sexta-feira, 12 de novembro de 2021


Nascer de novo” (γεννηθῇ ἄνωθεν): o que está por trás desta expressão joanina (Jo.3:3,5)? A que tipo de experiência faz referência?


        Parece que em nosso CXT evangelical, pensamos, tacitamente em γεννηθῇ ἄνωθεν (gennethê anothen, “nascer de novo ou do alto”) com direcionamentos oriundos de pressupostos hermenêuticos (abordagem pressuposicional), de maneira que a dimensão teológica da interpretação recebe maior proeminência. Por esta razão basta dizer que “nascer de novo” é algo relacionado a “morte espiritual” (resolvido!). Entretanto, os autores bíblicos não tinham compromissos com a TS. De outro lado, reconhecemos a impossibilidade de uma neutralidade hermenêutica, por isso, a tradição exerce um papel importante para a compreensão exegética. Assim, buscamos o equilíbrio metodológico para a investigação do texto sagrado. Neste ensaio, estamos interessados em observar γεννηθῇ ἄνωθεν por requisitos exegéticos, de maneira que possamos entender a intenção joanina em tal uso.

        CONTEXTO. O uso de γεννηθῇ ἄνωθεν (gennethê anothen, “nascer de novo ou do alto”) aparece em João 3:3 no registro do diálogo de Jesus com Nicodemos (3:1-15). O cenário é Jerusalém durante a festa da Páscoa (3:23), algo precedido pela purificação do templo (2:13-22). A introdução do diálogo (2:23-25) chancela a descrição do que alguns estudiosos chamam de: “fé inadequada” (Carson, Beasley-Murray). Desta forma, a relação dos “sinais” com o verbo “creram” tem sido observada, para que se entenda o vínculo em foco, funcionando como substrato para a “fé inadequada”. Como bem coloca Borchert: “embora esta seção de ligação seja curta (entre 2:13-22 e 3:1-15), seu comprimento dificilmente é uma indicação de seu significado. Esses versículos estão entre as declarações mais significativas para fornecer uma perspectiva correta do Evangelho (BORCHERT. John 1-11, The New American Commentary, p.167). Diante da dinâmica apresentada podemos questionar: Nicodemos estava entre os personagens de 2:23-25? Carson ao comentar a ligação de 3:1 (pela conjunção δέ) afirma que “Nicodemos exemplificava aqueles que, em algum sentido, criam em Jesus, mas cuja fé era tão inadequada que Jesus não se confiava a eles” (CARSON. João, p.186). A questão dos “sinais” parece ser relevante para esta percepção (2:23; 3:2).

    TEXTO GREGO  É importante salientarmos também alguns pontos sobre o texto grego. Neste viés, a fala do Senhor é escriturada da seguinte forma:  [A]  ἐὰν μή τις γεννηθῇ ἄνωθεν, [B] οὐ δύναται ἰδεῖν τὴν βασιλείαν τοῦ θεοῦ (Jo.3:3). Pela sintaxe grega essa construção é vista como uma oração subordinada de terceira classe (ἐὰν + modo subjuntivo). Assim, a tradução considera a parte A como prótase: “se alguém não nascer de novo...(ARA)”. De outro lado a Apódase funciona como efeito: [então] “não pode ver o reino de Deus” (WALLACE. Gramática Grega, p.682). Além disso, a expressão γεννηθῇ ἄνωθεν (gennethê anothen, “nascer de novo ou do alto”) é vista de algumas formas quanto a tradução, por causa do advérbio ἄνωθεν (anothen, aparece 13 vezes no NT): [1] na extensão, uma fonte que está acima, de cima (Mt.27:51; Mc.15:38; Jo.19:23, Jo 3:31; 19:11; Tg.1:17; 3:15,17). [2] de um ponto de tempo marcando o início de algum, desde o início ou por um período relativamente longo no passado, por muito tempo (Lc 1:3; At.26:5). [3] em um ponto subsequente de tempo envolvendo repetição, novamente (Jo.3:3,7; Gl.4:9 mas acompanhado por πάλιν). Algo propositalmente ambíguo, sugerindo também uma experiência transcendente, neste caso, “nascido de cima” (Arndt, W., Danker, F. W., & Bauer, W. A Greek-English lexicon of the New Testament and other early Christian. p.92). Vicent trabalha em favor da tradução “de cima”, insistindo no que corresponde ao método habitual de João de descrever a obra de regeneração espiritual como um nascimento de Deus (1:13; 1Jo.3:9; 4:7; 5:1,4,8); e, além disso, que é Paulo, e não João, quem o descreve como um novo nascimento (VINCENT. Word Studies in the New Testament 2:90).

