terça-feira, 29 de setembro de 2020

 

“A ressurreição dos santos” ocorrida na morte/ressurreição de JESUS como SINAL que descreve a grandeza destes eventos. 

 

            A Deo docetur, Deum docet, ad Deum ducit.[1]

 

“e eis que o véu do templo se rasgou em dois, de alto a baixo; e tremeu a terra, e fenderam-se as pedras. e abriram-se os sepulcros, e muitos corpos de santos que dormiam foram ressuscitados; e, saindo dos sepulcros, depois da ressurreição dele, entraram na cidade santa e apareceram a muitos”. (mt.27:51-53).

 

Craig explica que “evidências arqueológicas indicam que no judaísmo popular (não oficial), os túmulos dos santos eram venerados” (KEENER, Craig S. InterVarsity Press: The IVP Bible Background Commentary: New Testament, 1993, S. Mt 27:52).

 

“... ao voltamos aos milagres relacionados com o nascimento de Jesus, o Filho de Deus vindo ao mundo [...] há pouco a incomodar aqui na história da morte do Filho de Deus” (ROBERTSON. Word Pictures in the New Testament. Oak Harbor: Logos Research Systems, 1997, S. Mt 27).

 

Este texto tem contornos exegéticos complexos para a determinação de suas devidas conclusões. São muitas as perguntas feitas sobre ele, desenvolvidas “numa dimensão teológica da interpretação” e “numa dimensão interpretativa da teologia” (VANHOOZER. Há Um Significado nesse texto?, 2010, p.38), de maneira que as problemáticas em questão unem estes dois polos. Além disso, a relação unidade/diversidade do NT principalmente, no que diz respeito a escatologia, parece funcionar numa antítese teológica (Mt;27:52,53; 1Co.15:50-57; 1Ts.4:13-18). Assim, conscientes da grandeza do desafio em questão, buscaremos entender o fenômeno ocorrido com suas implicações e proeminência (27:51-54), fundamentados no método gramático-histórico de interpretação.[2] A defesa neste ensaio pensa este fenômeno de 27:52,53, como sinal miraculoso que serviu de substrato, para a grandeza do evento que o acompanha: a morte/ressurreição do Senhor Jesus com seus benefícios soteriológicos inefáveis.

O caminho investigativo que será percorrido neste ensaio, funcionará metodologicamente em suas fundamentações, buscando entender elementos que permeiam o texto em voga, os quais envolvem:  [1] as identificações das questões sintáticas do texto grego e suas conclusões; [2] a análise da relação contextual existente entre 27:45-50 e 27:51-54 (delimitação do discurso); [3] o background da passagem entendido pelo viés contextual dos leitores originais (leitor implícito) e [4] as problemáticas e sintéticas resoluções presentes na passagem, explicadas pelas definições dos conceitos.

[1] As identificações das questões sintáticas do texto grego e suas conclusões. Nosso primeiro passo na análise deste texto passa pela observação de alguns pontos do texto grego de 27:51-53:

51 Καὶ ἰδοὺ τὸ καταπέτασμα τοῦ ναοῦ ἐσχίσθη ἀπ᾽ ἄνωθεν ἕως κάτω εἰς δύο καὶ ἡ γῆ ἐσείσθη καὶ αἱ πέτραι ἐσχίσθησαν, [E eis que o véu do templo foi rasgado em dois, de alto a baixo; e foi feito que tremesse a terra, e fendessem as pedras].  

52 καὶ τὰ μνημεῖα ἀνεῴχθησαν καὶ πολλὰ σώματα τῶν κεκοιμημένων ἁγίων ἠγέρθησαν, [E foram abertos os sepulcros e muitos corpos de santos que dormiam (eufemismo, uso do particípio substantivado no perfeito) foram ressuscitados” (ACF, ARC).   

53 καὶ ἐξελθόντες ἐκ τῶν μνημείων μετὰ τὴν ἔγερσιν αὐτοῦ εἰσῆλθον εἰς τὴν ἁγίαν πόλιν καὶ ἐνεφανίσθησαν πολλοῖς.53 [“e, enquanto saiam (uso adverbial/temporal do particípio) dos sepulcros, depois da ressurreição [uso temporal da locução preposicional] dele (“de Jesus”, ARA) entraram na cidade santa, e foram manifestos a muitos”].

