terça-feira, 19 de maio de 2020




1Tm.2:4 (“Deus deseja que todos homens sejam salvos”) visto como conteúdo da pregação do evangelho.

A ideia aqui, “é simplesmente dizer que nenhuma nação da terra e nenhuma classe social são excluídos da salvação, visto que Deus quer oferecer o evangelho a todos sem exceção” (Calvino. Pastorais, p.57).

           Neste ensaio trabalharemos a afirmativa de 1Tm.2:4 (“Deus deseja que todos os homens sejam salvos”), exegeticamente, investigando assim, seu significado. Não ignoramos a complexidade deste texto e sua pluralidade de interpretações de conotações antitéticas. Alguns estudiosos corroborarão com suas impressões, para cumprirmos o propósito destacado. A defesa deste ensaio entende 1Tm.2:4 como conteúdo da pregação do evangelho, a partir de desdobramentos distintos.   
           A abundância de usos do verbo σῴζω (lê-se: sózo“eu salvo”) no NT é definida por sua estatística (aparece 106 vezes). Entretanto, ao fazermos o recorte para o corpus paulinus, suas aparições ocorrem vinte e nove vezes, proporcionando um desenho argumentativo, fundamentado numa coesão temática e lexical. Comprovamos isso, ao observamos o uso deste σῴζω  (sózo) em: Romanos (5:9,10; 8:24; 9:27; 10:9,13; 11:26), 1 Coríntios (1:18; 3:15; 5:5; 9:22; 10:33; 15:2), 2Coríntios (2:15), Efésios (2:5,8), 1Tessalonicenses(2:16), 2Tessalonicenses (2:10),1Timóteo, 2Timóteo e Tito (3:5). Estas aparições trazem certas consonâncias de viés conclusivo1) a preeminência da voz passiva em quase todos os versos, 2) os devidos sujeitos em foco que são Deus e Cristo, os doadores da salvação, 3) as construções que não funcionam como probabilidades, mas certezas soteriológicas4) o conteúdo da pregação evangelical.
           A última alternativa citada, será a forma, como olharemos para 1Tm.2:4. Essa proposta de interpretação (ou leitura) funciona dentro de um parecer textual e contextual. Desta forma, quando Paulo afirma: “... ὃς πάντας ἀνθρώπους θέλει σωθῆναι (hòs pántas antrópus thélei sothênai = “que (Deus) deseja [que] todos homens sejam salvos”)de que forma junto ao seu contexto isso pode ser definido? Inicialmente, é possível detectar que 2:4, funciona como desdobramento de 2:1 quanto a sua argumentação inicial, finalizada em 2:8. Neste caso, observamos que  πᾶς (pâs “todo”aparece em quase todos os versos, delimitados de 2:1-8 (nos vs.5 e 7 não aparece): 

todos (πᾶς, lê-se: pâs) os homens (2:1), 
todos (πᾶς) os que se acham investidos de autoridade (2:2), 
todos (πᾶς)os homens (2:4), o qual se deu em resgate por 
todos (πᾶς) (2:6).  

