segunda-feira, 27 de junho de 2022

 

         O Uso do AT no Apocalipse: Apontamentos Introdutórios

§  Extensão e Estatística

§  Apropriação vista em forma de Alusão

§  Contextual e Não Contextual?



        A pesquisa sobre o livro das revelações pode ser desmembrada em algumas reduções, dentre estas, aparece o uso do AT. Tal perspectiva passa pela constatação de que nenhum outro livro do NT é tão permeado por referências veterotestamentárias quanto Apocalipse. Assim, torna-se claro que há um extenso campo de estudo, para entendermos as apropriações escrituradas por João. Neste ensaio, observaremos alguns pontos introdutórios sobre esta questão, mas ainda assim, elucidadores, de modo que, possam corroborar com nossa leitura do livro.   

      Inicialmente, passemos pela extensão e estatísticas envolvendo os usos do AT. Kistemaker dá números quando afirma: “...os quatrocentos e quatro versículos do Apocalipse divulgam umas quinhentas alusões ao Antigo Testamento. Para ser preciso, há quatorze citações incompletas do Antigo Testamento (KISTEMAKER. Apocalipse, p.31). Osborne vê esta questão com certa dificuldade, pois há divergências quanto ao número exato de alusões, pois é difícil definir as citações parciais, as alusões e os ecos do AT no livro (OSBORNE. Apocalipse, p.28). Embora, o autor cite poucas vezes o AT de forma direta, alusões e ecos são encontrados em quase todos os versículos do livro” (BEALE; CARSON. Comentário do Uso do Antigo Testamento no Novo Testamento, p.1318). A extensão do  AT presente no Apocalipse inclui o Pentateuco, Juízes, 1-2 Samuel, 1-2 Reis, Salmos, Provérbios, Cantares de Salomão, Jó, e os profetas (maiores e menores). Aproximadamente mais da metade das referências são dos Salmos, Isaías, Ezequiel e Daniel, e em proporção ao seu comprimento (BEALE, G. K. The book of Revelation: A commentary on the Greek text, p.77). Com esta consciência, torna-se necessário compreender o grau de influência dos livros veterotestamentários mais importantes. Assim, podemos pensar a estatística numa dinâmica com a seguinte restrição: “metade das referências provém de Salmos, Isaías, Ezequiel e Daniel. Proporcionalmente ao volume de texto, a maior parte é de Daniel” (BEALE; CARSON. Comentário do Uso do Antigo Testamento no Novo Testamento, p.1318). Além disso, proporcionalmente, Ezequiel ocupa o segundo lugar como o livro mais usado no Apocalipse. Em número de alusões Isaías é o primeiro, seguido por Ezequiel, Daniel e Salmos. Portanto, o AT em geral desempenha um papel tão importante que uma compreensão adequada de sua utilização é necessária para entender Apocalipse como um todo (BEALE; CARSON. Comentário do Uso do Antigo Testamento no Novo Testamento, p.1318).  De qualquer forma, o amplo uso do AT presente no Apocalipse mostra sua importância para o trato exegético em seu aspecto holístico.

       Outro aspecto a ser observado é a forma textual como o AT aparece no Apocalipse: “alusões ou ecos”. Desta forma, pensamos no uso em voga como algo indireto, já que a redação não é reproduzida diretamente como na citação (BEALE. Manual, p.55). Conscientes de que “não há citações formais, e a maioria é alusiva, fenômeno que geralmente dificulta a identificação textual”. (BEALE; CARSON. Comentário do Uso do Antigo Testamento no Novo Testamento, p.1320). Beale estabelece certos critérios pedagógicos para trabalharmos estas “alusões”, classificando-as como: “[1] Clara Alusão, neste caso, a redação é quase idêntica à fonte do AT, compartilha algum significado central comum e provavelmente não poderia ter vindo de nenhum outro lugar. [2] Provável alusão: embora a redação não seja tão próxima, ela ainda contém uma ideia ou redação que é exclusivamente rastreável ao texto do AT ou exibe uma estrutura de idéias exclusivamente rastreável à passagem do AT. [3] Possível alusão: a linguagem é apenas geralmente semelhante à suposta fonte, ecoando suas palavras ou conceitos” (BEALE, G. K. The book of Revelation: A commentary on the Greek text, p.78).

       Outro movimento passa pelo uso problemático das “alusões agrupadas e a questão da consciência literária”. Isto significa que  às vezes, quatro, cinco ou mais referências ao AT estão unidas numa única imagem (BEALE; CARSON. Comentário do Uso do Antigo Testamento no Novo Testamento, p.1320). Tal aspecto traz mais complexidade para o entendimento da questão. Entretanto, se faz necessário entender a possibilidade de uma consciência ou não quanto ao estabelecimento desta dinâmica. Portanto, é inútil tentar compreender o significado de cada referência em seu contexto, no AT e no NT, uma vez que o quadro deve ser mantido por inteiro, sem a separação ou a análise de várias vertentes, a fim de provocar o efeito emocional desejado. Claro que nesses mosaicos há sempre a possibilidade de uma mistura de intenção consciente com atividade inconsciente (BEALE; CARSON. Comentário do Uso do Antigo Testamento no Novo Testamento, p.1320). Mas, muitas vezes uma maior compreensão é obtida e o efeito emotivo sentido, quando as várias partes alusivas dessas amálgamas visionárias são estudadas separadamente em seus contextos do AT. (BEALE, G. K. The book of Revelation: A commentary on the Greek text, p.78). Um dos exemplos desta construção aparece em 1:12-20 onde Cristo é retratado: [A] Zc.4:2,10 [B] Ap.1:12; [A] Êx.20:18 – [B] 1:12; [A] Dn.7;10 – [B]1:13-16; [A] Dn.10:8-20 – [B] 1:17; [A] Dn.2 – [B] 1:19. Este tipo de construção chancela com considerável ênfase a identificação e complexidade desta análise. O leitor deve ter muito cuidado em analisar os movimentos do texto.       

