O Texto Grego do Apocalipse:
Apontamentos Introdutórios (1ª Parte).
Neste
ensaio exegético, analisaremos, introdutoriamente, o texto grego do Apocalipse,
focando os solecismos, crítica textual, sintaxe, vocabulário (léxico) e uma
exegese numa parte do discurso. Faremos isto, em cinco movimentos distintos. Tal
apreciação tem sua complexidade declarada, pois como colocou David L. Mathewson:
“entre os numerosos desafios interpretativos [...] a natureza da linguagem do
Apocalipse continua a suscitar considerável fascínio e perplexidade tanto por
parte dos gramáticos como dos comentaristas” (MATHEWSON. Verbal Aspect in the Book of Revelation, The Function
of Greek Verb Tenses in John’s Apocalypse, p.1). De outro lado, Osborne é categórico: “todos concordam
quando se afirma que o grego de Apocalipse é o mais difícil do NT” (OSBORNE. Apocalipse, p.27). Estas falas
corroboram com a devida compreensão da análise em voga. Começaremos pelo
solecismo visto em alguns enquadramentos.
O “solecismo”
(Σολοικισμός) e/ou “barbarismo” (βαρβαρισμός) presentes no Apocalipse
têm algumas considerações definidoras e contextuais. Nestas dinâmicas, Laurențiu
Florentin Moț explica que nem sempre o primeiro foi usado como termo
gramatical, pois “Zenão (334-262 a.C), fundador do estoicismo, deu uma
definição ampliada que ia além da fala, abrangendo roupas, alimentação e
caminhada”. Entretanto, posteriormente em usos gramaticais (do geral ao
específico). Luciano usou a palavra e seus cognatos de uma forma geral para
significar todos os aspectos linguísticos ligados aos erros. Sua definição
descreve solecismos como τὸν ἁμαρτάνοντα ἐν τοῖς λόγοις (“o que falha nas
palavras”). De outro lado, o “barbarismo”
(βαρβαρισμός), o qual tem uma trajetória
semântica interessante. Antes das guerras persas (492–490, 480–479 a.C.)
significava não-grego, quer linguística ou culturalmente. Depois das guerras
persas, referia-se a qualquer coisa que parece inculto (MOT. Morphological and
Syntactical Irregularities in the Book of Revelation, A Greek Hypothesis, pp.46,47). Estas primeiras informações são metodologicamente
importantes para a percepção contextual, mas ainda assim, podemos questionar: como entender este fenômeno linguístico no
Apocalipse?
Tal problemática pode ser vista de forma cronológica,
pois, já na primeira metade do século III, Dionísio de Alexandria (264-265
d.C.) observou que o “uso da língua grega por João não é preciso, mas empregava
expressões bárbaras, em alguns lugares cometendo solecismos absolutos” de
algumas formas (BEALE. The Book of Revelation A
Commentary on the Greek Text, p.100). Aune,
de certa forma, agrava isto: “o grego do
Apocalipse não é apenas difícil e estranho, mas também contém muitos recursos
lexicais e sintáticos que nenhum falante nativo do grego teria escrito” (AUNE.
Word Biblical Commentary, p.388). Ele
continua, apresentando algumas razões para estes solecismos: (1) Apocalipse é
uma tradução de uma obra originalmente escrita em língua semítica, hebraico ou
aramaico; (2) o autor escreveu em grego, mas pensado em hebraico ou aramaico; (3)
O hebraico bíblico serviu de modelo para a língua do Apocalipse; (4) o autor
era secundariamente bilíngue e provavelmente foi capaz de falar como bem como
escrever grego; os semitismos que sem dúvida existem no Apocalipse, funcionavam
como resultado desta interferência
bilíngue (AUNE. Word Biblical Commentary,
p.388). É ainda relevante observar algo não afirmado com veemência exposto por Beale:
“há um número significativo destas
irregularidades ocorre em no meio das alusões do AT. Várias expressões parecem
irregulares, porque João está transportando as formas gramaticais exatas das
alusões, muitas vezes das várias versões do AT grego e às vezes do hebraico. Ele
não muda a forma gramatical do AT para se adequar ao contexto imediato. O contexto
sintático presente no Apocalipse, então, era a expressão do AT. Isso cria “dissonância
sintática”. Com a mesma frequência, a gramática precisa da passagem do AT não é
mantida, mas semitismos estilísticos ou septuagintalismos são incorporados, a
fim de criar a dissonância” (BEALE. The Book of Revelation A
Commentary on the Greek Text, p.101). Portanto,
talvez, a avaliação mais comum das aparentes incongruências do Apocalipse,
possam postular algum nível de influência semítica sobre a gramática de João.
Embora, as especulações de que o Apocalipse seja uma tradução de uma fonte
original hebraica ou aramaica careçam de plausibilidade, os solecismos
gramaticais no são frequentemente atribuídos a alguns graus de influências da
gramática do hebraico bíblico, talvez deliberadamente para dar-lhe um sabor do
Antigo Testamento ou profético (MATHEWSON. Verbal
Aspect in the Book of Revelation, The Function of Greek Verb Tenses in John’s
Apocalypse,
p.2).