Alguns pontos desta tradução devem destacados: 1) os USOS dos aoristos passivos (grifados) de 27:52,53, os quais funcionam como efeitos contextuais de 27:51 (ROBERTSON. Word Pictures in the New Testament, 1997, S. Mt 27:52). 2) o agente da passiva destes verbos (o responsável pela ação) que parece ser Deus. Como explica Newman: “se os tradutores fizeram de Deus o agente que fez tremer a terra, quebrando pedras, então os túmulos também foram abertos por Ele” (NEWMAN; STINE. A Handbook on the Gospel of Matthew, 1992, p. 865); 3) a última questão que talvez seja a mais complicada, é o uso da locução preposicional “μετὰ τὴν ἔγερσιν αὐτοῦ (“depois da ressurreição dele”, uso temporal), a qual parece sugerir um hiato entre a morte e a ressureição de Cristo. Assim, “os santos  foram ressuscitados”, quando Jesus morreu, mas “foram manifestos a muitos em Jerusalém depois da ressurreição do Senhor”. Carson entende que estes são dois momentos distintos, pois o v.52 está ligado a morte (v.51), entretanto, o v.53 está ligado a ressurreição (28:1-10), assim: “não há necessidade de ligar o terremoto e o abrir dos túmulos com a ressurreição dos ‘santos’: os dois focos devem ser diferenciados” (CARSON. Mateus, 2010, p.672). Em consonância com isto, Hagner afirma: “Mateus quer conectar os túmulos abertos com a ressurreição dos santos mortos, mas também conta com o fato teológico de que Jesus deve ser o primeiro a ressuscitar(HAGNER. Word Biblical Commentary: Matthew 14-28, 2002, s.852).

[2] A análise da relação do co-texto existente entre 27:45-50 e 27:51-54 (delimitação do discurso). Depois destes considerandos sintáticos do grego, pensemos a dinâmica contextual de 27:51-54.  Esta delimitação proposta é defendida por alguns autores como Carson que a intitula da seguinte forma: “impacto imediato da morte de Jesus” (CARSON. Mateus, 2010, p.670); e Hagner que a pensa como: “eventos impressionantes que seguiram a morte de Jesus” (HAGNER. Word Biblical Commentary: Matthew 14-28, 2002, p.846). Em suma, “esta passagem deixa claro o significado escatológico da crucificação, e que, sem fôlego, leva o leitor ao clímax no v.54” (DAVIES; ALLISON. A Critical and Exegetical Commentary on the Gospel According to Saint Matthew, 2004, p. 628). Com esta delimitação em foco observaremos a estrutura subjacente a [estrutura] de superfície desse texto.

[3] O background da passagem entendido pelo viés contextual dos leitores originais (leitor implícito). O background traz informações necessárias para a composição do significado desta passagem. Craig explica que “evidências arqueológicas indicam que no judaísmo popular (não oficial), os túmulos dos santos eram venerados”. Por esta razão, “a ressureição dos santos indicava também o poder Daquele que podia recriá-los” (Keener, Craig S.: Matthew, 1997 [The IVP New Testament Commentary Series 1], S. Mt 27:50). Chouinard neste viés também destaca que “no judaísmo do primeiro século a veneração dos túmulos dos santos falecidos era um elemento importante da piedade judaica. No entanto, com a morte e ressurreição de Jesus, os santos venerados recebem vida” (CHOUINARD. Matthew. College Press, 1997 The College Press NIV Commentary, S. Mt 27:52). Além disso, devemos notar que “os terremotos não eram vistos pelos antigos como caprichos da natureza, mas como respostas à maldade humana. As vezes ligados ao advento de Deus ou a um ser sobrenatural com julgamento e mortes de muitas pessoas e com uma tragédia em geral” (DAVIES; ALLISON. A Critical and Exegetical Commentary on the Gospel According to Saint Matthew, 2004, p. 634). Ao lermos com esta perspectiva histórica, entendemos o evento sob a perspectiva dos leitores originais. Nesse caso, a objetivação, no que diz respeito ao engrandecimento da morte/ressurreição do Senhor.  