      Quanto ao aspecto contextual ou não contextual dos usos do AT no Apocalipse, Osborne defende: “A tese deste comentário é que João tem plena consciência do contexto de suas alusões, mas isso não impede que ele as transforme e as aplique à nova realidade apocalíptica de suas visões” (OSBORNE. Apocalipse, p.29). A luz do que foi afirmado até agora percebemos que esta proposição encontra certas dificuldades. Realmente há consenso unânime de que João usa o AT com alto grau de liberdade e criatividade. O resultado disto produz a conclusão para muitos de que João lida com inúmeras passagens do AT sem considerar seus significados contextuais originais, mesmo atribuindo significados bastante contraditórios. As razões para esta conclusão passam pela perspectiva de que o uso de palavras do AT funciona apenas como um disfarce para os próprios e novos pensamentos de João que não estão relacionados ao contextos originais do AT. Entretanto, a citação ou alusão informal não implica logicamente o uso não contextual do AT ou uma ausência de tentativa de interpretar o AT, especialmente, porque a maioria das referências ao AT em outras partes do NT também são informais e alusivas ,e seria indevidamente presuntivo pensar que todas essas outras referências do AT estão sendo interpretadas pelos escritores do NT sem o contexto do AT em mente (BEALE, G. K. The book of Revelation: A commentary on the Greek text, p.81).

      Além disso, se argumenta que o estilo apocalíptico de João depende de seu espírito profético, algo que cria, objetivando assim, proclamar seus próprios propósitos e não citando, conscientemente outras autoridades para ensinar ou argumentar. Não há nenhuma tentativa de interpretar o AT contextualmente. Isso, no entanto, não leva em consideração que “o 'espírito profético' não cria necessariamente ex nihilo, como é evidente nos profetas exílicos e pós-exílicos que reutilizaram, reformularam e atualizaram o material profético anterior”. Não se vê como um profeta independente de sua tradição ou herança do AT, mas aplica a si mesmo a linguagem das comissões proféticas (do AT) – provavelmente para mostrar que sua autoridade profética é igual à dos profetas do AT e demonstrar que sua mensagem está em continuidade com sua mensagem (1:10; 4:1–2; 17:3; 21:10; (BEALE, G. K. The book of Revelation: A commentary on the Greek text, p.81).

     Ainda neste viés, um terceiro argumento, quanto ao desrespeito de João pelo contexto do AT, passa pela ideia de que seus leitores eram analfabetos, de origens gregas pagãs, ou ambos, e não seriam capazes de entender o uso interpretativo da literatura do AT. Essa objeção não leva em consideração os seguintes fatores: (a) as igrejas na Ásia Menor eram compostas por um núcleo de crentes judeus e tementes a deuses gentios que, como os judeus, se associavam às sinagogas (a evidência está em Atos); (b) Os cristãos em Esmirna e Filadélfia ainda têm alguma relação com a sinagoga, embora seja antagônica, o que aponta mais para alguma ligação com o conhecimento da tradição do AT (cf. 2:9; 3:9); (c) a referência específica a um falso “profeta” com um nome do AT (“Jezabel”) em Tiatira sugere um ensino naquela igreja que distorceu tanto a tradição do AT como do NT (2:20); (d) há evidência linguística no próprio texto: se João conhecesse essas congregações e tivesse um relacionamento pastoral com elas, é implausível que ele empregasse em tão vasta escala tantas alusões do AT, se soubesse que não teriam uma pista para aquilo que o apóstolo estava se referindo e não se beneficiaria dessas alusões. Por exemplo, tais alusões claras do AT nas letras como “maná”, “Jezabel”, “Balaão”, “templo” e “nova Jerusalém” são pontas de um iceberg do AT que apontam para algum conhecimento básico do AT sobre os leitores. (BEALE, G. K. The book of Revelation: A commentary on the Greek text, p.81).

     Esta sintética investigação trouxe certas delimitações conceituais quanto ao uso do AT presente no Apocalipse. Em primeiro lugar, a considerável extensão envolvendo a presença do AT no livro das Revelações chancela algo importante a ser observado na leitura. Este diálogo se torna elucidador para o trabalho exegético, de modo que, os substratos das informações textuais descritas por João funcionam em suas propostas de significado (Intenção do Autor/autor). Em segundo lugar, percebemos que mecanismo de identificação passa pela chamada “alusão”. A complexidade disto pelo aspecto indireto presente nesta formulação. Assim, temos como elemento inicial para a interpretação o conhecimento de uma “Exegese Contextual Canônica”. Em terceiro lugar, o debate quanto ao aspecto contextual tem sua importância declarada, pois a ilegitimidade do uso envolvendo o AT torna-se negado na percepção de alguns estudiosos. João não fez uma exegese, baseada no “read response” (resposta do leitor), ignorando totalmente o texto veterotestamentário em suas propostas contextuais.  

quinta-feira, 23 de junho de 2022

 

