sexta-feira, 28 de agosto de 2020

 

A Identificação da PEDRA” (πέτρα) de Mt.16:18 pelo binômio Confissão/Confessor.


Nossa tarefa neste ensaio exegético é expor a identificação da “pedra” (16:18), levando em conta alguns pressupostos hermenêuticos. Seguido a isto, uma análise de viés exegético com alguns considerandos metodológicos que envolvem este trato. A defesa em voga pensa a pedra pelo binômio confissão/confessor. Para tal, percorreremos alguns caminhos que trarão alguns substratos a percepção hermenêutica definida.  

Pela percepção da ICAR  a “pedra” de Mt.16:18 funciona evocaremos de formas distintas. Quando trata “o colégio episcopal e seu chefe, o Papa” define: “somente Simão, a quem deu o nome de Pedro, o Senhor constituiu pedra de Sua igreja. Entregou-lhes as chaves da mesma, instituiu-o pastor de todo o seu rebanho” (CATECISMO da Igreja Católica, 2000, p.253). Esta citação começa a desenvolver a identificação “desta pedra”, entretanto, outros elementos ajudarão, pois ao tratar das “chaves do reino” o catecismo expõe: “no colégio dos doze Simão Pedro ocupa o primeiro lugar. Graças a uma revelação vinda do Pai, Pedro havia confessado (Mt.16:16)”. Assim, ao ler “tu és Pedro, e sobre esta pedra edificarei a minha igreja, e as portas do inferno nunca prevalecerão contra ela (Mt.16:18), interpreta:Cristo, a ‘Pedra viva’ garante a sua igreja construída sobre Pedro a vitória sobre as potencias da morte(CATECISMO da Igreja Católica, 2000, p.156). Depois de observar estas conceitualizações, se faz necessário atentar para seu continuísmo, porque “o único colégio apostólico (Pedro e os doze) de modo semelhante é formatado pelo “sucessor de Pedro, o Romano Pontífice e os bispos sucessores dos apóstolos, os quais estão unidos entre si” (CATECISMO da Igreja Católica, 2000, p.253). Ainda nesta dinâmica é importante descrever o múnus do Papa: “em virtude de sua tarefa de Vigário de Cristo e de Pastor de toda a igreja, possui na igreja poder pleno, supremo e universal. E ele pode exercer livremente este poder” (CATECISMO da Igreja Católica, 2000, p.253). Com estas sintéticas delimitações introdutórias observamos que a “pedra” de Mt.16:18 pelo viés interpretativo da ICAR (nas porções citadas do catecismo, Mt.16:18 e 18:18 aparecem nas notas de rodapé), faz referência a Pedro em sua confissão e posteriormente ao Papa como seu sucessor com os devidos múnus.               
     A percepção teológica da “pedra” de Mt.16:18 oriunda da teologia reformada tem também suas especificidades definidas. Em primeiro lugar, destaquemos a percepção de Calvino (1509-1564), pois leva em conta a confissão de Pedro feita em seu nome e em nome de seus irmãos (“Cristo, o Filho de Deus”). Assim, sobre ‘“esta pedra’ Cristo edifica a Sua igreja, porquanto é ela, como diz Paulo, o fundamento único, além do qual não se pode colocar outro” (1Co.3:11, CALVINO. As Institutas, Vol.4, 2006, p.112). Em segundo lugar, Herman Bavinck (1854-1921) em sua Dogmática Reformada entende que “a resoluta confissão de Jesus, como o Cristo realizada por Pedro, mostra que era a pedra sobre a qual Cristo edificaria a igreja.” Além disso, entende que a antítese com a percepção da ICAR não é necessária e reitera que a expressão “esta pedra” só pode se referir a Pedro, mas que isso foi demonstrado por sua confissão. Por essa razão, Jesus Cristo prometeu a Pedro que edificaria sua igreja (Cristo, o construtor) sobre ele, como confessor da filiação e do messianismo de Jesus (Pedro, a pedra sobre a qual a igreja se apoiaria, BAVINCK. Dogmática Reformada, Vol.4, 2012, p.343). Cabe destacar que são negadas “a superioridade dada a Pedro” (cf. CALVINO. As Institutas, Vol.4, 2006, pp.109-114) e o continuísmo do “ofício extraordinário”, o qual “não pertence a capacitação contínua e repetida da igreja” (RIDDERBOS. Teologia do Apóstolo Paulo, 2004, p.504; o que “sobrevive é a Palavra Apostólica”, BAVINCK. Dogmática Reformada, Vol.4, 2012, p.344 ) conferido ao Papa.  
Depois de observarmos sinteticamente estes posicionamentos expostos, na dinâmica que envolveu mais a Teologia Sistemática, trabalharemos o texto em voga num viés exegético (TB). Para tal seguiremos alguns passos metodológicos distintos: 1) algumas observações quanto a estrutura do verso, tradução e sintaxe grega de Mt.16:18; 2) a delimitação do discurso pelo contexto lógico e 3) as definições dos conceitos do texto
A estrutura de Mt.16:18 a partir do grego pode ser construída, a partir do “kaís” usados em três linhas:

         16:18a κἀγὼ δέ σοι λέγω ὅτι σὺ εἶ Πέτρος

        “E também eu te declaro: tu mesmo és Pedro”.