[4] As problemáticas e sintéticas resoluções presentes na passagem, explicadas pelas definições dos conceitos. A explicação dos conceitos do texto passa por algumas considerações importantes. Em primeiro lugar, a identificação daqueles que foram alvo de tal maravilha, os quais Mateus chama de “santos” (ἁγίων genitivo plural de ἅγιος). Hagner entende que “estes ‘ἁγίων’ devem ser os justos judeus do tempo precedente ao de Jesus, talvez os patriarcas, profetas ou mártires, embora os leitores de Mateus pensem na eventual ressurreição dos cristãos” (HAGNER, Donald A.: Word Biblical Commentary: Matthew 14-28, 2002, s. 849). Assim, a síntese entre o passado judaico e o presente cristão está em voga (DAVIES; ALLISON. A Critical and Exegetical Commentary on the Gospel According to Saint Matthew, 2004, S. 634). Em segundo lugar, observemos que de forma paralela este adjetivo é usado também para Jerusalém (τὴν ἁγίαν πόλιν, “a santa cidade”, 27:53). Assim, “o santos” foram manifestos na “cidade santa”. Davis e Alisson pensam que a expressão “τὴν ἁγίαν πόλιν”: “deve ser lida como ironia” (DAVIES; ALLISON. A Critical and Exegetical Commentary on the Gospel According to Saint Matthew, 2004, S. 635). Entretanto, Spence pensa numa conotação paradoxal em voga, pois, “Jerusalém (cf.Mt.4:5) ainda é a cidade santa. Ela retem o templo com seus serviços, o ministério e as Escrituras” (Spence-Jones, H. D. M. The Pulpit Commentary: St. Matthew Vol. II, 2004, p. 595). Ainda existem aqueles que preferem metaforizar “Jerusalém” neste texto, como se fosse a “celestial” (Ap.21:1,2). Entretanto, como observamos na tradução, “depois da ressurreição de Cristo os santos na cidade santa apareceram a muitos” (27:53). Por isso, o texto não dá a menor indicação de que esta conotação esteja em voga aqui (HAGNER, Donald A.: Word Biblical Commentary: Matthew 14-28, 2002, p. 849).   Em terceiro lugar, quanto ao ocorrido com “os santos” algumas interpretações são levantadas por Carson: [1]é um relato de ressurreição deslocado, originalmente ligado ao terremoto de 28.2”; [2]um hino cristão primitivo” ou [3]esses versículos são um midrash, uma representação simbólica de determinadas ideias teológicas sobre o triunfo de Jesus e o alvorecer da nova era” (CARSON. Mateus, 2010, pp.671,672). Além disso, “muitos veem aqui uma demonstração visível de que a morte e ressurreição de Cristo efetuaram a libertação de Sheol-Hades dos justos mortos (Ef.4:8,9). Entretanto, o que aconteceu com esses santos ressuscitados subsequentemente não é declarado” (PFEIFFER; HARRISON. The Wycliffe Bible Commentary: New Testament. Chicago: Moody Press, 1962, S. Mt 27:51). A última questão envolve o hiato (tratado na tradução), pois a primazia  da ressurreição de Cristo em relação as outras deve ser preservada.  

Dentre estas alternativas observaremos a dificuldade com a primeira (a mais contundente), por menos três motivos levantados: (1) A perícope interromperia a narrativa de Mateus 28. (2) O relato é mantido junto por dois focos — a morte e a ressurreição de Jesus. Portanto, seria ainda mais estranho Mateus pôr esse relato junto com as perícopes da ressurreição que com as perícopes da paixão. Ligar a cruz com o sepulcro vazio em uma aplicação teológica unificada não é isento de dificuldades, independentemente de se a perícope em questão está localizada com a história da cruz ou com o relato da ressurreição. (3). De forma mais positiva a localização dessa perícope com outros versículos, lidando com o impacto imediato da morte de Jesus pode ser peculiarmente mais apropriado, uma vez que eles também apontam para o futuro. A obra de Jesus na cruz está presa a sua iminente ressurreição; juntas elas inauguram a nova era e prometem vida escatológica. Em suma, a ressurreição dos “santos” começa uma nova sentença e está ligada apenas à ressurreição de Jesus. Portanto, Mateus não pretende que seus leitores pensem que esses “santos” foram ressuscitados, quando Jesus morreu e, depois, esperaram no túmulo até o domingo de Páscoa para aparecer. De todo jeito, a ideia é um pouquinho absurda: não há mais motivo para achar que eles foram impedidos pela substância material do que o foi o Senhor ressurreto, a pedra que tampava a entrada de seu sepulcro foi removida para deixar que as testemunhas entrassem no sepulcro, e não para deixá-lo sair (CARSON. Mateus, 2010, pp.672,673).

