1Tm.2:4 (“Deus deseja que todos homens sejam
salvos”) visto como conteúdo da pregação do evangelho.
A ideia aqui, “é simplesmente dizer que nenhuma nação da terra e nenhuma
classe social são excluídos da salvação, visto que Deus quer
oferecer o evangelho a todos sem exceção” (Calvino. Pastorais, p.57).
Neste
ensaio trabalharemos a afirmativa de 1Tm.2:4 (“Deus deseja que todos os homens
sejam salvos”), exegeticamente, investigando assim, seu significado. Não
ignoramos a complexidade deste texto e sua pluralidade de interpretações de
conotações antitéticas. Alguns estudiosos corroborarão com suas impressões,
para cumprirmos o propósito destacado. A defesa deste ensaio entende 1Tm.2:4
como conteúdo da pregação do evangelho, a partir de desdobramentos distintos.
A abundância de usos do verbo σῴζω (lê-se: sózo – “eu salvo”) no NT é
definida por sua estatística (aparece 106 vezes). Entretanto, ao fazermos o
recorte para o corpus paulinus, suas aparições ocorrem vinte
e nove vezes, proporcionando um desenho argumentativo, fundamentado numa
coesão temática e lexical. Comprovamos isso, ao observamos o uso deste σῴζω (sózo) em: Romanos (5:9,10;
8:24; 9:27; 10:9,13; 11:26), 1
Coríntios (1:18; 3:15; 5:5; 9:22; 10:33; 15:2), 2Coríntios (2:15), Efésios
(2:5,8), 1Tessalonicenses(2:16), 2Tessalonicenses (2:10),1Timóteo, 2Timóteo e Tito (3:5). Estas
aparições trazem certas consonâncias de viés conclusivo: 1) a preeminência da voz passiva em quase todos os versos, 2) os devidos sujeitos em
foco que são Deus e Cristo, os doadores da salvação, 3) as construções que não
funcionam como probabilidades, mas certezas soteriológicas e 4) o conteúdo da
pregação evangelical.
A última alternativa citada, será a forma,
como olharemos para 1Tm.2:4. Essa proposta de interpretação (ou leitura)
funciona dentro de um parecer textual e contextual. Desta forma, quando Paulo
afirma: “... ὃς πάντας ἀνθρώπους θέλει σωθῆναι (hòs pántas antrópus thélei sothênai = “que (Deus) deseja [que] todos homens sejam
salvos”); de
que forma junto ao seu contexto isso pode ser definido? Inicialmente,
é possível detectar que 2:4, funciona como desdobramento de 2:1 quanto a sua
argumentação inicial, finalizada em 2:8. Neste caso, observamos que πᾶς (pâs – “todo”) aparece em quase todos os versos, delimitados de
2:1-8 (nos vs.5 e 7 não aparece):
todos (πᾶς, lê-se: pâs) os homens (2:1),
todos (πᾶς) os que
se acham investidos de autoridade (2:2),
todos (πᾶς)os
homens (2:4), o qual se deu em resgate por
todos (πᾶς) (2:6).
Assim, não é saudável hermeneuticamente se falando,
quebrar esta continuidade, de maneira que 2:4, seja pensado num isolacionismo
exegético. Por isso, fundamentar este πᾶς (pâs – “todo”) numa
conotação lexical, de maneira que tenha outro significado, senão aquele definido pelo
contexto, não parece ser a forma mais correta de lermos o texto. Para
entendermos esta questão com mais clareza, pensemos a estrutura da passagem com
a delimitação proposta, a qual começa e termina com oração (inclusão) da
seguinte forma:
A. Oração feita para todos
os indivíduos. 2:1
B. 2.2-7.
A transição da oração para a salvação testemunhada na pregação, concluída em
seu efeito na prática (da oração) realizada “em todo lugar”.
A. Oração feita por todos
os indivíduos (sem a discriminação judaizante). 2.8
Portanto, começamos a definir a percepção do autor em sua
delimitação temática, o que nos leva ao princípio teológico em voga. A
unanimidade neste caso não é uma realidade, pois na percepção de Mounce “a oração é o contexto, mas a salvação é o
conteúdo”.[1] Entretanto, noutra dinâmica Knight
trata a oração feita por todos os tipos de indivíduos como base do apelo de
Paulo (2:1). Ela é fundamentada em 2:3 onde a agradabilidade do Senhor
destacada e ligada a salvação como paralelo quanto a extensão que envolve “todo
tipo de pessoa”. Desta forma, como todas essas coisas são verdadeiras (2:1-7),
as pessoas em todos os lugares devem orar piedosamente, de acordo com o
evangelho (v.8).[2] Portanto, numa paráfrase a ideia pode ser
a seguinte: “A oração feita pela igreja
por todos os homens é agradável ao Senhor (2:1-3), de maneira que, a expansão
estabelecida pela pregação do evangelho (2:4-7), levará os homens a orarem em
todo lugar” (2:8).
