Jo.20:22 Lido Num Viés Simbólico.
“...soprou [não diz
“sobre eles”] e disse-lhes: começai a receber (aoristo ingressivo) o
Espírito Santo”.
Neste
ensaio, investigaremos o evento de Jo.20:22, focando sua junção com At.2. Este
trato traz certos fundamentos de complexidade, os quais desafiam nossa exegese.
Eles serão tratados, introdutoriamente, a partir de um viés indutivo, por meios
hermenêuticos oriundos do histórico-gramatical e dedutivo, a luz das
contribuições de alguns estudiosos (Carson, Beasley-Murray,
Köstenberger, Westcott e outros). A defesa deste ensaio afirma
a leitura do imperativo pneumatológico de Jo.20:22 (λάβετε πνεῦμα ἅγιον) como
“simbólico”, pois parece ser coerente por alguns substratos disntintos. Pensaremos,
estruturalmente esta questão: 1) pela análise do co-texto, 2) descrevendo
as percepções missiológica, teológica e simbólica, e finamente, com 3) a
conclusão, a partir dos levantamentos exegéticos.
λάβετε πνεῦμα ἅγιον (“ começai a recebei o Espírito Santo”) em seu
micronível (“os cinco níveis” de George Guthrie; cf. OSBORNE. A
Espiral Hermenêutica, pp.188-190) deve ser visto pela delimitação do
macronível. Isso significa que se faz necessário, identificar os limites da unidade dentro do discurso de
algumas formas. Nossa construção pensa Jo.20:22, delimitado pela seguinte
extensão: 20:19-23. O primeiro substrato desta percepção é de cunho sintático,
pois a conjunção transicional οὖν (lê-se: ûn, “portanto”) oferece em 20:19: “uma
dedução, conclusão ou um sumário a discussão precedente”.
WALLACE. Gramática grega, p.673). Além
disso, no co-texto posterior a individualização de um personagem (Tomé) traz o
fundamento da transição (20:24,25). Em
suma constatamos por 20:19-22 que Jesus aparece aos seus discípulos no
pós-ressureição algo paralelo a Lc.24:36-42 (Beasley-Murray, George R. WBC:
John, 2002, p. 378). Entretanto, a falta de exatidão do número destes
discípulos parece ser uma realidade aqui, pois como vimos, Tomé aparece somente
depois (20:24) e Judas havia saído. Por esses considerandos pensamos que eram
dez (CARSON. O Comentário de João, 2007 p.647).
Ainda com foco neste desdobramento contextual, observamos
que o Senhor saúda seus discípulos: εἰρήνη ὑμῖν (20.19,21,26). Pelo contexto histórico esta saudação indicava
um cumprimento judaico padrão, objetivando a comunicação da paz (Keener,
[1993]. The IVP Bible Background Commentary: New Testament, s.Jo.20:19).
De outro lado, Köstenberger entende εἰρήνη ὑμῖν num viés
que envolve “um comissionamento”, pois, “Jesus
os transmite a paz que precisam para cumprir sua missão”. Portanto, o foco
da presente unidade é a declaração deste comissionamento oriundo do Senhor
Jesus (“como o Pai me enviou, eu também o envio”, cf. Mt 28:18–20; Lucas
24:46–49) que culmina na Sua caracterização como o Filho enviado
(KÖSTENBERGER. John, Baker Exegetical Commentary on the New Testament,
2004, p.573). O pós-saudação destaca isto: καθὼς ἀπέσταλκέν με ὁ
πατήρ, κἀγὼ πέμπω ὑμᾶς (“...da mesma
forma em que o Pai me enviou eu também envio a vós”). Ao
fundamentarmos está missão, dada pelo Senhor, ligada ao Espírito Santo num
viés missiológico, percebemos a funcionalidade de 20:23: ἄν τινων ἀφῆτε τὰς ἁμαρτίας ἀφέωνται
αὐτοῖς, ἄν τινων κρατῆτε κεκράτηνται (“aqueles a quem perdoardes os pecados, lhes são
perdoados; e, àqueles a quem os retiverdes, lhes são retidos”). Portanto, “nesse
versículo, em que o co-texto é a missão dos discípulos de Jesus (v.21) e que o
Espírito é quem os capacita (v. 22), o locus é sobre evangelismo” (CARSON. João,
p.656). Ainda assim, o quando desta ação inegociável para o
cristão. Neste caso, Jo.20:22 e At.2 precisam ser vistos num viés
relacional.