         16:18b καὶ ἐπὶ ταύτῃ τῇ πέτρᾳ οἰκοδομήσω μου τὴν ἐκκλησίαν

                  “E sobre esta pedra edificarei a minha igreja”

        16:18c καὶ πύλαι ᾅδου οὐ κατισχύσουσιν αὐτῆς”.   

                  “E as portas da morte/hades prevalecerão contra ela”

A última parte de 18b inicia o uso dos verbos no futuro, sendo que o primeiro é “οἰκοδομήσω que todas versões consultadas traduzem como “edificará”, talvez seja esse um futuro preditivo (“acontecerá”). A dinâmica possessiva do pronome “μου (“minha”) ligado ao λέγω” (“digo”), define o acusativo “τὴν ἐκκλησίαν” (“a igreja”). Num paralelismo outro preditivo define que “πύλαι ᾅδου οὐ κατισχύσουσιν αὐτῆς (“as portas do inferno/hades não prevalecerão contra ela”). A divergência nesta linha ocorre na tradução do “ᾅδης”, pois a ARA, ACF, ARC, BJ, BA traduzem este termo como “inferno”, entretanto, a NVI somente translitera: “Hades”. Com estas premissas é possível ter uma ideia do texto grego em suas funções de tradução e sintaxe. 
      Depois de observar estas questões que envolvem o grego, passaremos para as delimitações contextuais. A parte (microestrutura) em que Mt.16:18 se encontra, é vista por alguns estudiosos com extensões distintas: 1) D.A Carson:  A confissão de Pedro a respeito de Jesus (16:13-20) e o resultado dela (16.21-23”, CARSON. O Comentário de Mateus, 2010, p.426). 2) Donald Hagner: “confissão e comissionamento de Pedro” (HAGNER. Word Biblical Commentary: Matthew 14-28, 2002, p. 461). Finalmente Blomberg: “revelação da Identidade de Jesus a Pedro: uma correta cristologia” (16:13-20, Blomberg, Craig: Matthew The New American Commentary, 2001, p. 249). Essas percepções nos fazem pensar Mt.16:18, a partir desta delimitação contextual. Hagner nos fornece uma estrutura: “1) o cenário e a questão concernente a avaliação pública de Jesus (16:13), 2) a resposta para a primeira questão (16:14), 3) os discípulos questionados (16:15) e 4) a resposta de Pedro e a afirmação de Jesus quanto a sua resposta (16:16,17). A parte que nos interessa neste ensaio é vista por Hagner como: o comissionamento de Pedro consistindo (a) da declaração concernente à igreja (16:18) e (b) a autoridade das chaves” (16:19, HAGNER. Word Biblical Commentary: Matthew 14-28, 2002, p.464). Essa leitura contextual será fundamental na construção dos argumentos, para a resolução da problemática em foco. Depois destas observações trabalharemos as identificações dos conceitos do texto, dialogando com as informações descritas. Mais uma vez as linhas funcionarão como bases estruturais, entretanto numa fusão.

κἀγὼ δέ σοι λέγω ὅτι σὺ εἶ Πέτρος καὶ ἐπὶ ταύτῃ τῇ πέτρᾳ
“E também te digo: tu mesmo és Pedro e sobre esta pedra.”        

1. “κἀγὼ δέ σοι λέγω ὅτι... (“E também te digo:)

Pedro começa a ser citado diretamente na narrativa, quando responde o questionamento feito pelo Senhor diretamente aos discípulos (Em 16:16 “Simão Pedro” e 16:17, “Simão Barjonas”). Na análise do contexto observamos isto. Assim, a redução do “povo” para os “discípulos” traz a indagação quanto a identificação do Senhor (“quem sou eu?”). A resposta correta de Pedro foi explicada por Cristo, como algo procedente do Pai (16:17). Robertson sintetiza isto ao afirmar: “o Pai te revelou uma verdade, e eu também te digo outra” (ROBERTSON. Word Pictures in the New Testament, 1997, S. Mt 16:18). Desta forma, o caminho para 16:18 visto em junção com o contexto define quem afirma: “eu, o Messias” (MORRIS. The Gospel According to Matthew, PNTC, 1992, p.422). Em suma essas palavras servem como introdução do que será dito.