 Algumas propostas de Leitura para a MACROESTRUTURA do Apocalipse (as partes pelo todo e o todo pelas partes)

    


         No evangelicalismo brasileiro parece que as proposta dispensacionalista impera com suas delimitações. Desta forma, os leitores acabam por pensar no livro das revelações em duas tônicas: literal e futurista. Tal constatação faz com que pensemos na gama de possibilidades que tem sido ignoradas quanto ao estudo deste precioso texto. O foco deste ensaio passa pelo compartilhar as propostas de leitura do MACRO do livro, para que possamos entender este TODO e somente depois a partes (o contrário também é verdade). Alguns estudiosos (John MacArthur, William Hendriksen, Grant Osborne, David Aune, Gregory Beale) terão seus papeis definidos neste processo de análise, pois durante anos e mais anos estudam esta matéria.

     Num primeiro momento ao abrirmos o Apocalipse (toda igreja), observamos seus 22 capítulos. Diante disto, a problemática em voga passa pelo seguinte: como estruturá-lo? De que forma, se pode estabelecer uma divisão para a leitura em partes distintas? A resposta passa não somente pela descrição das propostas, mas também pelas suas devidas justificativas. Por isso, alguns elementos serão compartilhados, introdutoriamente, para melhor entendermos a questão.  

        Comecemos assim, com a abordagem de John MacArthur (quanto abordagem de interpretação: futurista - quanto ao milênio: prémilenista). Por seus pressupostos, este autor americano  vê as linhas estruturais do Apocalipse de três formas: “[1]. As coisas que tens visto (1.1-20), [2] as coisas que são (2:1-3:22) e [3] as coisas que serão (4:1-22:21)”. Para entender melhor esta conexão, observemos que para MacArthur a abordagem futurista (nada de Ap.4-22 aconteceu ainda) vê nos capítulos 4-22 previsões de pessoas e acontecimentos ainda por vir no futuro. Apenas esta abordagem permite que Apocalipse seja interpretados seguindo o mesmo método hermenêutico literal, gramático-histórico pelo qual partes não proféticas da Escritura são interpretados (MacArthur, J. Revelation 1-11, p.10). Portanto, se torna observável o fundamento desta leitura em sua macroestrutura.

      A segunda proposta para a macroestrutura passa pela tese de William Hendriksen (quanto abordagem de interpretação: idealista - quanto ao milênio: amilenista)  chamada de: “paralelismo progressivo”. Assim, o livro pode ser lido em sete seções relacionadas: “1. Cristo no meio dos sete candeeiros de ouro (1-3). 2. O livro com os sete selos (4-7). 3. As sete trombetas de juízo (8-11). 4. A mulher e o filho perseguidos pelo dragão e seus auxiliares (a besta e a prostituta) (12-14). 5. As sete taças de ira (15, 16). 6. A queda da grande prostituta e das bestas (17-19) 7. O julgamento do dragão (Satanás) seguido pelo novo céu e nova terra, a Nova Jerusalém (20-22)”. Kistemaker, um continuador desta percepção o chama de “método cíclico”, pois “em cada ciclo sucessivo e revela novas perspectivas no desenrolar da mensagem divina à Igreja” (KISTEMAKER. Apocalipse, p.97). Em suma, para Hendriksen uma leitura cuidadosa do livro mostra claramente que consiste de sete seções, e que essas correm paralelas umas às outras. Cada uma delas abarca toda a dispensação, da primeira à segunda volta de Cristo. Esse período é visto ora de uma perspectiva, ora de outra. Diferentes seções atribuem a mesma duração ao período descrito. De acordo com o terceiro ciclo (capítulos 8-11), o maior período aqui descrito é de quarenta e dois meses (11.2), ou mil duzentos e sessenta dias (11.3). mesmo período de tempo na seção seguinte (capítulos 12-14), a saber, mil duzentos e sessenta dias (12.6), ou um tempo, dois tempos e metade de um tempo (3 Vi anos) (12.14). Estas três designações são equivalentes exatos. Assim, a seção das trombetas (capítulos 8-11) deve correr paralela à que descreve a batalha entre Cristo e o dragão (capítulos 12-14, HENDRIKSEN. Mais do que Vencedores, pp.5,6). Como no primeiro caso, os pressupostos afirmados produzem o fundamento para tal perspectiva.

     Em terceiro lugar, passemos para a construção de Grant Osborne (quanto abordagem de interpretação: eclética - quanto ao milênio: prémilenista histórico)   que começa bem sincera: “...é preciso uma palavra de cautela: nenhum esquema estrutural para o livro será suficiente, pois as seções se relacionam em dois ou mais níveis” (OSBORNE. Apocalipse, p.33). Osborne levanta as posições em seu texto (“estrutura de quiasmo, sete atos baseado no teatro grego, peça teatral em três atos, conjuntos ou séries de sete, obra litúrgica baseada em padrões antigos de liturgia ou festividades e a recapitulação”) como chave para entender a estrutura e o livro), de maneira que possamos ter uma ideia da discussão. Sua cautela nesta análise se torna real, mas afirma que “as seções se relacionam em dois ou mais níveis”. Assim, a visão da sala do trono (cap. 4 e 5) introduz, num nível, os selos e, em outro nível, funciona como a última seção preparatória para os selos, as trombetas e as taças (com a visão de Cristo em pé, entre os candelabros e as sete cartas). Ademais, a seção central dos capítulos 12—14 é em si mesma uma visão dos oponentes na grande guerra cósmica e, ao mesmo tempo, o terceiro interlúdio, que interrompe os três conjuntos de sete juízos. Seções de introdução como 8.2-5 (às trombetas) e 15.2-4 (às taças) também recapitulam temas das seções anteriores (juízo do sexto selo [6.12-17] e o triunfo dos santos vitoriosos de 14.1-5). Portanto, Osborne concluí sua percepção, afirmando: “o esboço que aqui propomos contempla somente um nível de um livro cuja estrutura é muito complexa e intrincada” (OSBORNE. Apocalipse, p.33). A viabilidade dos “níveis” se torna algo fundante para nossa investigação.

