quarta-feira, 21 de outubro de 2020

 

     Aproximações Exegéticas entre “o Serviço dos santos” (oferta) de 2Co.8-9 e a prática do Dízimo de Dt.14:28-29 (dízimo). 


        Neste ensaio elementos parentéticos serão trabalhados, para pensarmos nas aproximações exegéticas presentes em Dt.14:28,29 e 2Co.8-9. Desta forma, as reduções em foco trarão uma discussão introdutória sobre: [1] a relação do AT com o NT, [2] o aspecto normativo das passagens em voga e [3] o alvo comum do aspecto prescritivo. A defesa deste ensaio expõe a consonância existente entre dízimo e oferta quanto as suas construções, de maneira que, não há razão para a descontinuidade, mas certa continuidade, no que diz respeito ao aspecto paradigmático da Lei e intertextualidade.   

No viés da genealogia da interpretação, encontramos algumas linhas exegéticas, quanto a relação do AT com o NT, oriundas de pensadores em tempos distintos. Assim, não há dúvida da consolidação do debate em torno deste tema teológico. A questão passa pela seguinte problemática: “em que medida há continuidade ou descontinuidade entre o sentido original das passagens do AT e o uso que o NT faz delas?” (BEALE. Manual do Uso do Antigo Testamento no Novo Testamento, 2013, p.21). Esta resposta passa, primariamente, pela compreensão de Calvino, quando afirma “a igualdade entre os testamentos, tendo administrações diferentes” (CALVINO. A Instituição da Religião Cristã, 2007, pp.406-440). Quanto as distinções em foco oriundas dos títulos AT e NT podem ser vistas, segundo Dyck: “temporalmente (um é cronologicamente anterior ao outro), qualitativamente (sendo que um é sombra do outro) e teologicamente (relacionamento obsoleto, novo relacionamento baseado na redenção de Cristo)”. Esta crença na unidade da Bíblia tinha implicações hermenêuticas diferentes (DYCK. Hermenêutica, 2012, pp.38,39). Neste viés, trabalharemos com percepção de Peter Vogt, a partir de sua “Abordagem paradigmática da Lei” (cf. VOGT. Interpretação do Pentateuco, 2015, pp.25-47) e com “Abordagem Canônica” que vê o texto em seu próprio mundo histórico e em sua forma final do cânon (DYCK. Hermenêutica, 2012, p.41). Desta forma, podemos pensar numa harmonização feita com considerandos teológicos distintos, rejeitando o fantasma de Marcião de Sínope que tem assolado certos teólogos.

I. Dt.14:28,29. “As estipulações da aliança” aparecem numa extensão de Deuteronômio (12:1-26:15) que traz dentre estas, “o tributo ao soberano” (MERRIL. Deuteronomy, NAC, 2001, p.239). Assim, as normatizações em voga expõem o comando divino (14:22) quanto: ao lugar em que comeriam e o objetivo dos dízimos (14:23), a dificuldade da distância com sua resolução (14:24-26) e o amparo  dirigido ao levita, estrangeiro, órfão e viúva (14:27-29). Assim, dois elementos formavam a constituição do tributo em seu viés litúrgico e social. Nosso interesse é pelo último: “o dízimo trienal” e seu objetivo (14:28,29). Na verdade, a amplitude contextual (14:22-15:18) descreve o que Christensen define como: “as preocupações humanitárias de Deuteronômio que inclui três disposições para aliviar o sofrimento dos pobres no antigo Israel” (CHRISTENSEN. Word Biblical Commentary: Deuteronomy 1-21:9, 2002, p.300). Os desdobramentos exegéticos que servem de substrato precisam ser estabelecidos pela explicações que envolvem os conceitos de 14:28,29.

 Em 14:28 encontramos, inicialmente, um aspecto normativo prescrito da seguinte forma: “ao fim (מִקְצֵ֣ה lê-se: miqetseh) de três anos (שָׁלֹ֣שׁ שָׁנִ֗ים lê-se: shålosh shånym) trarás/tirarás todos os dízimos (תּוֹצִיא֙ אֶת־כָּל־מַעְשַׂר֙ lê-se: totsy et kal maësar) da tua produção (תְּבוּאָ֣תְךָ֔ lê-se: tëvuåtëkha) naquele ano (בַּשָּׁנָ֖ה lê-se: bashånåh) e recolherás nas tuas portas (וְהִנַּחְתָּ֖ בִּשְׁעָרֶֽיךָ lê-se: vëhinachëtå bishëåreykha)”. Assim, este dízimo trienal, fruto da produção anual,  não deveria ser levado ao santuário, mas para as portas da cidade, sendo que depois disto, segundo Dt.26:12-15, os que contribuíam, precisariam confessar ao Senhor o que haviam feito e orar por Suas bênçãos (KEIL; DELITZSCH. Commentary on the Old Testament, 2002, S.1:918). Os beneficiados com este tributo dado a YHVH eram: “o levita (que não tem parte ou herança,14:27; 12.12), o estrangeiro (esses são os que viveram permanentemente em Israel; cf. 1:16; 5:14; 10:18,19), o órfão e a viúva” (cf.10:18). Em suma, todos aqueles que estavam desprovidos de condições (pobres e necessitados) para sobreviverem. Esta percepção não foi exposta num vácuo histórico, mesmo que com certa singularidade presenta na Lei, pois, como afirma Matthews: “a preocupação com os necessitados era evidente nas coleções jurídicas da Mesopotâmia em meados do terceiro milênio, mas isso geralmente tratava da proteção dos direitos e da garantia da justiça nos tribunais, em vez da provisão financeira” (MATTHEWS; CHAVALAS; WALTON. The IVP Bible Background Commentary: Old Testament, 2000, S. Dt 14:29). 

