O
Uso do AT no Apocalipse: Apontamentos Introdutórios
§ Extensão
e Estatística
§ Apropriação
vista em forma de Alusão
§ Contextual
e Não Contextual?
A pesquisa sobre o livro das revelações pode
ser desmembrada em algumas reduções, dentre estas, aparece o uso do AT. Tal
perspectiva passa pela constatação de que nenhum outro livro do NT é tão
permeado por referências veterotestamentárias quanto Apocalipse. Assim,
torna-se claro que há um extenso campo de estudo, para entendermos as
apropriações escrituradas por João. Neste ensaio, observaremos alguns pontos
introdutórios sobre esta questão, mas ainda assim, elucidadores, de modo que, possam
corroborar com nossa leitura do livro.
Inicialmente,
passemos pela extensão e estatísticas envolvendo os usos do AT. Kistemaker
dá números quando afirma: “...os quatrocentos e quatro versículos do
Apocalipse divulgam umas quinhentas alusões ao Antigo Testamento. Para ser
preciso, há quatorze citações incompletas do Antigo Testamento (KISTEMAKER. Apocalipse,
p.31). Osborne vê esta questão com certa dificuldade, pois há divergências
quanto ao número exato de alusões, pois é difícil definir as citações parciais,
as alusões e os ecos do AT no livro (OSBORNE. Apocalipse, p.28). Embora,
o autor cite poucas vezes o AT de forma direta, alusões e ecos são encontrados
em quase todos os versículos do livro” (BEALE;
CARSON. Comentário do Uso do Antigo Testamento no Novo Testamento,
p.1318).
A extensão do AT presente no Apocalipse inclui
o Pentateuco, Juízes, 1-2 Samuel, 1-2 Reis, Salmos, Provérbios, Cantares de
Salomão, Jó, e os profetas (maiores e menores). Aproximadamente mais da metade
das referências são dos Salmos, Isaías, Ezequiel e Daniel, e em proporção ao
seu comprimento (BEALE, G.
K. The book of Revelation: A commentary on the Greek text, p.77). Com
esta consciência, torna-se necessário compreender o grau de influência dos livros
veterotestamentários mais importantes. Assim, podemos pensar a estatística numa
dinâmica com a seguinte restrição: “metade das referências provém de Salmos,
Isaías, Ezequiel e Daniel. Proporcionalmente ao volume de texto, a maior parte
é de Daniel” (BEALE;
CARSON. Comentário do Uso do Antigo Testamento no Novo Testamento,
p.1318).
Além disso, proporcionalmente, Ezequiel ocupa o segundo lugar como o livro mais
usado no Apocalipse. Em número de alusões Isaías é o primeiro, seguido por
Ezequiel, Daniel e Salmos. Portanto, o AT em geral desempenha um papel
tão importante que uma compreensão adequada de sua utilização é necessária para
entender Apocalipse como um todo (BEALE;
CARSON. Comentário do Uso do Antigo Testamento no Novo Testamento,
p.1318). De qualquer forma, o amplo uso do AT presente
no Apocalipse mostra sua importância para o trato exegético em seu aspecto
holístico.
Outro aspecto a ser observado é a forma
textual como o AT aparece no Apocalipse:
“alusões ou ecos”. Desta forma, pensamos no uso em voga como algo indireto, já
que a redação não é reproduzida diretamente como na citação (BEALE. Manual,
p.55). Conscientes de que “não há citações formais, e a maioria é alusiva,
fenômeno que geralmente dificulta a identificação textual”. (BEALE; CARSON. Comentário do Uso do
Antigo Testamento no Novo Testamento, p.1320). Beale estabelece
certos critérios pedagógicos para trabalharmos estas “alusões”,
classificando-as como: “[1] Clara Alusão, neste caso, a redação é quase idêntica
à fonte do AT, compartilha algum significado central comum e provavelmente não
poderia ter vindo de nenhum outro lugar. [2] Provável alusão: embora a
redação não seja tão próxima, ela ainda contém uma ideia ou redação que é
exclusivamente rastreável ao texto do AT ou exibe uma estrutura de idéias
exclusivamente rastreável à passagem do AT. [3] Possível alusão: a
linguagem é apenas geralmente semelhante à suposta fonte, ecoando suas palavras
ou conceitos” (BEALE, G. K.
The book of Revelation: A commentary on the Greek text, p.78).
Outro movimento passa pelo uso
problemático das “alusões agrupadas e a questão da consciência
literária”. Isto significa que às
vezes, quatro, cinco ou mais referências ao AT estão unidas numa única imagem (BEALE; CARSON. Comentário do Uso do
Antigo Testamento no Novo Testamento, p.1320). Tal aspecto traz
mais complexidade para o entendimento da questão. Entretanto, se faz necessário
entender a possibilidade de uma consciência ou não quanto ao estabelecimento
desta dinâmica. Portanto, é inútil tentar compreender o
significado de cada referência em seu contexto, no AT e no NT, uma vez que o
quadro deve ser mantido por inteiro, sem a separação ou a análise de várias
vertentes, a fim de provocar o efeito emocional desejado. Claro que nesses mosaicos
há sempre a possibilidade de uma mistura de intenção consciente com atividade inconsciente
(BEALE; CARSON. Comentário
do Uso do Antigo Testamento no Novo Testamento, p.1320). Mas,
muitas vezes uma maior compreensão é obtida e o efeito emotivo sentido, quando
as várias partes alusivas dessas amálgamas visionárias são estudadas
separadamente em seus contextos do AT. (BEALE, G. K. The book of Revelation: A commentary
on the Greek text, p.78). Um dos
exemplos desta construção aparece em 1:12-20 onde Cristo é retratado: [A]
Zc.4:2,10 [B] Ap.1:12; [A] Êx.20:18 – [B] 1:12; [A]
Dn.7;10 – [B]1:13-16; [A] Dn.10:8-20 – [B] 1:17; [A]
Dn.2 – [B] 1:19. Este tipo de construção chancela com considerável
ênfase a identificação e complexidade desta análise. O leitor deve ter muito
cuidado em analisar os movimentos do texto.
