“Nascer
de novo” (γεννηθῇ ἄνωθεν): o que está por trás
desta expressão joanina (Jo.3:3,5)? A que tipo de experiência faz referência?
Parece
que em nosso CXT evangelical, pensamos, tacitamente em γεννηθῇ ἄνωθεν
(gennethê anothen, “nascer de novo ou do alto”) com direcionamentos
oriundos de pressupostos hermenêuticos (abordagem pressuposicional), de maneira
que a dimensão teológica da interpretação recebe maior proeminência. Por
esta razão basta dizer que “nascer de novo” é algo relacionado a “morte espiritual”
(resolvido!). Entretanto, os autores bíblicos não tinham compromissos com a TS.
De outro lado, reconhecemos a impossibilidade de uma neutralidade hermenêutica,
por isso, a tradição exerce um papel importante para a compreensão exegética.
Assim, buscamos o equilíbrio metodológico para a investigação do texto sagrado.
Neste ensaio, estamos interessados em observar γεννηθῇ ἄνωθεν
por
requisitos exegéticos, de maneira que possamos entender a intenção joanina em
tal uso.
CONTEXTO. O uso de γεννηθῇ ἄνωθεν
(gennethê anothen, “nascer de novo ou do alto”) aparece em João 3:3
no registro do diálogo de Jesus com Nicodemos (3:1-15). O cenário é Jerusalém
durante a festa da Páscoa (3:23), algo precedido pela purificação do templo
(2:13-22). A introdução do diálogo (2:23-25) chancela a descrição do que alguns
estudiosos chamam de: “fé inadequada” (Carson, Beasley-Murray). Desta forma, a
relação dos “sinais” com o verbo “creram” tem sido observada, para que se
entenda o vínculo em foco, funcionando como substrato para a “fé inadequada”. Como
bem coloca Borchert: “embora esta seção de ligação seja curta (entre 2:13-22 e
3:1-15), seu comprimento dificilmente é uma indicação de seu significado. Esses
versículos estão entre as declarações mais significativas para fornecer uma
perspectiva correta do Evangelho (BORCHERT. John 1-11, The New American
Commentary, p.167). Diante da dinâmica apresentada podemos questionar: Nicodemos
estava entre os personagens de 2:23-25? Carson ao comentar a ligação de 3:1 (pela
conjunção δέ) afirma que “Nicodemos exemplificava
aqueles que, em algum sentido, criam em Jesus, mas cuja fé era tão inadequada
que Jesus não se confiava a eles” (CARSON. João, p.186). A questão dos “sinais”
parece ser relevante para esta percepção (2:23; 3:2).
TEXTO GREGO É importante salientarmos também alguns
pontos sobre o texto grego. Neste viés, a fala do Senhor é escriturada da
seguinte forma: [A] ἐὰν μή τις
γεννηθῇ ἄνωθεν, [B] οὐ δύναται ἰδεῖν τὴν βασιλείαν τοῦ θεοῦ (Jo.3:3).
Pela sintaxe grega essa construção é vista como uma oração subordinada de
terceira classe (ἐὰν +
modo subjuntivo). Assim, a tradução considera a parte A como prótase: “se
alguém não nascer de novo...(ARA)”. De outro lado a Apódase funciona como efeito:
[então] “não pode ver o reino de Deus” (WALLACE. Gramática Grega,
p.682). Além disso, a expressão γεννηθῇ ἄνωθεν
(gennethê anothen, “nascer de novo ou do alto”) é vista de algumas
formas quanto a tradução, por causa do advérbio ἄνωθεν
(anothen, aparece 13 vezes no NT): [1] na extensão, uma
fonte que está acima, de cima (Mt.27:51; Mc.15:38; Jo.19:23, Jo 3:31;
19:11; Tg.1:17; 3:15,17). [2] de um ponto de tempo marcando o início de
algum, desde o início ou por um período relativamente longo no passado, por
muito tempo (Lc 1:3; At.26:5). [3] em um ponto subsequente de tempo
envolvendo repetição, novamente (Jo.3:3,7; Gl.4:9 mas acompanhado por πάλιν). Algo propositalmente ambíguo, sugerindo
também uma experiência transcendente, neste caso, “nascido de cima” (Arndt, W.,
Danker, F. W., & Bauer, W. A Greek-English lexicon of the New Testament
and other early Christian. p.92). Vicent trabalha em favor da tradução “de
cima”, insistindo no que corresponde ao método habitual de João de descrever a
obra de regeneração espiritual como um nascimento de Deus (1:13; 1Jo.3:9; 4:7;
5:1,4,8); e, além disso, que é Paulo, e não João, quem o descreve como um novo nascimento
(VINCENT. Word Studies in the New Testament 2:90).