Assim, não é saudável hermeneuticamente se falando, quebrar esta continuidade, de maneira que 2:4, seja pensado num isolacionismo exegético. Por isso, fundamentar este πᾶς (pâs “todo”numa conotação lexical, de maneira que tenha outro significado, senão aquele definido pelo contexto, não parece ser a forma mais correta de lermos o texto.  Para entendermos esta questão com mais clareza, pensemos a estrutura da passagem com a delimitação proposta, a qual começa e termina com oração (inclusão) da seguinte forma:
A. Oração feita para todos os indivíduos. 2:1
B. 2.2-7. A transição da oração para a salvação testemunhada na pregação, concluída em seu efeito na prática (da oração) realizada “em todo lugar”.
A. Oração feita por todos os indivíduos (sem a discriminação judaizante). 2.8
           Portanto, começamos a definir a percepção do autor em sua delimitação temática, o que nos leva ao princípio teológico em voga. A unanimidade neste caso não é uma realidade, pois na percepção de Mounce “a oração é o contexto, mas a salvação é o conteúdo”.[1] Entretanto, noutra dinâmica Knight trata a oração feita por todos os tipos de indivíduos como base do apelo de Paulo (2:1). Ela é fundamentada em 2:3 onde a agradabilidade do Senhor destacada e ligada a salvação como paralelo quanto a extensão que envolve “todo tipo de pessoa”. Desta forma, como todas essas coisas são verdadeiras (2:1-7), as pessoas em todos os lugares devem orar piedosamente, de acordo com o evangelho (v.8).[2] Portanto, numa paráfrase a ideia pode ser a seguinte: “A oração feita pela igreja por todos os homens é agradável ao Senhor (2:1-3), de maneira que, a expansão estabelecida pela pregação do evangelho (2:4-7), levará os homens a orarem em todo lugar” (2:8).
           Depois destas análises contextuais observaremos algumas possibilidades de significado de 2:4. Em primeiro lugar, esse “desejo de Deus” pode expressar a negação a exclusividade judaica quanto a salvação.[3] Em segundo lugar, pode mostrar a primeira das três razões para a oração da igreja.[4] Em terceiro lugar, os apontamentos de Marshall abrangentes em algumas direções, explicam “todos” de algumas formas: 1) “todas as pessoas sem exceção” (universalismo) ou a extensão do “desejo de Deus” como uma realidade mesmo que as pessoas não respondam positivamente ao evangelho. 2) “todas as pessoas, exceto os piores pecadores”. Esta modificação da visão baseia-se no tipo de qualificação expressa no judaísmo rabínico. 3) “Todos os eleitos, isto é, as pessoas que foram predestinadas por Deus para serem salvos”. 4) “Todos os tipos de pessoas, não necessariamente incluindo todos os indivíduos” [...] Essa interpretação (como a anterior) é seguida por estudiosos que encontram uma doutrina da eleição particular subjacente ao NT.[5] Depois de apontar essas possibilidades de interpretação, qual pode ser considerada mais coerente com o texto?
           Os postulados que envolvem a salvação presente nos vs.4-6 culminam na expressão: ... τὸ μαρτύριον καιροῖς ἰδίοις (tò martýrion kaipoîs idíos “o testemunho a seu tempo”). Essa virada argumentativa destaca o desdobramento missionário das premissas anteriores. Além disso, esta constatação torna-se mais clara com os destaques do v.7, pois a trilogia usada expõe a atividade em voga, Paulo é: “pregador” (κῆρυξ - kêryks), “apóstolo” (ἀπόστολος - apóstolos) e “mestre (διδάσκαλος - didáskalos) dos gentios”, o que mostra a negação a redução judaica. Portanto, a partir do v.6b a ação de pregação do evangelho que tem como conteúdo os vs.4-6a, demonstra a uniformidade destacada pelo autor. Como nos explica Calvino a ideia aqui, “é simplesmente dizer que nenhuma nação da terra e nenhuma classe social são excluídos da salvação, visto que Deus quer oferecer o evangelho a todos sem exceção.[6] A síntese afirmada por Marshall e Towner também nos ajuda, pois entendem que o contexto mostra a inclusão dos gentios ao lado dos judeus na salvação, o principal problema aqui, desta forma, a melhor solução é adotar com o reconhecimento de que o ponto de ênfase quanto ao desejo de Deus de salvar todas as pessoas é indicar que seu desejo inclui gentios bem como os judeus. A ênfase é, portanto, a acessibilidade universal à salvação de Deus com base em uma fé aberta a todos e um evangelho pregado a todos.[7]
            Depois desta sintética investigação exegética, alguns pontos podem ser visto como conclusivos. Em primeiro lugar, detectamos ser possível entender a salvação de 2:4 em subserviência a ação missionária e oração. Em segundo lugar, a correlação em foco vista contextualmente, mostra “a oração feita pela igreja por todos os homens como algo agradável ao Senhor (2:1-3), de maneira que, a expansão estabelecida pela pregação do evangelho (2:4-7), levará os homens a orarem em todo lugar” (2:8).




