A interpretação dos
símbolos presentes no Apocalipse vista pelos apontamentos de Gregory Beale.
Diante do trato proposto precisamos
questionar: o Apocalipse deve ser interpretado literalmente ou figurada? Em
nosso contexto evangelical algumas abordagens ainda afirmam a literalidade
(existirá um milênio literal, como defende John MacArthur, ver
em: Revelation 12-22. Chicago, Ill.: Moody Press, 2000, p.228).
Comumente os futuristas (abordagem de Interpretação) trazem certas ideias
interpretativas vistas assim (mas, ainda encontram também simbolismos). Neste
ensaio, o antagonismo em relação a literalidade será holístico. Além a defesa
em foco passa por algumas ferramentas para a exegese dos símbolos: contexto,
background e relação entre o sujeito literal e simbólico.
Tal perspectiva
parte da exegese do próprio livro, pois em Ap.1:1, porquanto,
o verbo ἐσήμανεν (raiz: σημαίνω) destaca que o Senhor
“comunicou, por meio de símbolos ao Seu servo João”. A base disto passa
pela associação com Dn.2.45 (LXX), a qual mostra a natureza simbólica do
sonho do rei da Babilônia (uma estátua que simboliza quatro impérios
mundiais). O apelo a essa passagem de Daniel no título e na declaração de conteúdo
de todo livro mostra que essa visão simbólica será parte da estrutura
subjacente dos meios de comunicação por todo o livro de Apocalipse.
Assim, em vez de produzir a expectativa de que a maior parte do livro é
“literal” por natureza, esse versículo indica que a maior parte do material
deve ser entendida de maneira simbólica (BEALE; CARSON. Comentário do Uso do
AT no NT, p.1327). Corroborando com esta
tese, a partir de outra dinâmica de análise, Köstenberger e Patterson
mostram alguns problemas da interpretação literal do Apocalipse, pois “o que
pode haver de errado em interpretar literalmente a literatura apocalíptica
como, por exemplo, o livro de Apocalipse?” O problema principal de uma
abordagem desse tipo é não levar em conta que é o próprio gênero literário do
texto que estabelece as regras para sua interpretação. O sentido do texto está
intrinsecamente associado ao gênero. Conclui-se, portanto, que o gênero fornece
um contexto estabelecido pelo autor para comunicar o sentido do texto. Já
demonstramos que o gênero do Apocalipse é profético-apocalíptico. O gênero
apocalíptico, por definição, é altamente simbólico e não se concebe ser
interpretado de forma literal. Por isso, uma interpretação literal
rígida, ou literalismo, pode na verdade obscurecer o sentido pretendido pelo
autor ao invés de elucidá-lo [...] em outras palavras, se o Apocalipse é um
livro profético-apocalíptico por natureza, atribuir sentido literal a seus
números, substantivos próprios e outras imagens pode na verdade impedir a
compreensão correta do sentido que João pretendia. Uma abordagem hermenêutica
mais proveitosa é inverter a ordem interpretativa, dando primazia ao aspecto
simbólico e relegando o aspecto literal ao segundo plano. Desse modo, em vez de
propor a máxima: Quando o sentido literal faz sentido, não procure outro,
sugerimos uma máxima mais adequada à interpretação dos textos apocalípticos:
Parta do pressuposto de que uma declaração ou imagem é figurada, não literal.[1]
Outro ponto que deve ser levado em conta é o
papel do leitor. Osborne traz seu pensamento quanto a crítica dos “estudos
indutivos da Bíblia”, pois, “dificilmente será possível chegar ao sentido
original de um livro, principalmente no caso de Apocalipse” [...] precisamos
aliar a história social ao texto propriamente dito, ou seja, permitir que o
real contexto social dê subsídios para nossa compreensão” (OSBORNE, p.17). O
papel do leitor é discutido em foco aqui, a partir das complexidades
encontradas nas compreensões dos símbolos do Apocalipse. Ainda assim, alguns
elementos corroboram com a perspectiva exposta, porquanto o leitor traz consigo
um conjunto de “pré-conhecimentos”, isto é, crenças e ideias que compõem a
herança de seus antecedentes e da comunidade que lhe serve de paradigma. Por
esta razão, raramente lemos a Bíblia em busca da verdade: o que mais acontece é
querermos harmonizá-la com nosso sistema de crenças e ver seu significado sob a
perspectiva de nosso sistema teológico preconcebido. Mas, isto não é de todo
ruim. Entretanto, na condição de leitores, precisamos nos colocar diante do
texto (e permitir que ele se dirija a nós), em vez de ficar por trás dele
(forçando-o a ir aonde queremos). As ideias e o repertório do leitor são
importantes no estudo das verdades da Bíblia, o que deve, porém, ser usado para
estudar o significado e não para criar algum significado que não esteja no
texto (OSBORNE. Espiral, pp.35,36).
