Uma crítica exegética ao “arrebatamento
secreto” defendido por John MacArthur, a partir de 1Ts.4:13-18.
As linhas
escatológicas distintas trazem delineações fundantes que propiciam leituras
particularizadas de 1Ts.4:16-18. Neste ensaio, observaremos a interpretação de
John MacArthur (pressuposto dispensacionalista) deste texto, numa dialética
inversa, de maneira que o movimento será da negação para a afirmação. Para tal,
alguns estudiosos serão de vital importância pelas suas contribuições
exegéticas (MacArthur, Beale, Hoekema, Wanamaker, Carson e outros). A defesa em voga neste texto nega
esta invisibilidade e associa este “arrebatamento” com 5:1, destacando a
definitiva e única 2ª vinda do Senhor.
John MacArthur trabalha 1Ts.4:14-16 numa dinâmica
exegética que envolve alguns elementos.
Inicialmente,
entende, a luz de 4:14,15a que “a bendita
esperança do arrebatamento não se baseia nas areias movediças da especulação
filosófica, mas em três pilares inabaláveis: a morte de Cristo, a ressurreição
de Cristo e a revelação de Cristo” (MacArthur, John: 1 &
2 Thessalonians, 2002, p.127). Além disso, procura identificar (por 4:15b) quem são os participantes do arrebatamento, pois “dois
grupos de pessoas participarão dele: aqueles que estiverem vivos na vinda do
Senhor e aqueles que adormeceram” (MacArthur, John: 1 & 2
Thessalonians, 2002, p.131). Finalmente, expõe “a descrição (por 4:16,17), o
passo a passo deste evento” (MacArthur, John: 1 & 2 Thessalonians,
2002, p.133). Reduziremos a análise aqui para 4:16,17.
Neste
passo a passo, MacArthur trabalha com seis pontos fundantes. Em primeiro lugar, ele
liga 1Ts.4:14-16 a Mc.13:26,27 (2ª vinda), afirmando que “o próprio Senhor retornará para a Sua
igreja. Ele não enviará anjos para isso, em contraste com a reunião dos eleitos
que ocorrerá na Segunda Vinda” (p.133).
Em segundo lugar, “Jesus
descerá do céu, onde esteve desde a sua ascensão” (At.1:9-11). Em terceiro lugar, “quando o
Senhor descer do céu, Ele o fará com κέλευσμα (lê-se: kéleysma, “grito, sinal”), assim:
“os justos
mortos da era da igreja serão os primeiros a ressuscitar - uma verdade que deve
ter confortado grandemente os ansiosos tessalonicenses” (p.134).
Em quarto lugar, a voz do
arcanjo soará. Não há nenhum artigo definido no texto grego, e por isso,
literalmente diz “um arcanjo”. Assim, vemos como impossível dizer quem é este
arcanjo, cuja voz, será ouvida naquele arrebatamento. Quem quer que seja, acrescentará
sua voz ao grito de comando do Senhor. Em
quinto lugar, ao mandamento do Senhor e à voz do arcanjo será
adicionado “o som da trombeta de Deus” (cf. 1Co.15:52). Esta “trombeta” foi
usada de várias maneiras na Escritura (Lv.23:24, Nm.10:2; Jz. 6:34, 1Sm.13:3;
2Sm.15:10; 20:1; 1Rs.1:34,39,41) e especificamente em Êx.19:16-19 e Zc 1:16; 9:
14-16 parece ter um duplo propósito: “reunir o povo de Deus e sinalizar a Sua
libertação deles”. Em sexto lugar,
os mortos em Cristo ressuscitarão primeiro. Como mencionado acima, os santos
mortos não serão inferiores aos que estão vivos no arrebatamento. De fato, se
levantarão primeiro, seus corpos glorificados se unindo a seus espíritos
glorificados, para torná-los à imagem de Cristo” (1Jo.3:2). Aqueles que estavam
em Cristo em vida serão assim na morte; a morte não pode separar os crentes de
Deus (Rm.8:38). Finalmente, aqueles crentes que estiverem vivos serão arrebatados
junto com os santos mortos nas nuvens, para encontrar o Senhor nos ares, e
assim estaremos sempre com Ele (MacArthur, John: 1 & 2 Thessalonians,
2002, p.133,134).
Em
antítese as fundamentações de MacArthur, trabalharemos a tese que pensa 4:14-16
como apontamento para a 2ª vinda de Cristo. Inicialmente
detectamos que o texto proposto (1Ts.4:13-18) está na seção que desenvolve “as
exortações da carta”, divididas da seguinte forma: 1) manter as tradições 4:1,2; 2); 2) a pureza sexual 4:3-8; 3) o amor ao irmão 4:9-12; 4) o entendimento quanto aos fieis que morreram 4:13-18 e
finalmente 5) os tempos e épocas
5:1-11 (Bruce, F.F: Word Biblical
Commentary: 1 and 2 Thessalonians, p. 77). Ao recortarmos para
4:13-18, especificamente em 4:16-17, se destaca
que “o Senhor descerá dos céus (ὁ κύριος [...] καταβήσεται ἀπ᾽ οὐρανοῦ) e assim, “os
mortos em Cristo serão ressuscitados, e os crentes ainda vivos serão
transformados” (cf.1Co.15:51,52).