[1] MOUNCE, William D.: Word Biblical Commentary: Pastoral Epistles. Dallas: Word, Incorporated, 2002 (Word Biblical Commentary 46), p. 76.
[2] KNIGHT, George W.: The Pastoral Epistles: A Commentary on the Greek Text. Grand Rapids, Mich.; Carlisle, England: W.B. Eerdmans; Paternoster Press, 1992, p. 113.
[3] Ibid. 119.
[4] MOUNCE, William D.: Word Biblical Commentary: Pastoral Epistles. Dallas, p. 84.
[5] MARSHALL, I. Howard; TOWNER, Philip H.: A Critical and Exegetical Commentary on the Pastoral Epistles. London; New York: T& T Clark International, 2004, p. 427.
[6] CALVINO João. Pastorais. São Paulo: Editora Fiel, 2009, p.57.
[7] MARSHALL, I. Howard;  TOWNER, Philip H.: A Critical and Exegetical Commentary on the Pastoral Epistles, p. 427.

domingo, 10 de maio de 2020




O PEDOBATISMO PELAS DEFINIÇÕES DE JOÃO CALVINO: ALGUNS APONTAMENTOS.



                    A Deo docetur, Deum docet, ad Deum ducit[1]

O objetivo deste pedobatismo: “... para que sejam marcados pelo símbolo da misericórdia e com isso sua fé seja consolada e corroborada, ao ver com seus próprios olhos a aliança do Senhor selada no corpo de seus filhos” (CALVINO. As Institutas, 2006, p.316).

Cristo se santificou desde a primeira infância, para que a seus eleitos, de qualquer idade os santificasse a si mesmo [...] tenhamos por certo, que o Senhor não leva desta vida a nenhum de Seus eleitos sem que primeiro seja santificado e regenerado por Seu Espírito (CALVINO. As Institutas, 2006, pp.326,327).