      Num quarto momento passemos para as percepções de David Aune que é exaustivo e profundo no trato desta matéria. Em sua percepção, o Apocalipse consiste em duas seções principais: (A) 1:9–3:22, que se concentra em uma teofania do Cristo exaltado, e (B) 4:1–22:9, uma série de narrativas episódicas de visão introduzidas com uma visão celestial. Ambas as seções são colocadas dentro de uma única narrativa de visão estendida (1:9–22:9), pois 4:1 realmente não interrompe essa narrativa, mas introduz uma nova fase, a jornada celestial de João. Essas seções principais são emolduradas por um prólogo (1:1-8) e um epílogo (22:6-21). O fato da segunda grande seção e epílogo se sobreporem expõe as limitações de um esboço linear para transmitir a estrutura complexa de uma composição como o Apocalipse, onde segmentos do texto podem servir como transições, concluindo a unidade anterior e introduzindo a seguinte. É a estrutura dessa parte principal do Apocalipse que é a mais problemática, e há pouca concordância entre os estudiosos quanto à estrutura dessa extensa unidade textual. Assim, a primeira seção é uma teofania, que se concentra na comissão visionária de João para dirigir proclamações às sete igrejas ditadas pelo Cristo exaltado (1:9–3:22). Já a segunda é muito mais longa e unificada de maneiras relativamente complicadas (4:1–22:9). A primeira parte desta seção (4:1–16:21) é unificada pela estrutura escatológica fornecida pelos sete selos, as sete trombetas e as sete taças. A segunda parte desta seção é unificada pelas revelações angélicas emparelhadas (17:1–19:10 e 21:9–22:9) que enquadram 19:’11-21:8 (AUNE. Vol. 52A: Word Biblical Commentary: Revelation 1-5:14, p. C). A interpelação colocada passa pelo aspecto relacional inicial e fundante para os diálogos existentes no texto.

       Finalmente, passemos pela tese de Gregory Beale (quanto abordagem de interpretação: eclética - quanto ao milênio: milênio inaugurado) quanto ao trato observado (ele é exaustivo nesta análise). Inicialmente, Beale destaca que embora haja desacordo sobre onde exatamente terminam e começam as seções sucessivas: “1:1–8 (prólogo); 1:9–3:22 (sete cartas); 4:1–8:1 (sete selos; às vezes 4:1–5:14 é visto como uma introdução separada); 8:2–11:19 (sete trombetas); 12:1–14:20 (sete selos incluindo 15:2); e 15:1–16:21 (sete taças)”. Um dos problemas mesmo com este esboço passa pelo “interlúdios” ou “parênteses” (7:1–17; 10:1–11:14; BEALE. The book of Revelation: A commentary on the Greek text, p.109). Essa constatação tem sua importância, porquanto faz parte de nosso contato inicial com o livro.

     Beale traz uma série de resumos interpretativos de segmentos do livro e breves reflexões sobre suas relações lógicas e temáticas. Algumas das relações lógicas e conceituais dos resumos interpretativos serão elaboradas, enquanto outras são mais evidentes. A questão não é focar na estrutura do livro, como acima, mas enfatizar o fluxo lógico do pensamento, embora às vezes isso possa ser difícil de rastrear. O comentário completo deve ser consultado para uma consideração de explicação mais específica das conexões de transição. O que quer que seja dito aqui deve ser integrado ao esboço e estrutura do livro preferido acima: 1:1-3: Introdução.  1:4-8: Saudação.  1:9–20: Comissionamento de João.  2:1-3: 22: As Cartas às Sete Igrejas.  4: 1–5:14: O Trono, o Pergaminho e o Cordeiro.  6:1-8: Os primeiros quatro selos. 6:9-11: O Quinto Selo. 6:12-17: O Sexto Selo.  7: 1–8: O Selamento das Tribos. 7:9–17: A Multidão. 8:1,3–5: O Sétimo Selo como a Conclusão da Série de Selos.  8:6 - 9:21: As primeiras seis trombetas. 10:1-11: Recomissionamento de João.  11:1-13: As Duas Testemunhas. 11:14-19: A Sétima Trombeta. 12:1-17: Vitória de Cristo sobre o Diabo.  Ap. 12–22 contam a mesma história que os caps. 1–11 12:18–13:18: Exortação.  14:1–20; 15:2–4: O Fim da História.  15:5–8: A Introdução aos Julgamentos das Sete Taças, retomada. 16:1-21: Punição dos ímpios.  17:1-18: A grande Babilônia (“cidade mulher”).  18:1-24: Alegria com a queda de Babilônia. 19:1-10: Casamento do Cordeiro. 19:11–21: A Derrota da Besta e Seus Aliados.  20:1–15: O Milênio. 21:1–22: 5: A Nova Jerusalém. 22:6–21: Exortações à Santidade (BEALE. The book of Revelation: A commentary on the Greek text, pp. 145-150).