Conscientizados disto, se faz importante
destacar, sinteticamente, observaremos o que Kistemaker chama de “variedade de classes” presentes na linguagem
simbólica do Apocalipse. (KISTEMAKER, p.25). Desta forma, é possível pensar
nestas “variedades de classes” ligadas a [1] “natureza” (“de cada lado do rio
estava a árvore da vida, que frutifica doze vezes por ano, uma por mês. As
folhas da árvore servem para a cura das nações”, Ap.22:2), [2] “pessoas e nomes”,
porque o Apocalipse de João registra nomes que ilustram fidelidade (Antipas:
2.13), engano (Balaão: 2.14) e sedução (Jezabel: 2.20). Faz menção de Sodoma e
Egito como símbolos de imoralidade e escravidão, respectivamente (11.8). Para
ele, o Monte Sião é o símbolo da nova Jerusalém, que desce do céu, habitação de
Deus, com seu povo (Ap 14.1; 21.2, 3). [3] “Números” (duas testemunhas são
representantes da Igreja de Deus na terra. O número três descreve o Deus
Triúno,1.4, 5), [5] Cores, neste caso, os tons de cores que João menciona no
Apocalipse são branco, vermelho (6.4; 12.3), escarlate (17.3, 4; 18.12, 16),
preto (6.5, 12), lívido e verde (6.8; 8.7), azul (9.17), amarelo (9.17) e
púrpura (17.4; 18.12,16). Outra cor é o ouro; aparece neste livro numerosas
vezes, ou como adjetivo, ou substantivo. Finalmente, [6] as criaturas aparecem.
Do mundo animal, João selecionou numerosos representantes para ilustrar
determinados conceitos. Os animais quadrúpedes são um cavalo para ser montado
(6.2-9), um cordeiro destinado a ser morto (5.6), um leão com boca devoradora (13.2),
um urso apoiado em seus poderosos pés (13.2), um boi em toda sua força (4.7) e
um leopardo em toda sua rapidez (13.2). Os répteis são uma serpente representando
Satanás (12.9, 15; 20.2), um escorpião exibindo seu ferrão (9.3, 5, 10) e rãs descrevendo
maus espíritos (16.13). As aves são os abutres que se empanturram sobre seus
cadáveres (19.17, 18) e a águia com suas asas estendidas (8.13, (KISTEMAKER,
pp.25-29).
Depois destas considerações iniciais,
foquemos na interpretação dos símbolos, inicialmente, categorizados em várias
classes e vistos como improváveis para uma hermenêutica indutiva. Esta
investigação exige, aquilo que Osborne chama de “hermenêutica da humildade”
para admitir que “vemos como por um espelho, de modo obscuro” (1Co.13.12; OSBORNE,
p.18). Além disso, ao explicarmos o conteúdo do Apocalipse, devemos ter em
mente a mensagem central de uma passagem e considerar os detalhes como pictóricos
e descritivos. A mensagem é primária; os detalhes, secundários. A não ser que a
mensagem demande uma interpretação das partes individuais, devemos evitar
descobrir um significado mais profundo em cada componente. Nem toda informação
no Apocalipse é simbólica. Se o escritor declara que a erva é verde (8.7), e
que uma couraça é vermelha, azul e amarela (9.17), ele meramente descreve os
objetos. Quando palavras como verde, azul e amarelo ocorrem apenas uma vez em
dado contexto, não temos motivo para suspeitar que expressem uma linguagem
simbólica. Outras passagens se relacionam à história, tais como o exílio do
autor na ilha de Patmos (1.9); o Dia do Senhor (1.10); as cartas às sete
igrejas (capítulos 2 e 3); e os versículos conclusivos do capítulo 22. Ocorre
uma alusão à história no nascimento do menino que é arrebatado para o céu
(12.5). João apresenta o resto do Apocalipse em visões introduzidas pela frase
repetitiva: “Eu vi” (KISTEMAKER, p.30). Tudo isto sintetizado em três fontes
para interpretá-las que vêm do AT, da literatura intertestamentária e do mundo
greco-romano — ou seja, vêm do mundo que era comum aos primeiros leitores de Apocalipse
na província da Ásia.