Na percepção de alguns o pedobatismo é “o bezerro de ouro da reforma” que produz certo desconforto teológico em sua aceitação. Esse tom discordante não para por aí, pois comumente se faz uma pequena confusão entre a aceitação do batismo infantil e ser católico (as perspectivas são diferentes), já que o segundo absorve o primeiro. Além destas problemáticas, talvez a mais complexa seja, a falta de conhecimento desta doutrina daqueles que se intitulam “reformados”. O prejuízo disso ocorre, individualmente e coletivamente, porque batizar os filhos sem entender o ato, consisti em algo destoante ao propósito do sacramento (individual) e ineficaz ao compartilhamento que envolve o fundamento da Palavra (coletivo). Assim, observamos o pedobatismo como uma doutrina cercada de desafios, os quais devem ser enfrentados com estudo e oração (orare et labutare).
Neste sintético ensaio, observaremos alguns posicionamentos de João Calvino (1509-1564) registrados nas Institutas Vol.4 (pp.311-342) que produzem definições do pedobatismo com postulados esclarecedores. Entretanto, inicialmente é importante destacar a fala de McGrath, pois explica que “o interesse de Calvino era humanista, e não escolástico (preocupação pedagógica, e não metodológica) – ou seja, o de auxiliar seus leitores, e não impor um método a seu próprio pensamento” (McGRATH. A Vida de João Calvino, 2004, p.174). Esse viés pedagógico funciona como pressuposto para nossa interpretação e limita nossa pesquisa, respeitando a intenção do reformador em seu texto.
O reformador de Genebra inicia seu trato da questão, descrevendo o papel dos opositores, os quais traziam certas perturbações a igreja. O que produziu a necessidade de explicar “o mistério do batismo”, fundamentando-o na Escritura (relação inseparável), pois, “a menos que o sacramento se apoie no seguro fundamento da Palavra de Deus, ele fica pendente por um fio” (CALVINO. As Institutas, 2006, p.311). Assim, Calvino começa sua exposição, levantando elementos basilares que definem sua compreensão do pedobatismo. O primeiro deles relaciona sinal/promessa, pois o elemento ou expressão material delimitam sua eficácia e natureza. A primeira constitui o ato (ou expressão material) e a segunda “a purificação dos pecados, a qual obtemos pelo sangue de Cristo”. Com este entendimento chegamos “a sólida verdade do batismo, por assim dizer, toda a sua substância” (CALVINO. As Institutas, 2006, p.312).  
O caminho natural agora é fundamentar, textualmente a dualidade batismo/circuncisão. Nesta dinâmica, o Exegeta da Reforma usa Gn17:1-7, o qual descreve “a promessa da vida eterna dada a Abraão e a sua semente” (como interpreta Cristo Mt.22:32; Mc.12:27; Lc.20:38, “formulando a imortalidade e ressurreição dos fieis”).[2] Isso explica a estranheza em que vive o homem fora do pacto, destituído dos benefícios espirituais doados por Deus (Ef.2:11,12). Assim, “temos na circuncisão uma promessa espiritual outorgada aos patriarcas, como se dá em nosso batismo, uma vez que ela significa a remissão dos pecados e a mortificação da carne” (CALVINO. As Institutas, 2006, p.313). Entretanto, estes dois aspectos tem algo semelhante e diverso, pois “a promessa do favor paterno de Deus e a remissão dos pecados é a mesma”, de outro lado, “a cerimonia externa” constitui a diferenciação (segundo “a Analogia da Fé”, Rm.12:3,6).
  Ao abranger mais um pouco Calvino entende o pedobatismo como “selo que autentica a promessa do pacto”. Juntamente com isso, o reformador defende algo fundamental para a compreensão desta doutrina: “a permanência e firmeza do pacto aos filhos dos judeus em igual valia aos filhos dos cristãos”.[3] Exegeticamente a construção:

    לִבְרִ֣ית עוֹלָ֑ם Aliança eterna”,

       Gn.17:7 com o propósito:  לִהְי֤וֹת לְךָ֙ לֵֽאלֹהִ֔ים  “para ser o teu Deus”

    וּֽלְזַרְעֲךָ֖ אַחֲרֶֽיךָ  “e da tua descendência” elucida). 