Depois de pensarmos estas questões de
forma sintética, o ponto agora é o papel do imperativo pneumatológico: λάβετε
πνεῦμα ἅγιον: “... começai a receber
o Espírito Santo” (Jo.20:22), de maneira que sua relação com At.2 funcione numa
unidade e diversidade. Inicialmente, não podemos deixar de observar o
continuísmo do v.21 com o v.22 pelo καὶ τοῦτο (“e com
isso” ou “após dizer isto”), pois como explica Carson: “a comissão fica
assim associada à concessão do Espírito” (CARSON. O Comentário de João,
2007, p.650). Com estes considerandos, passemos a pensar as alternativas
hermenêuticas para este “imperativo pneumatológico”.
Em primeiro lugar,
observemos a tese de Westcott (1825-1901) em
seu comentário de João (1881), pois entende πνεῦμα ἅγιον, por causa da ausência
do artigo, “como um dom do Espírito Santo” (cf.7:39),
objetivando a preparação dos discípulos para o evento de Pentecostes. Desta
forma Westcott distinguiu entre a ação do Espírito quanto ao novo nascimento e a
capacitação dos crentes para o ministério” (WESTCOTT. The Gospel According to St. John
Introduction and Notes on the Authorized Version, 1908, p.295). Entretanto, esta tese é contestada por Borchert, porque
“despersonaliza o Espírito e O transforma num dom”. Além disso, “em João
7:39 o Espírito também é mencionado sem o artigo”. De fato, “o Espírito Santo’ aparece
mais de cinquenta vezes no Novo Testamento sem o artigo, três deles no
Evangelho de João como em: 1:33; 14:26; 20:22” (BORCHERT. John 12-21, The
New American Commentary, 2003, p. 307).
Em segundo lugar, na atualidade Beasley-Murray (1916-2000) trabalhou esta
questão num viés teológico, e não cronológico. Neste caso, João não especifica os eventos da Páscoa de
acordo com a cronologia. Ele poderia, perfeitamente ter conhecimento da
tradição do pentecoste e escrever exatamente como ocorreu. Mas, não há dúvida
de que o envio do Espírito acontece na Páscoa e no Pentecostes. É um ou
outro, em vista da natureza da apresentação de cada evangelista do evento. Portanto,
João sabe sobre Pentecoste, mas prefere escrever dessa forma, em íntima conexão
temporal com a Páscoa, por causa de sua peculiar visão teológica que liga
fortemente a descida do Espírito à morte/exaltação de Jesus
(Beasley-Murray, George R. Word Biblical Commentary: John, 2002, p.382).
Em terceiro lugar, temos a fundamentação que pensa
Jo.20:22 como “promessa simbólica do dom do Espírito que seria dado mais
tarde (isto é, no dia de Pentecoste)”, algo defendido por Teodoro de
Mopsuéstia (350-428). Essa tese foi
condenada no quinto concílio ecumênico em Constantinopla no ano de 553 d.C., e
não recebe muita atenção hoje, mas, muito pode ser dito em seu favor. Carson
entende que esta proposta é mais viável, para entendermos Jo.20:22. Mas, quais
são suas bases?