Quanto ao aspecto contextual ou não
contextual dos usos do AT no Apocalipse,
Osborne defende: “A tese deste comentário é que João tem plena consciência
do contexto de suas alusões, mas isso não impede que ele as transforme e as
aplique à nova realidade apocalíptica de suas visões” (OSBORNE. Apocalipse,
p.29). A luz do que foi afirmado até agora percebemos que esta proposição
encontra certas dificuldades. Realmente há consenso unânime de que João usa o
AT com alto grau de liberdade e criatividade. O resultado disto produz a
conclusão para muitos de que João lida com inúmeras passagens do AT sem
considerar seus significados contextuais originais, mesmo atribuindo
significados bastante contraditórios. As razões para esta conclusão passam
pela perspectiva de que o uso de palavras do AT funciona apenas como um
disfarce para os próprios e novos pensamentos de João que não estão
relacionados ao contextos originais do AT. Entretanto, a citação ou alusão
informal não implica logicamente o uso não contextual do AT ou uma ausência de
tentativa de interpretar o AT, especialmente, porque a maioria das referências
ao AT em outras partes do NT também são informais e alusivas ,e seria
indevidamente presuntivo pensar que todas essas outras referências do AT estão
sendo interpretadas pelos escritores do NT sem o contexto do AT em mente (BEALE, G. K. The book of Revelation:
A commentary on the Greek text, p.81).
Além disso, se argumenta que o estilo
apocalíptico de João depende de seu espírito profético, algo que cria,
objetivando assim, proclamar seus próprios propósitos e não citando,
conscientemente outras autoridades para ensinar ou argumentar. Não há nenhuma
tentativa de interpretar o AT contextualmente. Isso, no entanto, não leva em
consideração que “o 'espírito profético' não cria necessariamente ex nihilo,
como é evidente nos profetas exílicos e pós-exílicos que reutilizaram,
reformularam e atualizaram o material profético anterior”. Não se vê como um
profeta independente de sua tradição ou herança do AT, mas aplica a si mesmo a
linguagem das comissões proféticas (do AT) – provavelmente para mostrar que sua
autoridade profética é igual à dos profetas do AT e demonstrar que sua mensagem
está em continuidade com sua mensagem (1:10; 4:1–2; 17:3; 21:10; (BEALE, G. K. The book of Revelation:
A commentary on the Greek text, p.81).
Ainda
neste viés, um terceiro argumento, quanto ao desrespeito de João pelo contexto
do AT, passa pela ideia de que seus leitores eram analfabetos, de origens
gregas pagãs, ou ambos, e não seriam capazes de entender o uso interpretativo
da literatura do AT. Essa objeção não leva em consideração os seguintes
fatores: (a) as igrejas na Ásia Menor eram compostas por um núcleo de crentes
judeus e tementes a deuses gentios que, como os judeus, se associavam às
sinagogas (a evidência está em Atos); (b) Os cristãos em Esmirna e Filadélfia
ainda têm alguma relação com a sinagoga, embora seja antagônica, o que aponta
mais para alguma ligação com o conhecimento da tradição do AT (cf. 2:9; 3:9); (c)
a referência específica a um falso “profeta” com um nome do AT (“Jezabel”) em
Tiatira sugere um ensino naquela igreja que distorceu tanto a tradição do AT
como do NT (2:20); (d) há evidência linguística no próprio texto: se João
conhecesse essas congregações e tivesse um relacionamento pastoral com elas, é
implausível que ele empregasse em tão vasta escala tantas alusões do AT, se
soubesse que não teriam uma pista para aquilo que o apóstolo estava se
referindo e não se beneficiaria dessas alusões. Por exemplo, tais alusões
claras do AT nas letras como “maná”, “Jezabel”, “Balaão”, “templo” e “nova
Jerusalém” são pontas de um iceberg do AT que apontam para algum conhecimento
básico do AT sobre os leitores. (BEALE,
G. K. The book of Revelation: A commentary on the Greek text, p.81).
Esta sintética investigação trouxe certas delimitações conceituais quanto ao uso do AT presente no Apocalipse. Em primeiro lugar, a considerável extensão envolvendo a presença do AT no livro das Revelações chancela algo importante a ser observado na leitura. Este diálogo se torna elucidador para o trabalho exegético, de modo que, os substratos das informações textuais descritas por João funcionam em suas propostas de significado (Intenção do Autor/autor). Em segundo lugar, percebemos que mecanismo de identificação passa pela chamada “alusão”. A complexidade disto pelo aspecto indireto presente nesta formulação. Assim, temos como elemento inicial para a interpretação o conhecimento de uma “Exegese Contextual Canônica”. Em terceiro lugar, o debate quanto ao aspecto contextual tem sua importância declarada, pois a ilegitimidade do uso envolvendo o AT torna-se negado na percepção de alguns estudiosos. João não fez uma exegese, baseada no “read response” (resposta do leitor), ignorando totalmente o texto veterotestamentário em suas propostas contextuais.