Assim, esse “pacto visto como comum[4]  também (é comum), quanto a razão de confirmá-lo”. A consequência disto é a qualificação desta semente como “santa” (“diferente da semente imunda dos idólatras”). De certa forma, em consonância com isto, o Reformador entende a expressão “dos tais é o reino do céus” (Mt.19:14), apontando para “o batismo, pois, se lhes é dado este reino, porque lhes negaríamos o sinal, por meio do qual lhes foi aberto o acesso à igreja” (CALVINO. As Institutas, 2006, p.316).
           Essas premissas nos levam a pensar que o Pedobatismo não foi inventado pelos homens, pois tem fundamento na Escritura. Embora isso, não tenha sido exposto explicitamente pelos apóstolos, a falta de exclusão de pessoas indica isso, porque famílias inteiras eram batizadas (como vemos em Atos).[5]  O benefício disto envolvia não somente as crianças, mas também os adultos, já que a bondade e a graça do Senhor eram realidades não somente em suas vidas, mas também na sua posterioridade (Êx.20:6; Dt.5:19). Diretamente as belas palavras do reformador descrevem o objetivo deste pedobatismo: “... para que sejam marcados pelo símbolo da misericórdia e com isso sua fé seja consolada e corroborada, ao ver com seus próprios olhos a aliança do Senhor selada no corpo de seus filhos” (CALVINO. As Institutas, 2006, p.316).
Depois destes contornos basilares Calvino começa a responder as refutações levantadas pelos Anabatistas. Ao realizar esta tarefa o Reformador traz importantes contribuições para a definição deste tema. Inicialmente a chancela foca a afirmação de que a circuncisão e o batismo são sinais de mortificação numa interrelação. Não esquecendo-nos de que o primeiro deve ser visto em sua literalidade (cronologicamente se falando) com suas devidas promessas. Mesmo com essa literalidade a espiritualidade não pode ser negada, pois Cl.2:11 define que “o cumprimento e veracidade do batismo são ao mesmo a veracidade e cumprimento da circuncisão”. Ainda nessa dinâmica a redução da promessa dirigida somente aos filhos de Abraão (da carne) é evocada, entretanto, a promessa doada ao patriarca (Gn12:3), expande, sendo dirigida aos gentios com o mesmo conteúdo (Gn17:7). Além disso, a máxima de Rm.4:10-12 corrobora com esta questão, pois judeus e gentios são filhos de Abraão. A eficácia disso depende da eleição que deve ser vista em ambas dispensações, pois a misericórdia do Senhor foi atestada com a circuncisão e com a igreja cristã ocorre o mesmo.
Outra questão levantada (repetidamente) questiona a ignorância e falta de fé das crianças, pois não são capazes de apreender o mistério. Entretanto, mesmo assim, devem ser consideradas filhos de Adão, então abandonados a morte, por isso, nada podem fazer, senão morrer (Rm.5:12-21). Além disso, em outro lugar somos considerados (todos nós) por natureza passíveis da ira de Deus (Ef.2:3) e concebidos em pecado (Sl.51:5). Tudo isso, só pode ser sanado pela regeneração, por isso, “as crianças antes de serem salvas são regeneradas pelo Senhor e algumas estão plenamente salvas nesta idade”. Essa percepção tem grande importância diante da resposta para o destino das crianças que morrem na infância, pois não têm acesso a dispensação ordinária que envolve a pregação e o chamado. Além disso, o pedobatismo descreve um futuro arrependimento e fé pela secreta operação do Espírito Santo. Entretanto, talvez, tenhamos alguma dificuldade com este aspecto futurista, todavia, Calvino nos explica que “Cristo se santificou desde a primeira infância, para que a seus eleitos, de qualquer idade os santificasse a si mesmo [...] tenhamos por certo, que o Senhor não leva desta vida a nenhum de Seus eleitos sem que primeiro seja santificado e regenerado por Seu Espírito” (CALVINO. As Institutas, 2006, p.326,327).
Esta ligação entre o pedobatismo e a eleição torna-se pedagógica no entendimento da eficácia exposta anteriormente. A premissa neste viés, nos leva a pensar numa trilogia que envolve eleição, regeneração e batismo. Assim, passamos a entender que o continuísmo na vida cristã dos batizados depende sempre do primeiro elemento. Evocamos a fala do Exegeta da Reforma, comentando Ef.1:4: “...a eterna eleição gratuita é o fundamento e causa primeira, tanto de nosso chamamento como de todos os benefícios que de Deus recebemos” (CALVINO. Efésios, 1998, p.24). Portanto, “as crianças que crescerem, sendo instruídas na verdade do batismo, mais se inflamarão ao zelo de renovação de cujo penhor aprenderão que foram dotados desde a primeira infância, para que exercitassem em todo o decurso da vida” (CALVINO. As Institutas, 2006, p.326,327). Por estas questões Calvino nos exorta a pensarmos no batismo infantil como “comprovação da graça de Deus e por isso, devemos rejeitar a ingratidão ao negligenciarmos esta prática”.
Este caminho investigativo nos levou a certas conclusões sobre a eclesiologia de Calvino, reduzida ao Pedobatismo. Em primeiro lugar, o Reformador pensa a relação do AT com NT de forma continuísta (diferentemente dos dispensacionalistas ou anabatistas). Por esta razão, as promessas do AT expostas numa relação pactual têm efeito de cumprimento no NT. Em segundo lugar, ele diferencia a ação ordinária que envolve a pregação e chamado aos adultos das crianças. Por esta razão, alguns textos se tornam totalmente indevidos em seu uso, pois não respondem ao destino dos infantes que morrem na infância. Em terceiro lugar, o papel da eleição na efetuação do pedobatismo controla sua total eficácia. As comunicações doadas no momento da aplicação do sacramento dependem primariamente do ato eletivo de Deus. Em suma, não podemos negar a complexidade desta doutrina, talvez porque sua defesa exija alguns elementos pedagógicos mais complexos. Entretanto, ainda assim, não temos razões, para descartá-la de forma nenhuma.       


