quinta-feira, 29 de setembro de 2022

 

A Monogamia da CRIAÇÃO (supracultural) e a Poligamia POSTERIOR (cultural) em Antítese vistas por uma relação com a GRAÇA DE DEUS: Alguns Apontamentos introdutórios sobre esta questão.


      O presente ensaio exegético tem como objetivo trabalhar a relação antitética existente entre a monogamia e a poligamia. A metodologia para tal investigação passará pela compreensão de dois textos que servirão de laboratório (Gn.2:24; Gn.16). Em suma, a ideia fundante passará pela relação TESE-ANTÍTESE ou o elemento supracultural e cultural visto nas informações textuais. Tal perspectiva tem conotação pedagógica, de modo que, tenhamos diante de nós a clareza quanto a intertextualidade. Finalmente, veremos a graça o funcionamento da graça de Deus nesta dinâmica.   

      De forma categórica lemos em Gn.2:24 o estabelecimento do casamento monogâmico/heterossexual. O texto acaba por funcionar numa dinâmica contextual em que alguns elementos são descritos. De forma, mais reduzida observamos o estabelecimento da mulher num viés distinto (2:21,22). Logo depois foi traga ao homem que disse:esta é agora osso dos meus ossos, e carne da minha carne; esta será chamada mulher, porquanto do homem foi tomada” (2:22). Nossa questão está fundamentada no comentário do narrador em 2:24: 

   “portanto deixará o homem o seu pai e a sua mãe, e apegar-se-á à sua mulher, e serão ambos uma carne” (דָבַ֣ק בְּאִשְׁתּ֔וֹ וְהָי֖וּ לְבָשָׂ֥ר אֶחָֽד׃). 

  Esta primeira expressão (“...e apegar-se-á à sua mulher”) sugere que tanto a paixão quanto a permanência devem caracterizar o casamento. O amor de Siquém é descrito como “sua alma apegou-se a Diná” (Gn 34:3). As tribos de Israel têm a certeza de que manterão sua própria herança; isto é, será deles permanentemente (Nm 36:7-9). Israel é repetidamente exortado a “se apegar ao Senhor” (Dt 10:20; 11:22; 13:5, etc.). O uso dos termos “abandonar” e “pegar” no contexto da aliança de Israel com o Senhor sugere que o AT via o casamento também como uma espécie de aliança (WENHAM. Vol. 1: Word Biblical Commentary: Genesis 1-15, p.71). Assim, percebemos que o casamento heterossexual/monogâmico sempre foi visto como a norma divina desde o início da criação. A instrução mosaica mostra esforços consideráveis para salvaguardar esse ideal contra sua dissolução, esclarecendo o que é “família”. A sexualidade foi fundamental para definir o que era uma família em Israel; a abolição das fronteiras sexuais ameaçava a identidade dessa instituição social central. Sem limites apropriados, a “família” cessou, e a consequência foi a ruína de Israel como nação, o mesmo destino sofrido por seus predecessores (Lv 18:24-30). Fortes proibições contra ofensas sexuais muitas vezes prescreviam a pena de morte, como no caso dos pecados hediondos de assassinato e idolatria (MATHEWS. Vol. 1A: Genesis 1-11:26, The New American Commentary, p.224). Assim, o preceito em voga pode ser visto num viés paradigmático para o estabelecimento do casamento com gêneros diferentes e um só cônjuge, algo que acaba por expor o princípio da exclusividade.  

     A primeira antítese ao padrão aparece em 4:19, quando o narrador fala de Lameque (4:19), entretanto, talvez a questão mais problemática seja a postura de Sara e Abraão em Gn.16. Algo que inicialmente é descrito num cenário em que  “Sarai, mulher de Abrão, não lhe dava filhos (depois de 10  anos que Abrão estava morando em Canaã, 16:3), e ele tinha uma serva egípcia, cujo nome era Agar” (16:1). Desta forma, observamos que Sarai teve uma ideia para resolver a dificuldade em foco, mas tal percepção estava em antítese a Gn.2:24? Porquanto Abrão teve relações com Hagar (16:4).  