    Esses levantamentos mostram, inicialmente, a complexidade de tal análise. Além disso, a clara dependência de outros pontos para entender a estrutura. A discussão na academia deste ponto tem sido exaustiva a um tempo considerável, ainda assim, certos elementos defendidos são pedagógicos, para que possamos ter certos insights sobre a discussão. Talvez, o conselho de utilidade mais considerável observado passe pela fala de Beale: “a questão não é focar na estrutura do livro, como acima, mas enfatizar o fluxo lógico do pensamento, embora às vezes isso possa ser difícil de rastrear” (BEALE. The book of Revelation: A commentary on the Greek text, p.109). Tal perspectiva é embrionário em sua constituição, mas corrobora com o trato inicial de leitura.

sexta-feira, 17 de junho de 2022


JESUS é DEUS:

             Provas da Divindade de Jesus por algumas Construções oriundas do Texto Grego


       Comumente a natureza divina de Cristo tem sido debatida no âmbito do “texto prova” (falácia), por fundamentações oriundas da Teologia Sistemática ou por direcionamentos de alguns historiadores (e outros). Entretanto, devemos levar em conta a análise deste tema teológico, a partir do texto sagrado com suas considerações expostas. Neste ensaio, a proeminência passará por este âmbito com a singularidade de certas construções oriundas do texto grego. Desta forma, defenderemos a divindade de Jesus, trabalhando alguns textos de forma laboratorial, para que possamos entender de forma introdutória a metodologia em voga (“dimensão textual da Teologia”).

       Veremos, exegeticamente, alguns textos propostos por Carson (The King James Debate: A Plea for Realism, p.48). Destes, quatro serão alvos de nossa análise. As redações são apresentas da seguinte forma: [A] 2Pe.1:1: ... ἐν δικαιοσύνῃ [ASKS] τοῦ θεοῦ ἡμῶν καὶ σωτῆρος Ἰησοῦ Χριστοῦ ... na/pela justiça de Deus e salvador Jesus Cristo”. [B] Tt.2:13: ... τῆς δόξης [ASKS] τοῦ μεγάλου θεοῦ καὶ σωτῆρος ἡμῶν Ἰησοῦ Χριστοῦ... “da glória do grande Deus e nosso Salvador Jesus Cristo”;   [C] 2Ts.1:12: ... κατὰ [ASKS] τὴν χάριν τοῦ θεοῦ ἡμῶν καὶ κυρίου Ἰησοῦ Χριστοῦ ... segundo a graça do nosso Deus e do Senhor Jesus Cristo”.  [D] Hb.1:8: ... πρὸς δὲ τὸν υἱόν· ὁ θρόνος σου ὁ θεὸς εἰς τὸν αἰῶνα τοῦ αἰῶνος... “acerca do Filho: O teu trono, ó Deus, é para todo o sempre”. Estas redações tem certas polaridades que produzem paralelos importantes, por esta razão, busquemos estes apontamentos quanto as suas devidas conceituações.

      Trabalharemos, inicialmente, estas passagens somente pela opção A (... ἐν δικαιοσύνῃ [ASKS] τοῦ θεοῦ ἡμῶν καὶ σωτῆρος Ἰησοῦ Χριστοῦ ... “na/pela justiça de Deus e salvador Jesus Cristo), por causa do espaço, de modo que, possamos ter uma ideia do que ocorre nos outros textos também (B e C).  A característica plausível em voga passa pela regra que envolve o artigo grego [ASKS]. Isto se deve ao fato afirmado de terem as sentenças construções semelhantes em que o artigo aparece com múltiplos substantivos conectados por um καί  (kaí - “e”, ASKS).    

          Para entendermos melhor a questão, foquemos na constituição da regra oriunda do grego, a qual funciona como base para as delimitações interpretativas. Desta forma, por que tal construção é possível? Para respondermos tal problemática, teremos que passar por uma das questões mais complexas do grego do NT: o uso do artigo. Tal perspectiva passa pela constatação de que o artigo é usado mais do que qualquer outra palavra no NT, cerca de 20.000 vezes (KOSTENBERGER; MERKLE; PLUMMER. Going Deeper with New Testament Greek, p.150). Além disso, as inúmeras possibilidades quanto aos usos (quando presente ou ausente, porquanto não existe artigo indefinido em grego) que são exaustivos (ver em ROBERTSON. Grammar of The New Testament Greek New Testament in The Light  of Historical Research, pp.754-796). Com esta consciência nosso interesse está relacionado  ao entendimento da Regra de Granville-Sharp (filantropo inglês e abolicionista,1735-1813). De que forma, funciona?