As
contribuições de Gregory Beale serão vitais para o trato da questão em foco. Em primeiro lugar, precisamos estar conscientes
de que pode haver mais de um ponto de comparação para cada metáfora e este é
especialmente o caso em Apocalipse. Às vezes, João explica suas metáforas
implícitas dando identificações explícitas de uma imagem seguindo
representações visionárias delas. Onde ele não o faz, o contexto imediato e amplo
do livro é o fator mais importante para determinar quais significados são
pretendidos. Quando ele dá uma identificação tão explícita e depois
repete a imagem mais tarde no livro sem tal identificação, deve-se supor que a
identificação inicial provavelmente é verdadeira para o uso posterior da imagem
ou pelo menos está incluída. Por exemplo, uma vez que os candelabros no cap. 1
são explicitamente identificados como as igrejas dos caps. 2–3, é provável que
a mesma identificação seja válida para os dois candelabros em 11:4. Quando uma
identificação provável foi estabelecida para uma imagem anterior que não recebe
explicação formal no livro, então essa identificação é igualmente aplicável a
aparições repetidas da imagem posteriormente no livro; “ocorrências anteriores
de um termo, uma imagem ou um motivo tornam-se um dado na linha narrativa a ser
desenhada no desenvolvimento de uma cena posterior.” (BEALE. NIGTC, p.55). Esta
ferramenta hermenêutica corrobora com a leitura pela macro em suas devidas
considerações. Neste viés é interessante observar a mulher no Apocalipse (γυνή), pois aparece em Ap.12, 17,
19 e 21. Neste capítulos encontramos uma antítese, pois em 12 e 21 (“esposa do
Cordeiro”) aponta para o povo de Deus e no 17 “Babilônia” num claro
antagonismo.
Em segundo lugar, as associações conhecidas de
uma imagem também ajudam a fornecer possíveis pontos alternativos de comparação
quando o contexto do livro não fornece uma identificação clara. Isso significa
que deve ser feito um levantamento completo das associações comuns no mundo
bíblico e antigo por meio de documentos de fonte primária, especialmente o AT
hebraico, a LXX, literatura judaica e literatura pagã, bem como evidências de
numismática, inscrições, e fontes prosopográficas (sobre a última ver mais
adiante). O AT e o judaísmo são o pano de fundo principal para entender as
imagens e ideias do Apocalipse. Este comentário se concentrará em traçar a
tradição exegética no AT e no judaísmo das passagens simbólicas do AT que João
alude; assim, esperamos ver as associações comuns dos símbolos do AT em seus
contínuos desenvolvimentos interpretativos. No entanto, o mundo greco-romano
também é uma fonte importante de pano de fundo necessário para entender o livro
(BEALE. NIGTC, p.56). A marca da besta (Ap.13:16,17) ilustra bem isto, pois No
AT, Deus diz a Israel que a Tora “servirá de sinal em tua mão e de memorial
entre teus olhos”, com o lembrança constante de seu compromisso e de sua
lealdade a Deus (Êx.13.9; assim Êx 13.16; Dt 6.8; 11.18), materializada nos
filactérios (bolsas de couro), que continham porções das Escrituras e eram usados
na testa e no braço. O equivalente no NT é o selo invisível ou o nome de Deus
(v. comentário de 7.2,3). A “testa ” representa seu compromisso ideológico, e a
“mão”, as consequências práticas desse compromisso (BEALE;
CARSON. Comentário do Uso do AT no NT, p.1375).
Em terceiro lugar, além do contexto e
das associações comuns conhecidas, a maneira mais óbvia de discernir o(s)
ponto(s) de comparação pretendido(s) é o próprio sujeito literal. O sujeito literal de “George”
o humano comparado com “lobo” (“George é um lobo”) imediatamente exclui algumas
associações lupinas, como peles, orelhas pontudas e dentes grandes, embora
mesmo estes possam ser associados a George, se o contexto o justificasse.
Existem vários graus de correspondência entre a imagem e o assunto literal. Em
altos graus de correspondência, algo essencial à semelhança da imagem é
aplicado ao sujeito literal. Em baixos graus de correspondência, a semelhança é
restrita a algum aspecto estreito do sujeito figurativo (BEALE. NIGTC, p.57).
