14:8-21), [D] três declarações de YHWH (14:22,23) e [D] peso sobre os Filisteus (14:28-32).[9] 

    Uma vez definida a seção com seus desdobramentos definidos, observaremos 14:12-14 de forma holística (contextualmente se falando). O texto declara em segunda pessoa: “como caíste do céu, ó estrela da manhã, filho da alva! Como foste lançado por terra, tu que debilitava as nações![10] Tu mesmo dizias” [...] em primeira pessoa: “eu subirei”[11] [...] “exaltarei”[12] [...] “me assentarei”[13] [...] “subirei”[14] [...] “serei”[15]. De início está claro que todos os verbos dos vs.12-14 fazem referência a “estrela da manhã, o filho da alva”. Ao voltarmos um pouco mais ficará claro também que o apontamento em questão é dirigido ao rei da Babilônia (14:4,8-21).[16] Assim, a delimitação não pode ser quebrada, de maneira que as ligações contextuais expostas no texto, sejam vistas de forma antitética. Ignorar o contexto é o mesmo que deixar de lado a intenção do autor escriturada no texto. O desenho argumentativo em que se encontra Is.14:12, tem suas ligações estabelecidas nas afirmações anteriores e posteriores. Desta forma, nosso recorte, partindo de Is.13 mostra “a sentença contra a/da Babilônia”[17] (13:1).

        Depois destes apontamentos nos voltemos, para pensarmos Is.12:12-14 em sua interpretação. A tese interpretativa que é objeto da discordância deste ensaio, entende que atrás do maligno sistema babilônico estava Lúcifer (“Estrela do Dia”), o inimigo de Deus (v.12-15). Parece que Lúcifer era um anjo que se rebelou contra Deus e queria levar para si o culto que pertencia apenas a Deus. “Eu serei como o Altíssimo” (v. 14) é a ambição do maligno e a tentação que ele coloca antes do homem (Gn.3:5).[18] Entretanto, questionamos: como fundamentaremos essa percepção no contexto? O desenvolvimento contextual que trata a Babilônia e seu rei foi quebrado de repente, mas em que momento no texto? Nossa abordagem de interpretação rejeita esta tese e trata Is.14:12-14 num viés diferente.

        Para cumprirmos tal tarefa, invertamos a ordem dos versos, assim, as declarações feitas em 12:13,14 são contrapostas com 12:12. Desta forma, em primeiro lugar, destacamos as falas do Rei da Babilônia, as quais expõem sua arrogância em extremo (Jr.50:29,31). É verdade que ele “debilitava as nações” (14:5,6), mas havia se esquecido de sua posição como “servo” de YHWH (Jr.25:8,9), o qual foi levantado para cumprir propósito do Senhor, estabelecido na diáspora judaica. O resultado disso, nessa contraposição foi a queda do “céu” a “terra” (14:,8,12,15,19). Em seu impulso para governar o mundo, o orgulho da Babilônia foi ilimitado (Dn.4:30) e atuou como “deus” na Terra. Em suas ambições imperiais, não atuou de forma diferente do povo antigo que construiu uma cidade para fazer um nome para si (Gn.11:1-9). Do mesmo modo, o objetivo da Babilônia era chegar ao céu e tomar o lugar do Altíssimo, mas também, será derrubado. Quanto maior as aspirações, pior a queda. Isaías usa esse interlúdio dramático para aumentar o suspense. Os espíritos do mundo inferior receberão o rei da Babilônia?[19] Parecia que nenhuma força na terra podia lidar com o poder e força terrível de Babilônia, a grande: todos os grandes cedros experimentaram essa exibição de força sem precedentes.[20] Por esta razão, a pergunta retórica aparece em 14:16: “... este é o homem que fazia estremecer a terra e estremecer os reinos?”[21]  Esta identificação como “homem” corrobora com a tese defendida e destaca o poder de YHWH. Por isso, a Babilônia enfrenta uma humilhação completa. Com a zombaria de seu senso de superioridade, os mortos naquela já grande nação serão deixados sem sepultura nas ruas (14:24-27).[22]