[1] Três aspectos da Teologia: “é ensinada por Deus, ensina a Deus e conduz a Deus” (Tomás de Aquino).
[2] Bruce Waltke afirma sobre Gn.17: “A circuncisão, o antigo sinal de iniciação na comunidade pactual, é substituída por um novo sinal, o batismo. Este rito simboliza que o santo é “circuncidado, no despojar da natureza pecaminosa, não com uma circuncisão feita pelas mãos dos homens, mas com a circuncisão feita por Cristo” (Cl 2.11). Ela também simboliza que eles vivem não naturalmente, mas sobrenaturalmente, pela fé: ‘tendo sido sepultados com ele no batismo e ressuscitados com ele através de [sua] fé no poder de Deus, que o ressuscitou dentre os mortos’ (Cl 2.12). O batismo é o símbolo da inclusão na igreja de Cristo, a nova expressão do povo pactual de Deus, e o símbolo da lavagem do pecado (Rm 6.1-14; 11.16; 1Co 7.14; Cl 2.11, 12; 1Pe 3.20). No ritual do batismo, Deus continua a usar a instituição da família (ver Gn 7.1; At 16.31). Visto que no corpo de Cristo não há macho nem fêmea, todos podem vir: macho, fêmea, pai e filho (Lc 18.15-17; Gl 3.26-29; Cl 2.11, 12; cf. Lc 1.59; 2.21; Fp 3.5). Entretanto, uma vez mais a comunidade deve guardar-se contra o perigo de participar de um rito de iniciação sem viver a vida da nova aliança de Deus”. WALTKE. Gênesis. São Paulo: cultura cristã, 2003, p.323.
[3] Spencer também afirma: “essa era uma fórmula que compreendia todos os benefícios salvíficos; uma clara indicação do caráter espiritual da aliança abraâmica (cf. caps. 26:24; 28:13; Hb.11:16) SPENCE-Jones, H. D. M. (Hrsg.): The Pulpit Commentary: Genesis. Bellingham, WA : Logos Research Systems, Inc., 2004, p. 233. A Reformation Study Bible define também esta questão: A natureza unilateral e graciosa da aliança de Deus com Abraão é ressaltada por seu caráter eterno. O pacto de Deus permanece para sempre, porque Ele não muda e Jesus Cristo cumpriu tudo que era necessário (2Co 1:20; Ef 2:12, 13). Embora exista uma dimensão legal para o pacto, o relacionamento da aliança de Deus com o Seu povo é, em primeiro lugar, uma comunhão divino-humana (Êxodo 6: 7; Dt 29:13). Deus graciosamente habita com o Seu povo, e eles agradecem em fé, amor e obediência. WHITLOCK, Luder G;  SPROUL, R. C;  WALTKE, Bruce K;   SILVA, Moisš: Reformation Study Bible, the : Bringing the Light of the Reformation to Scripture: New King James Version. Nashville : T. Nelson, 1995, S. Gn 17:7.
[4] Calvino comenta  relação do AT com NT da seguinte forma: “poderá ser dito então: não existe nenhuma diferença entre o Antigo e o Novo Testamento? E o que se fará com tantas  passagens da Escritura em que eles são colocados como coisas muito diversas entre si? Eu, de fato, assumo as diferenças que são lembradas na Escritura, mas de modo que absolutamente não retirem aquela unidade já constituída, tal como se verá quando delas tratarmos pela ordem. Ora, elas são (o quanto me é lícito advertir e possível lembrar) principalmente quatro. A primeira diferença é que o Senhor — ainda que também quisesse outrora que a mente de seu povo espreitasse a herança celeste e que a alma estivesse a ela atenta — exibia a vida celeste, para que fosse contemplada e de certo modo provada pelos benefícios terrenos, pelo que seu povo