      TESES INTERPRETATIVAS. Depois destas primeiras considerações pensemos em algumas teses interpretativas para γεννηθῇ ἄνωθεν (gennethê anothen, “nascer de novo ou do alto”). Alguns estudiosos traçam a origem da linguagem do “nascer de novo” a vários ramos do gnosticismo, religiões de mistério ou outras formas de paganismo. Já outros eruditos apelam para as fontes judaicas que dizem que um prosélito recentemente batizado é como uma criança recém-nascida, ou para aquelas que afirmam que os sacrifícios diários tornam Israel semelhante a uma criança de um ano de idade (CARSON. João, p.190). Carson na contramão destas percepções afirma: “o delineamento do pano de fundo mais provável pode esperar até o v.5. É suficiente para o momento notar que Jesus esperava que Nicodemos entendesse o significado do ‘novo nascimento’ por causa de seu pano de fundo como um destacado mestre das Escrituras (CARSON. João, p.190). Köstenberger também associa 3:3 com 3:5, de maneira que γεννηθῇ ἄνωθεν (gennethê anothen, “nascer de novo ou do alto”) funciona em paralelo com γεννηθῇ ἐξ ὕδατος καὶ πνεύματος (gennethê ex hýdatos kaí pneúmatos, “nascer da água e do Espírito”).  Assim, em vez de se referir ao batismo com água e espírito como dois tipos de nascimento, ou uma variedade de outras coisas, a frase provavelmente denota um nascimento espiritual (KÖSTENBERGER. John. Baker Exegetical commentary on the New Testament, p.123). Beasley Murray corrobora ao mostrar que γεννηθῇ ἄνωθεν (gennethê anothen, “nascer de novo ou do alto”) funciona como uma adaptação da esperança judaica de uma nova criação. Os judeus se familiarizaram com a aplicação deste conceito às pessoas, mesmo em contextos não escatológicos, mas na tradição que remonta a Jesus, o elemento escatológico era constante (BEASLEY-MURRAY. Vol. 36: Word Biblical Commentary: John. Word Biblical Commentary, p.47). Por outro ponto, Jesus fala, literalmente sobre nascer “de cima”, que significa “de Deus” (“de cima” era uma circunlocução judaica, ou expressão indireta, para Deus). Pode-se também interpretar a frase como significando “renascer”, algo que Nicodemos interpreta literalmente. Isto porque os professores judeus falavam dos convertidos gentios ao judaísmo como começando uma vida nova como “crianças recém-nascidas” (assim como filhos adotados sob a lei romana renunciam a todo status legal em sua antiga família, quando se tornam parte de uma nova). Nicodemos deveria ter entendido que significava conversão; mas nunca lhe ocorreu que alguém judeu precisaria se converter à verdadeira fé de Israel (KEENER. The IVP Bible background commentary: New Testament, Jo.3.3). Finalmente, a ligação com o AT deve ser observada também. Assim, muito provavelmente, essa passagem é uma alusão a Ezequiel 36.24-27, que anuncia a purificação com água que Deus realizará no coração humano e sua transformação interior pelo Espírito (cf. Is.44.3-5). A noção de um novo começo e de uma transformação interior decisiva na vida de uma pessoa é encontrada em outras passagens proféticas do AT (e.g., Jr 31.33,34; Ez 11.19,20). É dessa realidade espiritual que Nicodemos, mestre em Israel, deveria estar consciente, mas faltava a ele (e, pode-se pressupor, faltava também aos outros membros do Sinédrio (BEALE; CARSON. Comentário do Uso do AT no NT, p.547).

      Torna-se perceptível que γεννηθῇ ἄνωθεν  não é tão simples de ser definido, quando visto com considerações exegéticas. Alguns elementos são levantados, de maneira que, as bases argumentativas sejam expostas. Portanto, mesmo não deixando de levar em conta os direcionamentos envolvendo o pando de fundo de João, parece que a conexão de 3:3 com 3:5 é pedagógica para se entender a questão. Além disso, a tradução de ἄνωθεν  corrobora com nosso entendimento do papel do Senhor nesta indescritível obra (Jo.1:12,13).      

Um comentário:

Anônimo disse...
Este comentário foi removido por um administrador do blog.

      O Texto Grego do Apocalipse: Apontamentos Introdutórios (1ª Parte).             Neste ensaio exegético, analisaremos, introdutoria...