   Para entender esta questão, passemos, incialmente pelo background do texto. Assim, a plausibilidade da postura de Sarai passa fato de que as escravas eram consideradas propriedades e extensões legais de sua amante. Além disso, as concubinas não tinham o status pleno de esposas, mas eram meninas que chegavam ao casamento sem dote e cujo papel incluía ter filhos. Como resultado, o concubinato não seria visto como poligamia. Em Israel, como na maior parte do mundo antigo, esta monogamia era geralmente praticada. A poligamia não era contrária à lei ou aos padrões morais contemporâneos ao tempo do texto, mas geralmente não era economicamente viável. A principal razão para a poligamia seria que a primeira esposa era estéril. Na Bíblia, a maioria dos casos de poligamia entre os plebeus ocorre antes do período da monarquia (MATTHEWS, CHAVALAS, & WALTON, J. H. The IVP Bible Background Commentary: Old Testament, Gn 16:4). Esta perspectiva nos ajuda na compreensão do fundamento influenciados que os personagens tinham.

    A forma como se via a ausência de filhos funcionou como fundamento para a poligamia. Era um assunto sério para um homem não ter filhos no mundo antigo, pois isso o deixaria sem herdeiro. Mas, era ainda mais calamitoso para uma mulher: ter uma grande prole de filhos era a marca do sucesso como esposa; não ter nenhum era um fracasso ignominioso. Assim, em todo o antigo Oriente, recorreu-se à poligamia como meio de evitar a falta de filhos. Mas, as esposas mais ricas preferiam a prática da maternidade de aluguel, por meio da qual permitiam que seus maridos tivessem relações sexuais com suas empregadas, um eufemismo para estas relações sexuais (cf. 6:4; 30:3; 38:8, 9; 39:14). A amante podia então sentir que o filho de sua empregada era seu e exercer algum controle sobre ele de uma maneira que não poderia, se seu marido simplesmente tivesse uma segunda esposa. Assim, Sarai expressa aqui a esperança de que pudesse “ter filhos por meio dela”. “O verbo como está só pode significar “eu serei edificado” (WENHAM. Vol. 2: Word Biblical Commentary: Genesis 16-50. Word Biblical Commentary, p.7). Entretanto, a questão em foco passa pela identificação do narrador quanto a aprovação ou desaprovação quanto a avaliação do ato de Abrão e Sara.

   Neste quesito Waltke afirma que Sarai, inicialmente reconhece o Senhor como o Criador da vida; entretanto, não interpreta sua infertilidade em termos da promessa de Deus. Sua queixa a condena por tirar a iniciativa das mãos dele. Sem uma palavra de Deus a autorizar seu plano, Sarai se faz culpada de sinergismo. Seu plano de lidar com o problema se compara ao de Abraão em 12.11-13 (WALTKE. Gênesis, p.306). Dados os costumes sociais do antigo Oriente Próximo, a sugestão de Sarai foi um curso de ação perfeitamente adequado e respeitável. Portanto, é compreensível quando alguns comentaristas supõem que o autor de Gênesis aprovava sua ação. No entanto, uma leitura atenta do texto sugere o narrador considera sua ação um grande erro. Em primeiro lugar, há a consideração geral de que a proposta de Sarai parece ser a resposta humana normal ao problema da falta de filhos no mundo antigo, enquanto a promessa de um herdeiro real em Gn.15:4 sugere que algo anormal aconteceria. Segundo, a maneira como Sarai toma a iniciativa de resolver um problema em vez de esperar pela intervenção do Senhor lembra a abordagem de Abrão em 12:10-20, onde em uma situação difícil ele chamou Sarai de sua irmã. Em terceiro lugar, muita atenção aos vs.2-3, porquanto sugerem a desaprovação do narrador, pois ele claramente alude a Gênesis 3 (WENHAM. Vol. 2: Word Biblical Commentary: Genesis 16-50. Word Biblical Commentary, p.7). Com estes sintéticos apontamentos percebemos o lado da influência cultural dos personagens definindo suas posturas, entretanto, o elemento supracultural que advém da teologia da criação.

       Ao observar essa relação TESE-ANTÍTESE pode gerar alguma dificuldade, pois pode-se questionar: como Sarai e Abrão mesmo cometendo esse pecado, tiveram acesso as ações de Deus? No contexto de Gn.16 o Anjo do Senhor afirma a Hagar que deveria voltar a sua dona (Gn.16:9), além disso, a narrativa no seu macro deixa claro que o Senhor continuou firme em Sua imutabilidade quanto a promessa, ainda que as atitudes de Abrão e Sarai tenham sido antagônicas ao padrão divino. Tal perspectiva acaba por gerar muita dificuldade para o legalista. Entretanto, aqui temos claro diante de nós a importância da GRAÇA DE DEUS como substrato inicial do aspecto relacional entre o homem e o SENHOR.  