II.2Co.8-9. Depois desta introdutória análise de Dt.14:28,29, observaremos 2Co.8-9, focando o que Paulo chama: τῆς διακονίας τῆς εἰς τοὺς ἁγίους (“...da assistência/serviço aos/para com os santos”, 2Co.8:4; 9:1) - ἡ διακονία τῆς λειτουργίας ταύτης (“a administração deste serviço”, 2Co 9:12,13). Esta διακονία (lê-se: diakonía) era vista pelos judeus como apontamento para a distribuição de esmolas aos pobres (MATTHEWS; CHAVALAS; WALTON. The IVP Bible Background Commentary: Old Testament, 2000, S. Dt 14:29). A questão em foco envolvia a coleta para os cristãos necessitados da Judeia (Rm.15:25,26; 1Co.16:1-3). Neste viés de aproximação exegética, dois elementos são fundantes no processo de análise proposto neste ensaio: 1) o alvo da ação benéfica que são os pobres (mesmo que em Dt estes sejam identificados de formas diferentes) e 2) a aparente antítese entre a conotação prescritiva de Dt.14:28,29 com a clara voluntariedade de 2Co.8:2,3,8. A primeira é clara pelo substrato histórico visto em suas delimitações (Rm.15:25,26; 1Co.16:1-3), mas, a segunda funcionará com algumas reduções que envolvem o contexto imperatival dos capítulos de 2Co.

  Por essa via imperatival, observamos ἐπιτελέσατε (lê-se: epitelésate) o único imperativo de 2Co.8 ligado ao infinitivo τὸ ποιῆσαι (lê-se: tò poiêsai). A ideia paulina, por esta construção (8:11), atingia o coração da preocupação do apóstolo que a igreja da Macedônia terminasse o que havia começado. Adiar algo não resulta apenas numa diminuição da motivação para concluir a tarefa, mas o atraso põe em dúvida sua disposição inicial (GARLAND. 2 Corinthians, NAC,  2001, p.380). A intensificação disto se dá pelo uso do advérbio νυνί (lê-se: nyní), usado de forma enfática aqui. Assim, voluntariedade e imperativo estão ligados, talvez, numa dinâmica paradoxal ou de comprovação. Este elemento descreve a relação parentética com Dt.14:28, pois, “o serviço dos santos”, de certa forma, tem conotação prescritiva. Além disso, o significado “do serviço/da assistência” visto verticalmente, expõe ações de graças dirigidas a Deus (9:12). Isso complementado pela “obediência da vossa confissão quanto ao evangelho de Cristo” (ἐπὶ τῇ ὑποταγῇ τῆς ὁμολογίας ὑμῶν εἰς τὸ εὐαγγέλιον τοῦ Χριστοῦ, 9:13), a qual, tem como meio “a prova do serviço” que levou os beneficiados a “glorificarem a Deus”. Em suma, entendemos esta “confissão” (ὁμολογία, lê-se: homologuía) como uma reivindicação, expressão de compromisso, apontando para o afirmado: “o evangelho de Cristo” (HARRIS. The Second Epistle to the Corinthians: A Commentary on the Greek Text, 2005, p. 653).

A expressão τῇ ὑποταγῇ τῆς ὁμολογίας ὑμῶν pode ser traduzida, a partir de usos diferentes do genitivo: “obediência à sua confissão” (genitivo subjetivo), “obediência criada pela sua confissão” (genitivo objetivo), “obediência à sua confissão” (genitivo aposicional). Segundo Garland a primeira opção parece melhor, pois esta “confissão” deve ser mais do que clichês piedosos, na verdade, deve levar a ações, e não somente palavras. A confissão “Jesus Cristo é o Senhor” acende sua generosidade pelos santos de Jerusalém. Os destinatários cristãos judeus devem interpretar essa expressão de amor autêntico dos gentios como um sinal da graça milagrosa de Deus sobre todos. O único evangelho de Cristo traz reconciliação àqueles que antes eram estrangeiros e antagonistas amargos (GARLAND. 2 Corinthians, NAC, 2001, p.414).

Depois deste sintético caminho investigativo, temos alguns pontos conclusivos em foco. Em primeiro lugar, a relação de continuísmo entre Dt.14:28,29 e 2Co.8-9, quanto a aplicabilidade histórica do elemento prescritivo supracultural, embora sem uma redução de valoração. Em segundo lugar, a descrição do “dízimo trienal” com considerandos exegéticos introdutórios, descrevendo a real e necessária postura para com os necessitados. Em terceiro lugar, numa leitura retrospectiva (do NT para o AT) percebemos o uso de Dt.14:28,29 como possibilidade intertextual. Portanto, não existe uma antítese ou substituição entre a oferta de 2Co,8-9 e Dt.14:28,29.          


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