TESES INTERPRETATIVAS. Depois destas primeiras considerações
pensemos em algumas teses interpretativas para γεννηθῇ
ἄνωθεν (gennethê anothen, “nascer de novo ou do alto”). Alguns
estudiosos traçam a origem da linguagem do “nascer de novo” a vários ramos do
gnosticismo, religiões de mistério ou outras formas de paganismo. Já outros
eruditos apelam para as fontes judaicas que dizem que um prosélito recentemente
batizado é como uma criança recém-nascida, ou para aquelas que afirmam que os
sacrifícios diários tornam Israel semelhante a uma criança de um ano de idade (CARSON.
João, p.190). Carson na contramão destas percepções afirma: “o delineamento
do pano de fundo mais provável pode esperar até o v.5. É suficiente para o
momento notar que Jesus esperava que Nicodemos entendesse o significado do ‘novo
nascimento’ por causa de seu pano de fundo como um destacado mestre das
Escrituras (CARSON. João, p.190). Köstenberger também associa 3:3 com 3:5,
de maneira que γεννηθῇ ἄνωθεν (gennethê anothen, “nascer de novo ou do alto”) funciona em
paralelo com γεννηθῇ ἐξ ὕδατος καὶ πνεύματος (gennethê ex hýdatos kaí pneúmatos, “nascer da água e do Espírito”). Assim, em
vez de se referir ao batismo com água e espírito como dois tipos de nascimento,
ou uma variedade de outras coisas, a frase provavelmente denota um nascimento
espiritual (KÖSTENBERGER. John. Baker
Exegetical commentary on the New Testament, p.123). Beasley Murray corrobora ao mostrar
que γεννηθῇ ἄνωθεν (gennethê anothen, “nascer de novo ou do alto”) funciona como uma
adaptação da esperança judaica de uma nova criação. Os judeus se familiarizaram
com a aplicação deste conceito às pessoas, mesmo em contextos não escatológicos,
mas na tradição que remonta a Jesus, o elemento escatológico era constante (BEASLEY-MURRAY.
Vol. 36: Word Biblical Commentary: John. Word Biblical Commentary, p.47).
Por outro ponto, Jesus fala, literalmente sobre nascer “de cima”, que significa
“de Deus” (“de cima” era uma circunlocução judaica, ou expressão indireta, para
Deus). Pode-se também interpretar a frase como significando “renascer”, algo que
Nicodemos interpreta literalmente. Isto porque os professores judeus falavam
dos convertidos gentios ao judaísmo como começando uma vida nova como “crianças
recém-nascidas” (assim como filhos adotados sob a lei romana renunciam a todo
status legal em sua antiga família, quando se tornam parte de uma nova).
Nicodemos deveria ter entendido que significava conversão; mas nunca lhe
ocorreu que alguém judeu precisaria se converter à verdadeira fé de Israel (KEENER.
The IVP Bible background commentary: New Testament, Jo.3.3). Finalmente,
a ligação com o AT deve ser observada também. Assim, muito provavelmente, essa
passagem é uma alusão a Ezequiel 36.24-27, que anuncia a purificação com água
que Deus realizará no coração humano e sua transformação interior pelo Espírito
(cf. Is.44.3-5). A noção de um novo começo e de uma transformação interior
decisiva na vida de uma pessoa é encontrada em outras passagens proféticas do
AT (e.g., Jr 31.33,34; Ez 11.19,20). É dessa realidade espiritual que
Nicodemos, mestre em Israel, deveria estar consciente, mas faltava a ele (e,
pode-se pressupor, faltava também aos outros membros do Sinédrio (BEALE;
CARSON. Comentário do Uso do AT no NT, p.547).
Torna-se perceptível que γεννηθῇ ἄνωθεν não é tão simples de ser definido, quando visto com considerações exegéticas. Alguns elementos são levantados, de maneira que, as bases argumentativas sejam expostas. Portanto, mesmo não deixando de levar em conta os direcionamentos envolvendo o pando de fundo de João, parece que a conexão de 3:3 com 3:5 é pedagógica para se entender a questão. Além disso, a tradução de ἄνωθεν corrobora com nosso entendimento do papel do Senhor nesta indescritível obra (Jo.1:12,13).
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