      Vogt analisa esta questão, a partir do Gênesis em alguns ocorridos no livro. Em primeiro lugar, na rebelião de Adão e Eva (algo que gerou a perturbação do Shalom), pois Deus poderia ter destruído suas criaturas e começado de novo, entretanto, Ele escolheu permitir que suas criaturas teimosas vivessem. Com certeza esta é uma clara manifestação da Sua graça. Talvez, a maior manifestação desta graça, segundo Vogt, venha do chamado de Abrão (12:1-3). Tal perspectiva passa pelas afirmativas de todo o Gênesis, onde os patriarcas são mostrados como criaturas frágeis, pequena e propensas (como todos os humanos) a pecar. Apesar desta infame disposição dos personagens, YHVH reitera Sua promessa de abençoar os descendentes de Abraão para abençoar todas as nações e restaurar a criação à sua glória almejada (VOGT. Interpretação do Pentateuco, p.77).

    Longe de pretensões exaustivas este ensaio procurou consolidar um modelo de diálogo antitético entre a monogamia e a poligamia em construtos exegéticos. Foi possível ver que o “fato social” funcionava como elemento direcionador. Tal direcionamento trazia considerações culturais, entretanto, vistas numa contracultura pelo padrão presente na estrutura oriunda da teologia da criação. Este exercício deve ser expandido para outros momentos do AT, de modo que tenhamos uma ideia da antítese exposta.     

 

segunda-feira, 26 de setembro de 2022

 

                  Algumas Considerações introdutórias sobre a Narrativa Bíblica




    Infelizmente, em nosso contexto evangelical muitos cristãos ainda leem as narrativas bíblicas sem a devida ciência disto. Por esta razão, esta leitura se torna problemática, no que diz respeito ao cumprimento do papel do leitor/intérprete. Assim, o conhecimento das “regras dos jogos da linguagem” tem status de urgência quanto ao seu compartilhamento. Vale a ressalva de que isto não afirma uma absolutização do método, de modo que, tenha autoridade implícita, e não derivada. Neste ensaio, serão levantados alguns componentes introdutórios sobre a narrativa bíblica.

    Em primeiro lugar, fixemos nossa atenção para a fala de Anthony Thiselton: “a hermenêutica explora como lemos, entendemos e lidamos com textos, especialmente aqueles escritos em outra época ou num contexto de vida diferente da nossa. A hermenêutica bíblica investiga mais especificamente como lemos, entendemos, aplicamos e respondemos aos textos bíblicos” (THISELTON. Hermeneutics An Introduction, p.15). Waltke segue esta mesma linha: “entender o texto também envolve uma análise de como interpretar as várias formas literárias da Bíblia, como as literaturas hínica, profética e sapiencial. Para sua correta interpretação, cada forma exige uma estratégia própria de leitura” (WALTKE. Teologia do Antigo Testamento, p.109). Finalmente Vanhoozer: “a hermenêutica — a reflexão sobre os princípios que corroboram a interpretação textual correta (VANHOOZER . Há Significado nesse texto? P.23).  Assim, a ênfase no ler/interpretar com condicionantes hermenêuticos se torna a resposta para o conhecimento da Narrativa.

     Isto se tornou algo apologético por causa da metodologia do reader-response. Como explica Thiselton no final dos anos 1960 e certamente durante os anos 1970 e década de 1980, surgiu um movimento que na verdade tendia a suplantar a Nova Crítica. Esse movimento promoveu a visão de que a chave determinante para a produção de sentido foi o leitor ou leitores. O significado era menos um produto do autor ou do texto como tal, ou mesmo da relação entre o texto e seu autor, do que um produto da relação entre o texto e seus leitores. Como os leitores responderam ao texto passou a ser considerado como a principal fonte e determinante do significado (THISELTON. Hermeneutics An Introduction, p.46).  Tal perspectiva como bem coloca Vanhoozer “passa pelo problema do leitor e da ética do significado” [...] “A crítica orientada para a resposta do leitor enfatiza a incompletude do texto até que ele seja construído (ou desconstruído) pelo leitor” (VANHOOZER . Há Significado nesse texto? P.36). Como abordagem proclamada pelos profetas da pós-modernidade, esta perspectiva de forma tácita tem direcionado a leitura de muitos cristãos. Algo sério, pois esta subversão acaba por produzir o “pecado hermenêutico”.    