        Esses elementos introdutórios levantados servem de bases exegéticas para o trato de Is.14:12-14. Pela questão lexical entendermos os desdobramentos linguísticos que envolvem as traduções do texto hebraico. Além disso, a dimensão contextual nos ajudou com a progressividade dos discursos e suas ênfases, rejeitando assim, o individualismo hermenêutico, algo totalmente impróprio (texto prova). Finalmente, os conceitos como determinantes internos do texto, chancelaram a tese deste ensaio, por meio de elementos probatórios disntintos. Portanto,  reafirmamos: “a estrela da manhã” é uma menção ao “Rei da Babilônia” não alegorizado.  



[1] Três aspectos da Teologia: “é ensinada por Deus, ensina a Deus e conduz a Deus” (Tomás de Aquino).

[2] A mesma tradução é encontrada em: HOLLADAY L. William. Léxico Hebraico e Aramaico do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2010, p.110.

[3] Provavelmente isso se refere ao planeta Vênus, que se levanta pela manhã e sobe para o topo do céu, apenas para ser ultrapassado pelo sol. No mundo antigo, as observações desse ciclo astronômico deram origem a vários mitos. WHITLOCK, Luder G.; SPROUL, R. C.; WALTKE, Bruce K.; SILVA, Moises: Reformation Study Bible, the : Bringing the Light of the Reformation to Scripture: New King James Version. Nashville : T. Nelson, 1995, S. Is 14:12

[4] Disponível no Bible Works 9. Mesma tradução é encontrada em: HOLLADAY L. William. Léxico Hebraico e Aramaico do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2010, p.110.

[5] Biblia Sacra Iuxta Vulgatam Versionem (Vulgate Latin Bible), edited by R. Weber, B. Fischer, J. Gribomont, H.F.D. Sparks, and W. Thiele [at Beuron and Tuebingen].

[6] מַשָּׂא בָּבֶל  (masah babel): “Sentença (peso) da Babilônia”.

[7]  בָּבֶל מֶלֶךְ (melekh babel)

[8]  יוֹם יְהוָה  (yom YHWH).

[9] WATTS, John D. W.: Word Biblical Commentary: Isaiah 1-33. Dallas : Word, Incorporated, 2002 (Word Biblical Commentary 24), p. 184.

[10] בֶּן־שָׁחַר נִגְדַּעְתָּ לָאָרֶץ חוֹלֵשׁ עַל־גּוֹיִ אֵיךְ נָפַלְתָּ מִשָּׁמַיִם הֵילֵל  W

[11] עָלָה (halah)

[12] רום (ravam)

[13] יָשַׁב (yashav)

[14] עָלָה (halah)

[15]  דָּמָה (damah)

[16] Atentemos para o uso da interjeição  אֵיךְ  (heykhe) usada em 14:4,12

[17] מַשָּׂא בָּבֶל  (masah babel): “Sentença (peso) da Babilônia”.

[18] WIERSBE, Warren W.: With the Word Bible Commentary. Nashville : Thomas Nelson, 1997, c1991, S. Is 14:1 (Libronix).

[19] ELWELL, Walter A.: Evangelical Commentary on the Bible. Grand Rapids, Mich. : Baker Book House, 1996, c1989 (Baker Reference Library 3), S. Is 14:9 (Libronix).

[20] SEITZ, Christopher R.: Isaiah 1-39. Louisville: John Knox Press, 1993 (Interpretation, a Bible Commentary for Teaching and Preaching), p. 134

[21] O mesmo ocorre com as outras perguntas retóricas (14:16,17).

[22] MAYS, James Luther; Harper & Row, Publishers; Society of Biblical Literature: Harper's Bible Commentary. San Francisco : Harper & Row, 1996, c1988, S. Is 14:3


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