Em quarto lugar, pelo menos três formas
de comparação ocorrem no Apocalipse: metáfora formal em que o sujeito
literal está ligado ao sujeito figurativo por uma forma de “ser” (“O Senhor é
meu pastor que me ama”), símile é quando os dois assuntos estão ligados
por “como” (“O Senhor é como um pastor que me ama”) e a hipocatástase que
ocorre, quando o sujeito literal não é
declarado, mas assumido ([O Senhor que é como] “O pastor me ama”).
Uma comparação figurativa é
detectada quando o leitor consegue discernir que um autor pretende transgredir
os limites das palavras. Sinais indicadores da intenção de um autor de infringir
os limites das palavras incluem (1) ligação formal de duas palavras de
significados totalmente diferentes para que uma seja comparada à outra (1:20:
“os sete candelabros são as sete igrejas”), (2) uso de um termo descritivo
chave para alertar o leitor para a presença de uma relação comparativa (1:20:
“o mistério das sete estrelas”; ver também em 11:8: “a grande cidade, que
espiritualmente se chama Sodoma e Egito ”), (3) a impossibilidade de qualquer
interpretação literal inteligível (10:10: “Eu comi o livro”), (4) uma afirmação
que seria escandalosamente falsa ou contraditória se tomada literalmente
(11:3-4: “meu duas testemunhas … são as duas oliveiras e os dois candelabros”),
(5) contexto que torna improvável uma interpretação literal e (6) uso figurativo
claro e repetido da mesma palavra em outras partes do Apocalipse. estes é um
dos mais úteis (BEALE. NIGTC, p.57).
A síntese exposta aqui traz alguns pontos sobre os elementos simbólicos e suas interpretações no Apocalipse. Reafirmamos a complexidade de tal trato. Ainda assim, focamos em certas ferramentas descritas, as quais são uteis para o enfretamento deste desafio hermenêutico. Portanto, ao lermos o Apocalipse precisamos atentos ao todo, pois elucida as partes. Além disso, o background tem papel importante, partindo da ideia de que a metáfora fazia sentido para o leitor original. Finalmente, a relação entre o sujeito literal e figurativo passa pela relação e intensificação. Com isto temos uma introdutória ideia do trato em questão.
[1] KÖSTENBERGER Andreas; PATTERSON D. Richard. Convite a Interpretação
Bíblica: A Tríade Hermenêutica. São Paulo: Vida Nova, 2015, pp. 510,511 (grifos meus).
Esta percepção está em antítese ao que mostra MacArthur sobre Apocalipse 20:
“imagine um mundo dominado pela justiça e bondade, um mundo onde não há
injustiça, em que nenhum tribunal já torna um veredicto injusto, e onde todos
são tratados de forma justa. Imagine um mundo onde o que é verdadeiro, correto
e marcas nobres todos os aspectos da vida, incluindo as relações interpessoais,
comércio, educação e governo. Imagine um mundo onde é completa, total, aplicada
a paz permanente, onde a alegria é abundante e de boa saúde prevalece, tanto
assim que as pessoas vivem por centenas de anos. Imagine um mundo onde a
maldição for removida, onde o ambiente é restaurado para a pureza original do
Jardim do Éden, onde a paz reina mesmo no reino animal, de modo que “o lobo
habitará com o cordeiro, e o leopardo se deitará com o cabritinho, e o bezerro,
e o leão novo e o animal cevado andarão juntos, e um menino pequeno os guiará”
(Isaías.11:6. ). Imagine um mundo governado por uma perfeita e gloriosa Régua,
que instantaneamente e firmemente lida com o pecado. Humanamente falando, essa
descrição pode parecer absurda, uma fantasia utópica de que nunca poderia ser
realidade. No entanto, ele descreve com precisão as condições durante o futuro
reino terreno do Senhor Jesus Cristo. A terra restaurada e radicalmente
reconstruída no reino milenar e constituirá o paraíso recuperado. O reinado de
“mil anos” do Salvador sobre a terra é o ponto culminante divinamente planejado
e prometido de toda a história redentora e da realização da esperança de todos
os santos de todas as idades. MACARTHUR,
J. Revelation 12-22. Chicago, Ill.: Moody Press, 2000, p.228.