2.σὺ εἶ Πέτρος καὶ ἐπὶ ταύτῃ τῇ πέτρᾳ...(“tu mesmo és Pedro e sobre esta pedra”)

Nesta linha observamos a problemática interpretativa em voga, a qual está fundamentada na relação existente entre Πέτρος e πέτρα. Sloman, Westcott e Hort descrevem as principais interpretações desta associação, explicando que a πέτρᾳ: (1) se refere ao próprio Pedro, que teve um papel de liderança no estabelecimento da Igreja que foi ‘construída sobre o fundamento dos apóstolos e profetas’, Ef. 2.20. (2) Se refere à doutrina da Divindade de Cristo que Pedro acabara de confessar, ou ao próprio Cristo(SLOMAN, WESTCOTT; HORT. The Gospel According to St Matthew: Being the Greek Text, 1912, s. 112). Eles chancelam as construções sistemáticas expostas  na tradição (teses da ICAR, Calvino e Bavinck). Outro elemento que envolve o background deve ser visto nesta questão, pois “em aramaico usava-se a mesma palavra para ‘Pedro’ e ‘rocha’, mas em grego (aqui) são termos cognatos que foram usados de maneira intercambiável nesse período” (KEENER. InterVarsity Press: The IVP Bible Background Commentary: New Testament, 1993, S. Mt.16:18). Este paralelo presente no grego entre Πέτρος e πέτρα segundo Schokel mostra que o primeiro termo “designa uma pedra ou pedregulho, algo que se pode pegar e lançar”, entretanto, o segundo “indica uma rocha onde se assenta um edifício” (SCHOKEL. A Bíblia do Peregrino, Novo Testamento, 2000, p.86). Num viés contextual onde não somente a questão lexicográfica esteja em loco, o trato textual respeita a devida progressão do texto. Carson trabalha isso, numa síntese contextual com a seguinte paráfrase:essa pedra da verdade revelada — a verdade que você acaba de confessar — edificarei minha igreja” (CARSON. O Comentário de Mateus, 2010, p.431). Jesus se identifica como o construtor, desta forma, a rocha sobre a qual constrói é mais naturalmente entendida como alguém (ou algo) diferente do Dele (ELWELL. Evangelical Commentary on the Bible, 1996, S. Mt 16:13).

σὺ εἶ ὁ χριστὸς ὁ υἱὸς τοῦ θεοῦ τοῦ ζῶντος. (Mt.16:16)

Tu mesmo és o Cristo, o Filho do Deus vivo”

σὺ εἶ Πέτρος, καὶ ἐπὶ ταύτῃ τῇ πέτρᾳ  (Mt.16:18)

             “Tu mesmo és Pedro e sobre esta pedra”

A percepção de Allen é perspicaz nessa dinâmica interpretativa, pois pensa a relação Πέτρος e πέτρα, de maneira que, o primeiro nome funciona como expressão dirigida a verdade revelada (16:16,17), sugerindo-lhe um nome metafórico. Desta forma, será a rocha ou a rocha sobre a qual a Igreja permanecerá, é a doutrina central do ensinamento da Igreja. A ideia de que o Cristo divino é a pedra angular do novo edifício da Igreja Cristã (ALLEN. A Critical and Exegetical Commentary on the Gospel According to S. Matthew, 1907, p.176). Outro elemento levantado por Rienecker destaca a progressividade em que as informações são colocadas na narrativa em foco, pois, “primeiro aparece Cristo, depois Pedro e os apóstolos, e finalmente a comunidade. Essa é a sequência” (RIENECKER. Comentário Esperança, Evangelho De Mateus, 2008, p. 286). Além disso, a proeminência de Jesus Cristo preserva-se não apenas por Ser a pedra fundamental e angular, mas também o mestre de obras que constrói a sua comunidade. Ela não é obra dos apóstolos, e sim obra dele. Ela tampouco é propriedade dos apóstolos, e sim propriedade dele, comprada por alto preço (RIENECKER. Comentário Esperança, Evangelho De Mateus, 2008, p. 286). Em suma, Pedro é a “rocha” porque neste contexto é quem confessa a Jesus como, o Cristo (KEENER. Matthew, 1997 (The IVP New Testament Commentary), s. Mt 16:17). Esses levantamentos nos levam a pensar a identificação da “pedra”, basicamente na confissão/confessor. Esta tese ganha substanciação pela viés do trato contextual. Além disso, Carson destaca que “senão fosse pelo exagero da ICAR, seria duvidoso que muitos considerassem que “pedra” fosse alguma outra coisa ou outra pessoa que não Pedro” (CARSON. O Comentário de Mateus, 2010, p.431). Parece que esta tese tem plausibilidade pelos elementos levantados. 

      O Texto Grego do Apocalipse: Apontamentos Introdutórios (1ª Parte).             Neste ensaio exegético, analisaremos, introdutoria...