Comecemos com a tradução que
corrobora, pois, καὶ τοῦτο ἐνεφύσησεν
καὶ λέγει αὐτοῖς..., ao contrário do que a maioria das versões em português
afirma, o texto grego não diz ‘ele soprou sobre eles, mas simplesmente ‘[ele]
soprou’. Desta forma, o sentido desse pano de fundo bastante técnico, de
maneira que o verbo ἐμφυσάω (Lê-se: emfysáo) é absoluto em João 20.22 –
ou seja, não tem estrutura auxiliar,
nem mesmo um objeto direto. Fora outras considerações de peso,
portanto, o versículo deveria ser traduzido assim: “e com isso, soprou, e
disse: “começai a receber o Espírito Santo”’. Ainda, alguns eventos
descritos em João não são realizados naquele momento (12.23,31; 17.1,5), da
mesma forma, como este viés simbólico lê o imperativo (λάβετε πνεῦμα ἅγιον) de 20:22. Outro
ponto fundante pode ser destacado pela postura dos discípulos com medo dos
judeus (20:19), mostrando a falta de ousadia presente neles no pós At.2. Desta
forma, o episódio em 20.22, que a maioria concordará que, em certo sentido
simbólico, é mais bem entendido desta forma, como uma capacitação que ainda
está por vir. Finalmente, a ‘exalação’ e a ordem de Jesus (“começai
a receber o Espírito Santo”) são mais bem entendidas como um tipo de
parábola encenada que aponta para o futuro, para a plena provisão ainda por
vir (embora já passado para os leitores de João). O apóstolo tem, repetidamente
desenvolvido esses passos antecipadores em sua narrativa; não é de surpreender
se ele usa um desses (passos), para mostrar que a história não termina com esse
livro (CARSON. O Comentário de João, 2007, pp.651-657).
Em anexo aos considerando levantados pelo
Carson outros pontos cooperam com esta percepção. O verbo ἐμφυσάω (lê-se: emfysáo) usado apenas
aqui no NT (hapax), pode ser visto como ato foi simbólico, à maneira dos
profetas hebreus (VINCENT. Word Studies in the New Testament, 2002,
S. 2:29). Além disso, era algo simbólico, aparecendo na LXX, quando “Deus
soprou o sopro da vida” em Gn.2:7 sobre Adão (ROBERTSON. Word Pictures in
the New Testament, 1997, S. Jo 20:22). Isto é consumado com o restante do
verso (λάβετε πνεῦμα ἅγιον), chancelando a
consumação da primeira oração. Robertson pensa o aoristo imperativo como
ingressivo (ROBERTSON. Word Pictures in the New Testament, 1997, S. Jo
20:22), desta forma a tradução é vista assim: “começai a receber o
Espírito Santo.” Esta percepção corrobora com o natureza simbólica desta
máxima. O contexto de 20:22 nos ajuda, a partir de seu viés missiológico
(20:23). O relato de João descreve um estágio preliminar de preparação para o
ministério. “A missão é inaugurada, mas na verdade não começou ... O início
real desta missão está fora do escopo do Quarto Evangelho. Resta, portanto,
espaço para o derramamento no dia de Pentecoste, após o qual os discípulos
assumem a missão em público no poder do Espírito que desce do Pai e do Filho no
céu. Tal preparação é claramente o ponto em Jesus levando os discípulos à fé em
si mesmo e no comissionamento. Outro fundamentado desta tese está na
ausência de Tomé, o qual confessou Jesus como Senhor e Deus (20:28).
Whitacre entende que isto ocorreu pela ação do Espírito Santo (WHITACRE. John
The IVP New Testament Commentary, 1999, p.482).
Depois
desta sintética jornada, observamos as três fundamentações exegéticas de
Jo.20:22. Além disso, a dificuldade com a harmonização (com At.1:8; 2:1-4)
mostrou ser a problemática em voga. Cronologicamente, pós Jo.20:22 se passaram
provavelmente mais de 40 dias (At.1:3; 2:1-4). Assim, somos levados a ler esta
passagem num viés futurista, por isso, as interpretações simbólica e teológica
parecem fazer mais sentido. O problema da primeira é sua reprovação no quinto
concílio ecumênico em Constantinopla no ano de 553 d.C.
[1] Três aspectos da Teologia: “é ensinada por Deus, ensina a
Deus e conduz a Deus” (Tomás de Aquino).