       Basicamente, como descrito anteriormente temos dois substantivos conectados por um καί  (kaí - “e”, ASKS), tendo o mesmo gênero e número (mas, também com gêneros diferentes, LXX, Is.29:13). De outro lado, a repetição do gênero que envolve o artigo e o caso, se tornam necessários e apropriados. Este artigo é omitido no segundo substantivo, funcionando assim como aposicional (BLASS; DEBRUNNER. A Greek Grammar of The New Testament and Other Early Christian Literature, pp.276,277). Observemos, propriamente a regra de Sharp, a partir de sua fala: “Quando a partícula καί  (kaí - “e”, ASKS),  conectar dois nomes no mesmo caso, [ou seja, nomes (substantivo, adjetivos ou particípios) de descrição pessoal, referindo-se a ofício, dignidade, afinidade ou conexão, atributos, propriedades, ou qualidade boas ou más], e se o artigo ó, ou qualquer uma de suas formas declináveis, preceder o primeiro nome ou particípio, e se não repetir-se antes do segundo nome ou particípio, o último sempre se relacionará à mesma pessoa expressa ou descrida pelo primeiro nome ou particípio. Ou seja, denotará outra descrição ao nome inicialmente citado” (SHARP. Remarks on The Uses of The Definitive Article in The Text of The New Testament containing proofs of the Divinity of the Christ, p.39). A síntese da regra pode ser vista assim: “em outras palavras, na construção ASKS, o segundo nome refere-se à mesma pessoa mencionada com o primeiro nome quando: não for impessoal; não for plural e  não for nome próprio” (WALLACE, pp.271,272). Há pelo menos 80 passagens no NT que se enquadram nesta construção (algumas: Mc.6:3; Jo.20:17; Ef.6:21; Hb.3:1; 1Pe.1:3; Ap.1:9). Vale uma ressalva aqui, porquanto por ter sido mal compreendido e [mal] aplicado, é imperativo reconhecer que a regra de Sharp só é conclusiva com substantivos singulares (não próprios), adjetivos substantivados ou particípios. Nos casos em que todos os restrições acima não forem obtidas, ainda haverá alguma ligação conceitual entre os substantivos, mas podem ou não se referirem à mesma entidade (MATHEWSON; EMIG. Intermediate Greek Grammar, Syntax for Students of The New Testament, p.108).

      Uma vez aplicada esta regra a 2Pe.1:1 temos expostas certas conclusões importantes. West afirma: “a expressão ‘Deus e nosso Salvador’ está em uma construção no texto grego que exige que traduzamos: ‘nosso Deus e Salvador, Jesus Cristo’, expressão que mostra assim que Jesus Cristo é o Deus do cristão” (Wuest. Wuest's word studies from the Greek New Testament: For the English Reader, 2Pe.1:1). De outro lado, Bauckham questiona: “esta frase se refere a duas pessoas (“nosso Deus e Salvador Jesus Cristo”) ou uma (“nosso Deus e Salvador Jesus Cristo”)? A ausência do artigo antes de σωτῆρος (“Salvador”) favorece o último, mas não é decisivo” (BAUCKHAM. Word Biblical Commentary: 2 Peter, Jude, p.168). Ainda assim, ele admite que a grande maioria pensa que θεοῦ (“Deus”) é aqui usado para Jesus, pois: (1) em outra parte da carta o escritor usa a frase similarmente construída τοῦ κυρίου ἡμῶν καὶ σωτῆρος Ἰησοῦ Χριστοῦ (“nosso Senhor e Salvador Jesus Cristo”: 1:11; 3:18; cf. 2: 20; 3:2), onde não há dúvida de que toda a frase se refere a Jesus Cristo. Quando, no entanto, este escritor deseja distinguir as duas pessoas, em 1:2, a construção é diferente: τοῦ θεοῦ καὶ Ἰησοῦ τοῦ κυρίου ἡμῶν (“de Deus e Jesus nosso Senhor”). (2) A doxologia dirigida a Cristo em 3:18 é consistente com uma cristologia na qual θεός (“Deus”) pode ser usado para Cristo (BAUCKHAM. Word Biblical Commentary: 2 Peter, Jude, p.168). Portanto, como destaca Schreiner: “a atribuição de ‘Senhor’ com referência a Jesus Cristo implica em sua divindade, uma vez que o mesmo título também se refere a Deus: 1:2,8,11,14,16; 2:20; 3:18, e o Pai é chamado de “Senhor” em 2:9, 11; 3:8,10, 12, desta forma, não há dúvida de que tanto o Pai como Cristo são chamados de “Senhor”. Tal título para Cristo aponta para a divindade de Jesus (SCHREINER. 1,2 Peter, Jude; The New American Commentary, p.287).

     Falta-nos ainda pensar Hb.1:8 (C). Este caso parece ser incomum, porquanto tem propriedade diferente (casos diferentes). A redação de Hb.1:8 passa por uma inserção em algumas versões, porquanto anexam o verbo “diz” não presente no grego: “... mas acerca do Filho (πρὸς δὲ τὸν υἱόν·): O teu trono, ó Deus, é para todo o sempre” (θρόνος σου ὁ θεὸς εἰς τὸν αἰῶνα τοῦ αἰῶνος). O fenômeno textual em voga funciona num princípio de intertextualidade, de maneira que o autor de Hebreus se apropria do Sl.45:6,7. Assim, a aplicação deste Salmo ao Filho é consistente com a indicação de que deve receber a glorificação dos anjos (v.6). O escritor não hesita em pensar em Jesus, como objeto legítimo de adoração, uma passagem em que é tratado como Deus. É provável que a citação tenha sido aplicada a Cristo na liturgia da Igreja primitiva. Ainda assim, o interesse primário do escritor na citação não é a predicação da divindade, mas a natureza eterna do domínio exercido pelo Filho. A implicação de que o Filho compartilha a qualidade de divindade apenas intensifica a referência ao seu governo eterno e aguça o contraste entre Ele (Filho) como imutável e os anjos mutáveis. Neste contexto, a frase εἰς τὸν αἰῶνα τοῦ αἰῶνος, “para todo o sempre”, sugere a qualidade de imutabilidade. A ênfase do escritor sobre a natureza eterna do Filho é a primeira indicação de que a eternidade é para Ele uma categoria cristológica que assumirá crescente importância no centro do discurso (cf. 5:5; 6:20; 7:3,17,21, 24,28 – LANE. Word Biblical Commentary: Hebrews 1-8, p.29).