    Ainda nesta primeira abordagem outro elemento corrobora com a tese em voga, pois a proporção traz uma consolidação. Walter Kaiser explicita isto ao demonstrar em grau estatístico que “mais de um terço da Bíblia parece como Narrativa, sendo este o gênero mais comum do texto Sagrado” (KAISER. Introdução a Hermenêutica Bíblica, p.65). Assim, nesta somatização estas perspectivas servem de aspecto fundante para o imperativo apego ao conhecimento da Narrativa bíblica.

     Em segundo lugar, precisamos questionar: o que é uma narrativa? Basicamente podemos pensar esta problemática num sentido mais amplo e desta forma pensar nela “como um relato de acontecimentos específicos no tempo e espaço com participantes cujas as histórias são registradas com um começo, meio e fim” Nesta dinâmica de percepção se faz necessário pensar na “seleção do escritor, disposição e recursos retóricos” (KAISER. Introdução a Hermenêutica Bíblica, p.65). Podemos avançar por causa dos ditames acadêmicos, porquanto como destaca Osborne: “a tendência em dividir o texto em unidades isoladas (fracasso da crítica da forma e da redação) foi amplamente percebida como contraproducente, e assim os estudiosos se voltaram para o campo da crítica da narrativa para cobrir a lacuna” (OSBORNE. Espiral, p.255). Por esta causa se fala em “Crítica da Narrativa”. Waltke define a narrativa e a crítica da narrativa: “a narrativa é uma forma de arte representacional. A crítica narrativa observa, analisa e, de modo sistemático, classifica as narrativas conforme representam seu objeto e contam suas histórias, a fim de comunicar seu sentido. Uma narrativa comunica sentido por meio do mimetismo da vida humana. Isso se obtém mediante a apresentação de personagem(ns) e acontecimento(s) em cenário(s) distinto(s), cujas ações em desenvolvimento criam tensões que constituem o enredo ou trama” (WALTKE. Teologia do Antigo Testamento, p.109,110). Como exercício para a compreensão é importante a pedagogia da síntese. Amplas definições unidas destacam os pontos a serem afirmados.  

       Depois de compreender, sinteticamente, a definição focada, passemos para os elementos instrutivos para o desenvolvimento ferramental da leitura. Assim, como descreve Osborne “os críticos literários têm desenvolvido técnicas que muito nos ajudarão a realizar uma ‘leitura fechada’ [“close Reading”] do texto e observar características com o a tensão do enredo e da personagem, o ponto de vista, o diálogo, o tempo e o cenário da narrativa. Elas permitirão ao leitor descobrir o fluxo do texto e, desse modo, perceber como a mão de Deus inspirou o autor bíblico para desenvolver sua narrativa” (OSBORNE. Espiral, p.255). Mesmo com estes importantes considerandos Waltke nos lembra que “para pensar e falar com mais clareza sobre narrativa, precisamos fazer uma distinção prescritiva entre história e enredo. Cada narrativa possui esses dois componentes. Uma história consiste naquilo que é externo ao texto: pessoas, coisas ou acontecimentos. A história refere-se ao conteúdo da narrativa; o enredo, ao delineamento de sua representação. O enredo mostra como o narrador representa os acontecimentos, personagens, cenários e interações desses elementos na trama” (WALTKE. Teologia do Antigo Testamento, p.110). Assim, temos os compostos ferramentais para a aplicabilidade da “leitura fechada” que funciona num método restrito.