seria mais bem alimentado na esperança. Outra diferença entre o Antigo e o Novo Testamento ê estabelecida pelas figuras, visto que, estando ausente a verdade, aquele mostrava, em vez do objeto, apenas a imagem e a sombra, enquanto este exibe a verdade presente e o próprio objeto. Passo à terceira diferença, que é tomada de Jeremias, cujas palavras são: “Eis que os dias virão, diz o Senhor, e farei uma aliança nova com a casa de Israel e com a casa de Judá, não segundo o pacto que estabeleci com vossos Pais no dia em que os tomei pela mão e os tirei da terra do Egito, pacto que arruinaram, ainda que Eu reinasse sobre eles, mas este será o pacto que farei com a casa de Israel: porei a minha Lei em suas vísceras, inscrevê-la-ei em seus corações e serei propício para com a iniquidade deles. E não ensinará ninguém a seu próximo ou a seu irmão: todos me conhecerão, do menor ao maior” (Jr.31:31). A quarta diferença surge da terceira. Com efeito, o Antigo Testamento chama a Escritura de servidão, porque gerasse nas almas o temor; o Novo Testamento, de liberdade, dado erigir as almas na confiança e segurança. Assim disse Paulo: “Não recebestes novamente o Espírito de servidão para o temor, mas o Espírito de adoção, pelo qual clamamos Aba, Pai!’” (Rm 8: 15). A quinta diferença que pode ser acrescentada consiste em que o Senhor, até o advento de Cristo, separou um povo no qual estaria contida a aliança da graça”. CALVINO João. A Instituição da Religião Cristã. São Paulo: Unesp, 2007, pp.427-437. 
[5] Herman Bavinck especificamente sobre At.16:15 (e outras passagens) afirma: “Isso não prova, de fato que o batismo infantil já era ministrado pelos apóstolos, mas o contrário também não pode ser inferido do silêncio”. BAVINCK Herman. Dogmática reformada, Vo.4, p.535. O verbo βαπτίζω (baptízo – eu batizo), juntamente com οἶκος (oikos – casa), estabelece uma conexão esclarecedora (At.16:15, 31,34; 18:8). Nesse momento então, se faz necessário conjugar o níveis macro e micro com suas delimitações. Em At.16:15 temos um excelente exemplo desta dinâmica. Anteriormente foi destacado a questão pactual com “a casa de Israel”, a igreja do AT (promessa) numa transição para a igreja do NT, o “Israel de Deus” (cumprimento). Assim, essencialmente o viés de amplitude está em voga (descontinuísmo negado), pois  βαπτίζω está em subserviência ao “οἶκος. Nesta leitura pactual o batismo é para toda a família. Isso funciona numa progressividade definida, porque “o Senhor abriu o coração de Lídia, para entender o evangelho” (At.16:14) e logo depois “ela foi batizada e toda a sua casa”. Assim, a própria descrição dirigida a família inteira (At.16:15,34; 18:8; 1Co.1:16) parece não focar a necessidade da presença de infantes, mas que deveriam ser batizados. Além deste considerando, Swift explica que um manuscrito sério do NT, o qual se supõe ser a mais antiga versão do mundo, relatando o batismo de Lídia “e sua família” e o carcereiro e “sua família” [...] traz: “Lídia e seus filhos” e o carcereiro e “seus filhos” foram batizados. Disponível em: https://pt.scribd.com/document/149807986/Batismo-Por-Aspersao-e-de-Criancas-SWIFT. Acesso em 28/08 as 05:30.

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