       Precisamos destacar também o principal problema textual deste verso, o qual diz respeito à leitura de αὐτοῦ (“dele”, p46) para σου (“teu”, ver em: ELLINGWORTH. The Epistle to the Hebrews : A commentary on the Greek text, p.122). Supõe-se comumente que a força da citação está no título divino (ὁ θεός) que, como se afirma, é aplicado ao Filho. Parece, no entanto, de toda a forma do argumento, estar mais na descrição dada em relação ao ofício e investidura do Filho. Elementos comparativos em voga chancelam tal perspectiva. Os anjos estão sujeitos a mudanças constantes, o Filho tem domínio para todo o sempre; eles trabalham por meio de poderes materiais, Ele, encarnado – cumpre uma soberania moral, coroado com uma alegria única. Nem o leitor poderia esquecer o ensino posterior do Salmo sobre a noiva real e a raça real. Seja qual for a maneira que ὁ θεός seja tomada, a citação estabelece a conclusão que o escritor deseja tirar quanto à diferença essencial do Filho em relação aos anjos. De fato, pode parecer a muitos que a aplicação direta do Nome divino ao Filho obscureceria o pensamento (Westcott .The Epistle to the Hebrews the Greek text with notes and essays, p.26). Como dito esta construção aparece com um ordenamento diferente, ainda assim, temos uma plausibilidade, passando por elementos textuais mais abrangentes.

       As pretensões deste ensaio estão limitadas pelo seu espaço. O objetivo em voga é trazer uma síntese, para que possamos constituir uma boa provocação quanto a necessidade da pesquisa. Ainda que tenhamos passado bem de relance as questões tratadas, foi possível observar que existe um longo caminho a percorrer, de modo que, pensemos a divindade de Cristo pelo texto grego. Até o presente momento não temos elementos antitéticos para esta tese teológica. Evidente que esta afirmação leva em conta o princípio metodológico aqui usado. Em suma: Jesus Cristo é Deus. 

terça-feira, 14 de junho de 2022

  

    As possibilidades quanto a Identificação de “Azazel” (עֲזָאזֵל) vistas exegeticamente

          .

           A discussão dirigida a identificação de  “Azazel” (עֲזָאזֵל)  que aparece em Lv.16:8,10,26 passa por linhas hermenêuticas distintas. Os estudiosos apresentam pelo menos quatro possibilidades. Tal empreendimento tem sua complexidade declarada pelos caminhos percorridos para a análise (tradução, contexto histórico e outros). Ainda assim, os eruditos (Exegetas) trazem compostos argumentativos que trazem fundamentações para suas teses interpretativas. Neste ensaio, traremos algumas destas afirmativas, de maneira que, possamos ter em mente as linhas hermenêuticas defendidas, entretanto a defesa em foco pensará “Azazel” (עֲזָאזֵל) pelo contexto, e não como algo reduzido ao termo em si (tautologia etimológica).  

        O termo  “Azazel” (עֲזָאזֵל) aparece somente quatro vezes no AT (como visto). Inicialmente, a defesa envolvendo a identificação deste “Azazel” com “o demônio”, passa por relações com o background, pois os babilônios acreditavam em alu-demônios que viviam em terrenos desertos, e este pode ser um conceito semelhante. Nas tabuletas de Ebla há um rito de purificação para um mausoléu usando uma cabra que é então solta no país das estepes (Matthews, Chavalas, & Walton. The IVP Bible background commentary: Old Testament, Lv.16:10).  Desta forma, a perspectiva em voga tinha laços com os povos que cercavam Israel.  Keil, Delitzsch afirmam isto, pois em suas perspectivas “Azazel’ (עֲזָאזֵל) “é o nome de um demônio ou mesmo do próprio diabo” (Keil, Delitzsch, p.398). Na literatura intertestamentária posterior era o nome de um espírito maligno principal (Enoque 8:1; 9:6; 10:4-8; 13:1-2; 54:5; 55:4; 69:2). De maneira semelhante, uma tradição no Talmud descreve um composto dos nomes de dois anjos caídos (“A Religião de Israel antes do Sinai”, JQR 53 [1962/63] 250). A posição de que este passava a ser o nome ou nomes de um demônio tem a vantagem de os dois nomes serem verdadeiramente paralelos (HARTLEY. Word Biblical Commentary: Leviticus, p.237).   

     Outra possibilidade interpretativa passa pela consideração de “Azazel” como um termo abstrato que significa “remoção total” (assim, a frase  לַעֲזָאזֵֽל׃ então significa: “para remoção”). Um argumento contra essa posição é que há poucos termos abstratos em Levítico; na verdade, todo o ritual do “Dia da Expiação”, incluindo a libertação deste bode, funcionava como uma representação simbólica das realidades espirituais. Além disso, a tradição rabínica toma “Azazel” (עֲזָאזֵל) como o lugar para onde este bode parte,  identificando-o como “um precipício rochoso” ou “o mais difícil das montanhas” ou “uma montanha áspera e rochosa” (HARTLEY. Word Biblical Commentary: Leviticus, p.237). Estes apontamentos sintéticos acabam por produzir uma exegese de palavra, de maneira que somente o termo está em voga, na verdade, devemos entender “Azazel” (עֲזָאזֵל) no contexto do texto com seus postulados distintos.