       Dentre todos os elementos presentes na abordagem da crítica da narrativa focaremos no papel do Narrador (um dos três elementos externos [leitor e autor].  Para tal se faz necessário, inicialmente, entender a relação do autor real, implícito e narrador. Inicialmente, o autor real é aquele que de fato escreveu a narrativa ou história. O que sabemos dessa pessoa pela narrativa ou pela história é o que se chama de “autor implícito” (ou narrador). Logo, podemos não conhecer o autor real nem saber tudo o que ele próprio sabe sobre a narrativa, mas sabemos o que ele escreveu. Disso tiramos certas conclusões sobre o autor real. Como Longman III declara: “O autor implícito é o autor como seria concebido com base nas inferências a partir do texto” (PATTERSON; KOSTENBERGER. Tríade Hermenêutica, p.232,233). Portanto, o autor não está presente, mas criou uma persona de si mesmo no texto (o autor implícito), e estudamos o texto, não o autor. Em outras palavras, não estudamos o autor, mas a mensagem pretendida pelo autor (OSBORNE. Espiral, p.255). Esta conotação acaba por chancelar a supremacia do texto como elemento informativo na narrativa.

      Algumas questões têm sido debatidas sobre o Narrador e seu alcance para compartilhar suas informações, pois, “o autor implícito controla a voz das personagens do relato. Ele tem a palavra final, e não as personagens” (WALTKE. Teologia do Antigo Testamento, p.118). O narrador bíblico possui muitas características importantes, podemos perceber isto no chamado “ponto de vista”, (algo associado ao narrador) que interage com a ação dentro da narrativa de várias formas e, dessa maneira, produz o efeito que a narrativa deve ter sobre o leitor. (OSBORNE. Espiral, p.260). O narrador tem acesso a informações privilegiadas, porquanto Lucas descreve os pensamentos e sentimentos internos de personagens com o Simeão e Ana quando eles reconhecem o Messias no menino Jesus (Lc 2.29,38) e relata o desejo de Félix de que Paulo lhe oferecesse um suborno (At 24.26). Além disso, ele conhece os pensamentos e as ações de Deus. Por exemplo, autores implícitos sabem aquilo que Deus pensa e diz nos céus, até mesmo antes da existência de qualquer ser humano (Gn 1), e sabem que Deus enviou dos céus um espírito maligno para entrar no espírito de Saul, a fim de fazer com que ele se apressasse na realização de planos condenáveis (1Sm 16.14). Existem tantos outros textos com a mesma dinâmica, diante disto questionamos: de que forma entender isto?

   Inicialmente, aqueles que trabalham o método histórico-gramatical rejeitam a desonestidade do narrador. Como se a história estivesse fundamentada em informações construídas de forma leviana. Assim, deixando de lado as exigências modernas de documentação, a onisciência e a onipotência implícitas do autor são resultado de sua inspiração celestial, não da inventividade de um ficcionista. Mesmo assim, é provável que o autor inspirado tenha exercido o direito de representar nas próprias palavras o que a personagem da narrativa — inclusive Deus — disse, ao mesmo tempo em que se mantém fiel à realidade histórica. Como regra de comunicação narrativa, a inspiração equivale à onisciência exercida na história: o pressuposto da veracidade da narrativa baseia-se no conhecimento que o contador da história recebeu de Deus. O profeta assume explicitamente essa postura (ou persona); o contador de história o faz implicitamente, ainda assim com autoridade. O autor implícito da narrativa bíblica não diz “Assim diz Eu Sou ”, mas, em vez disso, escreve “Eu sou disse”, “Eu sou pensou” ou “Eu Sou fez” (WALTKE. Teologia do Antigo Testamento, p.118). Em suma, o escritor não está limitado às restrições do mundo real, mas pode proporcionar panoramas de perspectivas a respeito daquilo que uma pessoa normal não poderia saber. Desse modo, o leitor pode captar o sentido da presença de Deus que está por trás da história e a autoridade divina que permeia o todo (OSBORNE. Espiral, p.262).

   Esta sintética jornada fez com que numa necessária introspecção tenhamos consciência da imperativa responsabilidade que temos em estudar a Narrativa. Isto fundamentado no fato de que somos leitores/intérpretes. Além disso, no nível proporcional grande parte da Escritura é composta por este gênero. Os elementos técnicos presentes na crítica da narrativa que acabam por produzir a “leitura fechada” corroboram com a pesquisa (mesmo com sua fraqueza histórica). Finalmente, a base verídica das informações dadas pelo narrador parte do Autor num processo de inspiração.   

  

      O Texto Grego do Apocalipse: Apontamentos Introdutórios (1ª Parte).             Neste ensaio exegético, analisaremos, introdutoria...