quarta-feira, 24 de abril de 2024

 

    O Texto Grego do Apocalipse: Apontamentos Introdutórios (1ª Parte).


 

          Neste ensaio exegético, analisaremos, introdutoriamente, o texto grego do Apocalipse, focando os solecismos, crítica textual, sintaxe, vocabulário (léxico) e uma exegese numa parte do discurso. Faremos isto, em cinco movimentos distintos. Tal apreciação tem sua complexidade declarada, pois como colocou David L. Mathewson: “entre os numerosos desafios interpretativos [...] a natureza da linguagem do Apocalipse continua a suscitar considerável fascínio e perplexidade tanto por parte dos gramáticos como dos comentaristas” (MATHEWSON. Verbal Aspect in the Book of Revelation, The Function of Greek Verb Tenses in John’s Apocalypse, p.1). De outro lado, Osborne é categórico: “todos concordam quando se afirma que o grego de Apocalipse é o mais difícil do NT” (OSBORNE. Apocalipse, p.27). Estas falas corroboram com a devida compreensão da análise em voga. Começaremos pelo solecismo visto em alguns enquadramentos.

O “solecismo” (Σολοικισμός) e/ou “barbarismo” (βαρβαρισμός) presentes no Apocalipse têm algumas considerações definidoras e contextuais. Nestas dinâmicas, Laurențiu Florentin Moț explica que nem sempre o primeiro foi usado como termo gramatical, pois “Zenão (334-262 a.C), fundador do estoicismo, deu uma definição ampliada que ia além da fala, abrangendo roupas, alimentação e caminhada”. Entretanto, posteriormente em usos gramaticais (do geral ao específico). Luciano usou a palavra e seus cognatos de uma forma geral para significar todos os aspectos linguísticos ligados aos erros. Sua definição descreve solecismos como τὸν ἁμαρτάνοντα ἐν τοῖς λόγοις (“o que falha nas palavras”). De outro lado, o “barbarismo” (βαρβαρισμός), o qual tem uma trajetória semântica interessante. Antes das guerras persas (492–490, 480–479 a.C.) significava não-grego, quer linguística ou culturalmente. Depois das guerras persas, referia-se a qualquer coisa que parece inculto (MOT. Morphological and Syntactical Irregularities in the Book of Revelation, A Greek Hypothesis, pp.46,47). Estas primeiras informações são metodologicamente importantes para a percepção contextual, mas ainda assim, podemos questionar: como entender este fenômeno linguístico no Apocalipse?

Tal problemática pode ser vista de forma cronológica, pois, já na primeira metade do século III, Dionísio de Alexandria (264-265 d.C.) observou que o “uso da língua grega por João não é preciso, mas empregava expressões bárbaras, em alguns lugares cometendo solecismos absolutos” de algumas formas (BEALE.  The Book of Revelation A Commentary on the Greek Text, p.100). Aune, de certa forma, agrava isto: “o grego do Apocalipse não é apenas difícil e estranho, mas também contém muitos recursos lexicais e sintáticos que nenhum falante nativo do grego teria escrito” (AUNE. Word Biblical Commentary, p.388). Ele continua, apresentando algumas razões para estes solecismos: (1) Apocalipse é uma tradução de uma obra originalmente escrita em língua semítica, hebraico ou aramaico; (2) o autor escreveu em grego, mas pensado em hebraico ou aramaico; (3) O hebraico bíblico serviu de modelo para a língua do Apocalipse; (4) o autor era secundariamente bilíngue e provavelmente foi capaz de falar como bem como escrever grego; os semitismos que sem dúvida existem no Apocalipse, funcionavam como  resultado desta interferência bilíngue (AUNE. Word Biblical Commentary, p.388). É ainda relevante observar algo não afirmado com veemência exposto por Beale:há um número significativo destas irregularidades ocorre em no meio das alusões do AT. Várias expressões parecem irregulares, porque João está transportando as formas gramaticais exatas das alusões, muitas vezes das várias versões do AT grego e às vezes do hebraico. Ele não muda a forma gramatical do AT para se adequar ao contexto imediato. O contexto sintático presente no Apocalipse, então, era a expressão do AT. Isso cria “dissonância sintática”. Com a mesma frequência, a gramática precisa da passagem do AT não é mantida, mas semitismos estilísticos ou septuagintalismos são incorporados, a fim de criar a dissonância” (BEALE.  The Book of Revelation A Commentary on the Greek Text, p.101). Portanto, talvez, a avaliação mais comum das aparentes incongruências do Apocalipse, possam postular algum nível de influência semítica sobre a gramática de João. Embora, as especulações de que o Apocalipse seja uma tradução de uma fonte original hebraica ou aramaica careçam de plausibilidade, os solecismos gramaticais no são frequentemente atribuídos a alguns graus de influências da gramática do hebraico bíblico, talvez deliberadamente para dar-lhe um sabor do Antigo Testamento ou profético (MATHEWSON. Verbal Aspect in the Book of Revelation, The Function of Greek Verb Tenses in John’s Apocalypse, p.2).