Depois destas análises
contextuais observaremos algumas possibilidades de significado de 2:4. Em primeiro lugar, esse “desejo de Deus”
pode expressar a negação a exclusividade judaica quanto a salvação.[3] Em
segundo lugar, pode mostrar a primeira das três razões para a oração
da igreja.[4] Em
terceiro lugar, os apontamentos de Marshall abrangentes em algumas direções,
explicam “todos” de algumas
formas: 1) “todas as pessoas sem exceção” (universalismo) ou a
extensão do “desejo de Deus” como uma realidade mesmo que as pessoas não
respondam positivamente ao evangelho. 2) “todas as pessoas,
exceto os piores pecadores”. Esta modificação da visão baseia-se no tipo de
qualificação expressa no judaísmo rabínico. 3) “Todos os
eleitos, isto é, as pessoas que foram predestinadas por Deus para serem
salvos”. 4) “Todos os tipos de pessoas, não necessariamente
incluindo todos os indivíduos” [...] Essa interpretação (como a anterior) é
seguida por estudiosos que encontram uma doutrina da eleição particular
subjacente ao NT.[5] Depois
de apontar essas possibilidades de interpretação, qual pode ser considerada
mais coerente com o texto?
Os postulados que envolvem a salvação presente nos vs.4-6
culminam na expressão: ... τὸ μαρτύριον καιροῖς ἰδίοις (tò
martýrion kaipoîs idíos – “o testemunho a seu tempo”). Essa
virada argumentativa destaca o desdobramento missionário das premissas
anteriores. Além disso, esta constatação torna-se
mais clara com os destaques do v.7, pois a trilogia usada expõe a atividade em
voga, Paulo é: “pregador” (κῆρυξ - kêryks),
“apóstolo” (ἀπόστολος - apóstolos) e “mestre (διδάσκαλος -
didáskalos) dos gentios”, o que mostra a negação a redução
judaica. Portanto, a partir do v.6b a ação de pregação do evangelho
que tem como conteúdo os vs.4-6a, demonstra a uniformidade destacada pelo
autor. Como nos explica Calvino a ideia aqui, “é simplesmente dizer
que nenhuma nação da terra e nenhuma classe social são excluídos da
salvação, visto que Deus quer oferecer o evangelho a todos sem
exceção”.[6] A síntese afirmada por Marshall e Towner
também nos ajuda, pois entendem que o contexto mostra a inclusão dos
gentios ao lado dos judeus na salvação, o principal problema aqui, desta forma,
a melhor solução é adotar com o reconhecimento de que o ponto de ênfase
quanto ao desejo de Deus de salvar todas as pessoas é indicar que seu desejo inclui gentios bem como os judeus.
A ênfase é, portanto, a acessibilidade
universal à salvação de Deus com base em uma fé aberta a todos e um evangelho
pregado a todos.[7]
Depois
desta sintética investigação exegética, alguns pontos podem ser visto como conclusivos.
Em primeiro lugar, detectamos ser possível entender a salvação de 2:4 em
subserviência a ação missionária e oração. Em segundo lugar, a correlação em
foco vista contextualmente, mostra “a oração feita pela igreja por todos os
homens como algo agradável ao Senhor (2:1-3), de maneira que, a expansão
estabelecida pela pregação do evangelho (2:4-7), levará os homens a orarem em
todo lugar” (2:8).
[1] MOUNCE, William D.: Word Biblical Commentary: Pastoral Epistles.
Dallas: Word, Incorporated, 2002 (Word Biblical Commentary 46), p. 76.
[2] KNIGHT, George W.: The Pastoral Epistles: A Commentary on the
Greek Text. Grand Rapids, Mich.; Carlisle, England: W.B.
Eerdmans; Paternoster Press, 1992, p. 113.
[5] MARSHALL, I. Howard; TOWNER,
Philip H.: A Critical and Exegetical Commentary on the Pastoral
Epistles. London; New York: T& T Clark International, 2004, p.
427.
[7] MARSHALL, I.
Howard; TOWNER, Philip H.: A Critical and Exegetical Commentary
on the Pastoral Epistles, p. 427.