Finalmente nos deteremos para a defesa deste ensaio. Portanto, é possível pensar no ocorrido em 27:52,53 como sinal”, ou seja, algo miraculoso que apontava para a grandeza da morte/ressurreição do Senhor com seus benefícios inefáveis. Isso observamos imediatamente depois destes eventos nas palavras de reconhecimento do centurião e dos que juntamente com ele guardavam a Jesus: “verdadeiramente este era o filho de Deus” (27:54). Assim, “ao lado das testemunhas transfiguradas de Jesus, Mateus posiciona as pessoas que confessaram o seu nome” (RIENECKER. Comentário Esperança, Evangelho De Mateus, 1998; 2008, p. 444). Robertson também define isso: “ao voltamos aos milagres relacionados com o nascimento de Jesus, o Filho de Deus vindo ao mundo [...] há pouco a incomodar aqui nesta história da morte do Filho de Deus” (ROBERTSON. Word Pictures in the New Testament, 1997, S. Mt 27). O foco cristológico desta passagem define que Jesus é Senhor sobre os vivos e mortos (MORRIS. The Gospel According to Matthew, 1992, p. 725). A declaração observada de 27:54 dos centurião e dos guardas (independente do que viram realmente) chancela também isto. Eles identificaram Aquele que morrera na cruz como “Filho de Deus” (ἀληθῶς θεοῦ υἱὸς ἦν οὗτος. 27:54). Mesmo sem o artigo υἱὸς (“o Filho”) não destaca uma indefinição, pois como explica Hagner “esse é o clímax de Seu ministério terreno” (HAGNER, Donald A.: Word Biblical Commentary: Matthew 14-28, 2002, s. 852). Blomberg considera que “Jesus como único Filho de Deus destaca Sua divindade, a qual aqueles que reconheceram, estavam a par de alguma forma” (BLOMBERG. Matthew, 2001, [The New American Commentary 22], p. 422). Nesse viés de interpretação nosso foco está mais fundamentado no apontamento deste evento miraculoso, ou sua devida proeminência. Assim, as questões internas que envolvem a ressurreição dos santos não são exploradas de forma exaustiva, pois como “sinal” pertence a categoria dos feitos extraordinários do Senhor Deus.   

Ao pensarmos em todas as perguntas que veem desse texto (talvez hermeneuticamente indevidas), pode ser que estejamos percorrendo um viés antagônico a questão hermenêutico/teológica em foco. Podemos ler 27:51-54 numa fundamentação cristológica, de maneira que o evento miraculoso ocorrido, possa ser de alguma forma, o substrato da morte/ressureição do Senhor Jesus. Em consonância a isso, ocorreram poderosos sinais miraculosos em todo o Seu ministério, definindo que de fato era o Cristo (Mt.12:28; Jo.2:11; At.2:22-28). Assim, Mt.27:52,53 destaca o último deles, ligando o evento miraculoso a sua devida direção.


[1] Três aspectos da Teologia: “é ensinada por Deus, ensina a Deus e conduz a Deus” (Tomás de Aquino).

[2] Anglada define esse método hermenêutico da seguinte forma: “trata-se de um sistema de interpretação bíblica fundamentado em pressupostos teológicos escriturísticos, que emprega princípios gerais e metodologias linguísticas e históricas consistentes com o caráter divino humano das Escrituras”. ANGLADA Paulo. Introdução a Hermenêutica Reformada, pp.71,72.


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