     Nesta dinâmica, precisa estar claro que Levítico 16 regula o que deve acontecer no “Dia da Expiação”, embora o título desta instituição não ocorra no capítulo. Este título  é encontrado em Lv 23:27 (yôm hakkippurîm) e Lv 23:28 (yôm kippurîm), literalmente “dia das (das) expiações”. No uso contemporâneo, tem sido comumente chamado de Yom Kippur. O dia era o mais solene de todos os rituais do Antigo Testamento. Tão significativo foi que na tradição judaica posterior passou a ser chamado assim, “O Dia” (ROOKER. Leviticus, The New American Commentary, p.211). Este diálogo com o texto nos leva a perceber que o uso da expressão “mandar embora”, no v 21 para a libertação deste bode no deserto carregava a ideia de que foi solto, para “vagar ou vagar livremente, sem impedimentos”. Por um viés de coesão percebemos o rito de agregação para um curado de uma grave doença de pele, neste caso, também era usado para a liberação da ave (14:7). Além disso, o fato de que esta ave era definida como “viva” (14:7), assim como este bode é chamada da mesma forma (“vivo”). Desta forma, o v.20 atesta que esses dois ritos têm a mesma intenção básica. Nos primeiros tempos, o bode provavelmente foi enviado para longe do acampamento para vagar livremente no deserto até sua morte. O significado inicial deste ritual era fornecer uma representação visual à assembleia da realidade de que neste dia seus pecados foram completamente apagados e o poder desses pecados foi encerrado para sempre. Além disso, este rito de libertação em Israel corresponde à prática amplamente atestada encontrada entre uma variedade de povos, testemunhando a profunda consciência social dentro das comunidades de que a impureza ou o mal devem ser removidos periodicamente de seu meio (HARTLEY. Word Biblical Commentary: Leviticus, p.238). O intra-diálogo contextual faz com que o texto funcione por seus apontamentos vistos em coesão, assim, passamos a entender o evento pelo todo. A exegese histórico-gramatical contempla tal tarefa com inegociável importância.

    Ainda assim até agora não tocamos na fala de Ellen White, agora veremos que tese interpretativa ela defende. No cap.23 do Grande Conflito, quando trata do “Santuário Celestial, centro de nossa esperança” (Dn.8:14), a partir desta temática com suas esdruxulas observações afirma: “destarte, os que seguiram a luz da palavra profética viram que, em vez de vir Cristo à Terra, ao terminarem em 1844 os 2.300 dias, entrou Ele então no lugar santíssimo do santuário celeste, a fim de levar a efeito a obra final da expiação, preparatória à Sua vinda” (disponível em: http://www.centrowhite.org.br/files/ebooks/egw/O%20Grande%20Conflito.pdf). Além disso, White afirma que “verificou-se também que, ao passo que a oferta pelo pecado apontava para Cristo como um sacrifício, e o sumo sacerdote representava a Cristo como mediador, o bode emissário tipificava Satanás, autor do pecado, sobre quem os pecados dos verdadeiros penitentes serão finalmente colocados. Quando o sumo sacerdote, por virtude do sangue da oferta pela transgressão, removia do santuário os pecados, colocava-os sobre o bode emissário. Quando Cristo, pelo mérito de Seu próprio sangue, remover do santuário celestial os pecados de Seu povo, ao encerrar-se o Seu ministério, Ele os colocará sobre Satanás, que, na execução do juízo, deverá encarar a pena final” (http://www.centrowhite.org.br/files/ebooks/egw/O%20Grande%20Conflito.pdf). Muito pode ser dito sobre estas afirmativas que são frutos de uma intertextualidade superficial, entretanto nosso foco é o Lv. Assim, para tal se “Azazel” era o cabeça dos demônios ou o precursor de Satanás, não há como saber, mas pode-se afirmar que tal identificação não é a intenção do uso desse nome nesta passagem (Lv.16:8,10,26), por quê? Se “Azazel” era um demônio, este rito significa que os pecados carregados pelo bode eram devolvidos a esse demônio com o objetivo de removê-los da comunidade e deixá-los em sua fonte, para que seu poder ou efeito na comunidade fosse completamente quebrado. (HARTLEY. Word Biblical Commentary: Leviticus, p.238). Esta expiação vista assim, teria uma conotação tautológica. Além disso, pelo contexto canônico, não há nada nas Escrituras, no entanto, que indique que Satanás ou seus demônios realizaram uma função expiatória (ROOKER. Leviticus, The New American Commentary, p.211).

      As pretensões desta ensaio são limitadas a fundamentações introdutórias. As ferramentas para a análise acabam por produzir uma metodologia que privilegia as considerações contextuais. Algo de grande importância exegética. Algumas falas destacadas parecem estar alicerçadas somente na análise do termo, algo problemático para o histórico gramáticas. Além disso, o contexto canônico também exerce um papel fundamental. Em suma, responsabilizar o diabo pela expiação do pecado, realmente, funciona como algo absurdo do ponto de vista exegético, pois para conseguir tal afirmativa muitos malabarismos precisam ser feitos.    

      O Texto Grego do Apocalipse: Apontamentos Introdutórios (1ª Parte).             Neste ensaio exegético, analisaremos, introdutoria...