A fala de Hoekema nos serve de argumento
inicial: “o texto não ensina que, após o encontro dos ares, o Senhor
inverterá sua direção e voltará para os céus, levando com ele os membros da
igreja ressuscitados e transformados” (HOEKEMA.
A Bíblia e o Futuro, p.200). Esta premissa nos leva desde já a desconfiança quanto a separação da
vinda do Senhor em duas etapas, sendo que a primeira funciona como “invisível”.
No contexto dos Tessalonicenses a construção expõe a resolução da problemática
presente na igreja, numa síntese que envolve “a vinda do Senhor” (παρουσίαν τοῦ κυρίου lê-se: parusían tû kyríu). Ela é tratada por Paulo em 1Ts em quatro
situações contextuais (2:19; 3:13; 4:15; 5:23)[1]
e vista em antítese com “a ira vindoura” (1:10; 5:9). Essa duplicidade
determina a escatologia futura e presente no NT (Mt.25:31-46; Ap.21.1-27). Em
conexão com isso, o apóstolo usa a expressão “dia do Senhor” (ἡμέρα κυρίου lê-se: heméra kyríu) como apontamento do contexto
posterior (1Ts.5:2). Assim, como explica Beale “tanto 4:15-18 como 5:1-11
explicam que os mesmos eventos são discerníveis ao observar que ambas as
passagens realmente formam uma representação contínua da mesma narrativa em
Mateus 24” (BEALE. 1-2 Thessalonians
IVP, p.136). Portanto,
1Ts não destaca algo incompleto ou transitório.
Ao reduzirmos a seção somente para o quarto
ponto (1Ts.4:13-18), observaremos as elucidações quanto “aos que dormem” (dormir
é um eufemismo para a morte nos antigos escritos pagãos e no Antigo Testamento
- BEALE. 1-2 Thessalonians IVP, p.133), ligadas a Mt.244 com o seguinte desenho:
1 Ts |
Mt |
|
Cristo Retorna |
4:16 |
24:30 |
Do céu |
4:16 |
24:30 |
Acompanhado dos anjos |
4:16 |
24:31 |
Com as trombetas de Deus |
4:16 |
24:31 |
os crentes se reunem com Cristo |
4:17 |
24:31, 40–41 |
Nas nuvens |
4:17 |
24:30 |
Tempo desconhecido |
5:1–2 |
24:36 |
Vindo como um ladrão |
5:2, 4 |
24:43 |
Incrédulos ignorantes no julgamento iminente |
5:3 |
24:37–39 |
Julgamento vindo como a dor de uma mãe que espera
seu filho. |
5:3 |
24:8 |
Os crentes não são enganados |
5:4–5 |
24:43 |
Os crentes estão em vigilância |
5:6 |
24:37–39 |
O Cuidado com a embriaguez |
5:7 |
24:49 |
Os eventos desta “parusia” (παρουσία, lê-se: parusía, - “vinda”) destacam essa invisibilidade? As passagens Mt.24:31; 1Ts.4:16
vistas em coesão lexical nos ajudam e trazem a resposta, pois nelas “o toque da
trombeta (σάλπιγξ) indica o comando para que “os
escolhidos sejam reunidos”. Desta forma, o princípio da notoriedade é
destacado, pois o ato divino destacado não pode funcionar de outra forma. A
separação envolverá todos os homens (Mt.25:31-33), de maneira que nada ocorrerá
em secreto (Ap.1:7,8). Além disso, esta “trombeta de Deus” é uma imagem que
ocorre frequentemente no AT em contextos de teofania e julgamento escatológico
(cf. Êx.19:16,19; Is.27:13; Jl.2:1; Zc.9:14), bem como nas tradições
apocalípticas judaicas e cristãs (Sl.11: 1; Mt. 24:31; Ap. 8:2,6,13; 9:14). Ao
nos voltarmos para 1Ts.4:16 as três locuções preposicionais (ἐν κελεύσματι, ἐν φωνῇ ἀρχαγγέλου
καὶ ἐν σάλπιγγι – “no comando, na voz, na trombeta”) podem ser vistas como temporais e assim definirem o
momento da descida de Cristo, entretanto é melhor pensar nas
circunstâncias que a envolvem, já que as
três estão relacionadas a ressurreição dos mortos (“os que dormem”) em Cristo
(WANAMAKER. The Epistles
to the Thessalonians: A Commentary on the Greek Text,
p.173). Até aqui
não temos qualquer indicação de antítese escatológica com o restante do NT,
portanto, reduzir a “parusia” desse texto não parece ter bases exegéticas
maduras.