 Quanto as irregularidades podemos falar pelo menos em cinco. Neste caso, na primeira e maior seção existem peculiaridades sentenciais compostas de divergências de caso, gênero e número A segunda classe consiste em incongruências verbais envolvendo tempo, modo e voz. A terceira classe representa as irregularidades preposicionais. Todos estes são solecismos de substituição. A próxima categoria a seguir é o das omissões. O capítulo termina com a quinta categoria que compreende acréscimos ou redundâncias (MOT. Morphological and Syntactical Irregularities in the Book of Revelation, A Greek Hypothesis, p.107). Corrobora ainda a ideia conecta ao argumento anterior, pois, é importante distinguir vários tipos de hebraísmos e aramaísmos: “(1) semântico Semitismos, (2) Semitismos lexicais, (3) Semitismos fraseológicos, (4) semitismos sintáticos e (5) semitismos estilísticos (expressões e construções possíveis em grego, mas cujo uso excepcionalmente frequente é mais característico do hebraico ou aramaico” (AUNE. Word Biblical Commentary, p.389). Tal perspectiva precisa ser enfatizada, porquanto, outras instâncias às vezes incluídas na discussão dos solecismos não aparecem como oposições diretas do direito comum das regras gramaticais, mas são melhor categorizadas como variações peculiares de estilo - por exemplo, pronomes resumidos (por exemplo, 3:8; 7:9), resolução de um particípio em um verbo finito em uma cláusula seguinte (por exemplo, 1:5-6; 2:20), mistura de tempos verbais e modos sem razão explícita (por exemplo, 21:24-27), e expressões estilísticas que parecem expressar hebraísmos ou aramaísmos (por exemplo, 4:9-10). Algumas das claras solecismos são difíceis de explicar em qualquer teoria (BEALE.  The Book of Revelation A Commentary on the Greek Text, p.102).

Foquemos em algumas ilustrações que se enquadram nos cinco níveis:

Discordâncias de Caso (DEBRUNNER, BLASS. A Greek Grammar of The New Testament and Other Early Christian Literature, pp.135,136)

         [A] Uma frase aposicional (ou particípio circunstancial) é frequentemente encontrado no nominativo em vez de um caso oblíquo:

        τῆς καινῆς Ἰερουσαλὴμ ἡ καταβαίνουσα ἐκ τοῦ οὐρανοῦ  (3:12)

        [B] O masculino é frequentemente substituído pelo feminino ou neutro

         αἱ δύο λυχνίαι [...] ἑστῶτε  (11:4)

         [C] Nominativo para genitivo. Existem duas referências, que envolvem cinco substantivos nominativos usados no lugar de tantos substantivos genitivos. Todos os nominativos aposicionais deveriam ter sido traduzidos no genitivo, de acordo com ησο Χριστο..

         ἀπὸ Ἰησοῦ Χριστοῦ, ὁ μάρτυς, ὁ πιστός, ὁ πρωτότοκος  (Rev. 1:5 BNT)

          [D] Um nominativo participial é aplicado sete vezes a um genitivo. O primeiro nesta categoria está o solecismo mais famoso e um dos loci Communes onde são identificados no Apocalipse, provavelmente devido à sua primeira posição no livro. Apocalipse 1:4 contém a frase π ν κα ν κα ρχόμενος, onde π é seguido não por genitivos, mas surpreendentemente, por um nominativo (MOT. Morphological and Syntactical Irregularities in the Book of Revelation, A Greek Hypothesis, p.113).

          [E] Em 13:14, o particípio masculino singular λέγων funciona como um predicado adjetivo, modificando o substantivo neutro singular θηρίον (13:11). Isto é claramente um solecismo e também reflete a prática do narrador de modificar o neutro substantivos que simbolizam homens com adjetivos, pronomes e particípios no género masculino (AUNE. Word Biblical Commentary, p.389).

         Vale a ressalva de que o “Constructio Ad Sensum” deve ser levado em conta. Tal construção contempla um pequeno grupo de demonstrativos possui uma concordância natural com seus antecedentes, cometendo o que chamamos de solecismo. São construções ideológicas ou constructio ad sensum. Essa (des-) concordância natural envolve gênero ou, mais raramente, número. Frequentemente, a concordância somente é conceituai, visto que o pronome aponta para uma frase ou oração e não para um substantivo ou qualquer outro nome. Como é de se esperar, não poucos desses exemplos são debatíveis e exegeticamente significantes (Wallace, p.330). Corroboram Debrunner, Blass, quando destacam: [1] “a instância principal é aquela em que um coletivo, abrangendo uma pluralidade de pessoas em um substantivo singular, é interpretado como se o sujeito fosse plural. [2] Coletivos pessoais femininos ou neutros no plural podem ser continuados por um masculino plural. [3] Um particípio masculino referindo-se a um substantivo neutro que designa um ser pessoal” (DEBRUNNER, BLASS. A Greek Grammar of The New Testament and Other Early Christian Literature, pp.133,135). Ainda assim, Beale afirma: “as conclusões a que cheguei refinam esta avaliação. Alguns os solecismos que podem ser atribuídos à influência do AT também poderiam ser explicados como devidos à constructio ad sensum, mas não a maioria deles; e quando ambas as explicações são possíveis, a influência do AT é preferível, porque se baseia em evidências mais objetivas” (BEALE.  The Book of Revelation A Commentary on the Greek Text, p.101).

 Depois desta sintética análise continuamos com a tese inicial de que o grego do apocalipse é notoriamente complexo. Pelos solecismos percebemos seus usos nas antigas literaturas que precederam o livro das revelações. Além disso, a detecção inicial deles no 3º século d.C. De forma, introdutória percebemos que a escrita do livro teve fundamento no AT. Parece ser esta a explicação tendo também como base que as aparições dos solecismos se desenvolvem na intertextualidade (relação com o AT). Tal síntese parece expressar hebraísmos ou aramaísmos. Os outros elementos a serem observados complementarão a análise.  


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