A segunda tese fundante
quanto “o arrebatamento” envolve questões lexicais e sintáticas, pois o verbo “ἁρπάζω” (lê-se:
harpázo) está em foco. Seu uso (ἁρπάζω) no NT está
delimitado a quatorze aparições (Mt.11:12; 12:29; 13:19; Jo.6:15; 10:12,28,29; At.8:39;
23:10; 2Co.12:2,4; 1Ts.4:17; Jd.1:23; Ap.12:5). Além desta análise lexical mais
abrangente, devemos atentar para sua inserção em 4:16 (num viés sintático):
A. ἔπειτα ἡμεῖς οἱ ζῶντες οἱ περιλειπόμενοι ἅμα σὺν αὐτοῖς
ἁρπαγησόμεθα |
Depois nós mesmos os vivos, os que ficarmos juntamente com eles seremos
arrebatados |
A.1. ἐν νεφέλαις
εἰς ἀπάντησιν τοῦ κυρίου εἰς ἀέρα· |
nas nuvens para o encontro do
Senhor nos ares |
A.2. καὶ οὕτως πάντοτε σὺν κυρίῳ ἐσόμεθα. (4:17) |
e assim, estaremos para sempre
com o Senhor. |
Inicialmente observamos o continuísmo contextual, enfatizando a ordem
dos eventos pois agora “os vivos (4:15) serão arrebatados”. Isso indica que “Deus
realizará essa obra” (agente da passiva – “Deus nos reunirá juntos” -
ELLINGWORTH; NIDA: A Handbook on Paul's
Letters to the Thessalonians, p.103) e que ocorrerá locativamente nas
“nuvens” e de forma espacial nos “ares”. Esse usos são metafóricos e destacam
pelo AT em muitos casos a TEOFANIA – manifestação visível de Deus[2],
significado esse, transportado para o NT[3].
Assim, “a nuvem” está associada não só a ascensão de Cristo, mas também com seu
retorno futuro (BEALE; CARSON. Comentário
do Uso do AT no NT, p.1087). Em suma tudo o que Paulo está dizendo aqui “é
que os crentes ressuscitados e transformados são elevados as nuvens para
encontrar o Senhor, enquanto ele desce do céu, implicando que após este alegre
encontro eles voltarão com ele para a terra” (HOEKEMA.
A Bíblia e o Futuro, p.201). Nessa dinâmica podemos ligar os dois verbos no
futuro presentes em 4:17, pois “seremos arrebatados” e “estaremos
para sempre com o Senhor”, (... καὶ οὕτως πάντοτε σὺν
κυρίῳ ἐσόμεθα), indicando assim, o aspecto consumativo
e imutável escatologicamente se falando. Portanto,
“estar junto dele” significa participar de seus
grandes feitos vindouros: da derrubada do império anticristão mundial, do
governo do Senhor sobre esta velha terra, do juízo universal perante o grande
trono branco e finalmente do governo do novo céu e da nova terra a partir da
nova Jerusalém (BOOR. Comentário Esperança, Primeira Carta Aos Tessalonicenses;
Comentário Esperança, 1Tessalonicenses, p.
77). A negação a participação de outros em outros tempos não
tem nenhuma base nesse texto.
A tese de MacArthur tem
alguns problemas, o primeiro deles parece ser a falta de inserção nos elementos
textuais de 4:16,17, pois visa mais o contexto canônico (algo importante
também). O segundo é a afirmação quanto ao aspecto transitório desta passagem,
algo difícil de ser provado. O terceiro em sua descrição quanto a
invisibilidade que parece não ser exposta no texto. Pensamos nos
eventos da “parusia” (παρουσία - vinda), não destacando
essa invisibilidade pela
unidade do NT. Além disso, “o
arrebatamento” envolve questões lexicais e sintáticas, as quais serviram de
substrato para a defesa em foco. Em nosso trato exegético entendemos que a “parusía” tem
ligações consumativas e imutáveis e não apresenta apontamentos continuístas de
conotação escatológica. “Todos os povos verão o Senhor voltar” para buscar os
seus escolhidos, pois instaurará “o novo céu e terra” para “estar para sempre
com os Seus”.
[1]
Outras vinte vezes no NT.
[2]
Êx.13:21,22; 14:19,20,24; 16:10; Lv.16:2; Nm.9.15-22; 1Rs.8:10-12; 2Cr.5:13,14.
[3] Mt.17:5; Mc.9:7; Lc.9:34,35;
1Co.10:1,2.