Quanto
as irregularidades podemos falar pelo menos em cinco. Neste caso, na primeira e
maior seção existem peculiaridades sentenciais compostas de divergências de caso, gênero e número A segunda
classe consiste em incongruências verbais
envolvendo tempo, modo e voz. A terceira classe representa as irregularidades preposicionais. Todos estes são
solecismos de substituição. A próxima categoria a seguir é o das omissões. O
capítulo termina com a quinta categoria que compreende acréscimos ou
redundâncias (MOT. Morphological and
Syntactical Irregularities in the Book of Revelation, A Greek Hypothesis, p.107). Corrobora ainda a ideia conecta ao argumento anterior, pois,
é importante distinguir vários tipos de hebraísmos e aramaísmos: “(1) semântico
Semitismos, (2) Semitismos lexicais, (3) Semitismos fraseológicos, (4) semitismos
sintáticos e (5) semitismos estilísticos (expressões e construções possíveis em
grego, mas cujo uso excepcionalmente frequente é mais característico do
hebraico ou aramaico” (AUNE. Word
Biblical Commentary, p.389). Tal perspectiva precisa ser enfatizada,
porquanto, outras instâncias às vezes incluídas na discussão dos solecismos não
aparecem como oposições diretas do direito comum das regras gramaticais, mas
são melhor categorizadas como variações peculiares de estilo - por exemplo, pronomes
resumidos (por exemplo, 3:8; 7:9), resolução de um particípio em um verbo
finito em uma cláusula seguinte (por exemplo, 1:5-6; 2:20), mistura de tempos
verbais e modos sem razão explícita (por exemplo, 21:24-27), e expressões
estilísticas que parecem expressar hebraísmos ou aramaísmos (por exemplo,
4:9-10). Algumas das claras solecismos são difíceis de explicar em qualquer
teoria (BEALE. The Book of Revelation A
Commentary on the Greek Text, p.102).
Foquemos
em algumas ilustrações que se enquadram nos cinco níveis:
Discordâncias de Caso (DEBRUNNER,
BLASS. A Greek Grammar of The New
Testament and Other Early Christian Literature, pp.135,136)
[A]
Uma frase aposicional (ou particípio circunstancial) é frequentemente
encontrado no nominativo em vez de um caso oblíquo:
τῆς καινῆς Ἰερουσαλὴμ ἡ καταβαίνουσα ἐκ τοῦ οὐρανοῦ (3:12)
[B] O
masculino é frequentemente substituído pelo feminino ou neutro
αἱ δύο λυχνίαι [...] ἑστῶτε (11:4)
[C] Nominativo para genitivo. Existem duas referências, que
envolvem cinco substantivos nominativos usados no lugar de tantos substantivos
genitivos. Todos os nominativos aposicionais deveriam ter sido traduzidos no
genitivo, de acordo com Ἰησοῦ Χριστοῦ..
ἀπὸ Ἰησοῦ Χριστοῦ, ὁ μάρτυς, ὁ πιστός, ὁ πρωτότοκος (Rev. 1:5 BNT)
[D] Um nominativo participial é aplicado
sete vezes a um genitivo. O primeiro nesta categoria está o solecismo mais
famoso e um dos loci Communes onde são
identificados no Apocalipse, provavelmente devido à sua primeira posição no
livro. Apocalipse 1:4 contém a frase ἀπὸ ὁ ὢν καὶ ὁ ἦν καὶ ὁ ἐρχόμενος, onde ἀπὸ é seguido não por genitivos, mas
surpreendentemente, por um nominativo (MOT.
Morphological and Syntactical Irregularities in the
Book of Revelation, A Greek Hypothesis, p.113).
[E] Em 13:14, o particípio masculino
singular λέγων funciona
como um predicado adjetivo, modificando o substantivo neutro singular θηρίον (13:11).
Isto é claramente um solecismo e também reflete a prática do narrador de
modificar o neutro substantivos que simbolizam homens com adjetivos, pronomes e
particípios no género masculino (AUNE. Word
Biblical Commentary, p.389).
Vale
a ressalva de que o “Constructio Ad Sensum”
deve ser levado em conta. Tal construção contempla um pequeno grupo de
demonstrativos possui uma concordância natural com seus antecedentes, cometendo
o que chamamos de solecismo. São construções ideológicas ou constructio ad
sensum. Essa (des-) concordância natural envolve gênero ou, mais raramente,
número. Frequentemente, a concordância somente é conceituai, visto que o pronome
aponta para uma frase ou oração e não para um substantivo ou qualquer outro
nome. Como é de se esperar, não poucos desses exemplos são debatíveis e
exegeticamente significantes (Wallace, p.330). Corroboram Debrunner, Blass,
quando destacam: [1] “a instância principal é aquela em que um coletivo,
abrangendo uma pluralidade de pessoas em um substantivo singular, é interpretado
como se o sujeito fosse plural. [2] Coletivos pessoais femininos ou neutros no
plural podem ser continuados por um masculino plural. [3] Um particípio
masculino referindo-se a um substantivo neutro que designa um ser pessoal” (DEBRUNNER, BLASS. A Greek Grammar of The New Testament and Other Early
Christian Literature, pp.133,135). Ainda assim, Beale afirma: “as conclusões a que cheguei refinam esta avaliação. Alguns os
solecismos que podem ser atribuídos à influência do AT também poderiam ser
explicados como devidos à constructio ad sensum, mas não a maioria deles; e
quando ambas as explicações são possíveis, a influência do AT é preferível, porque
se baseia em evidências mais objetivas” (BEALE. The Book of Revelation A
Commentary on the Greek Text, p.101).
Depois desta sintética análise continuamos com a tese inicial de que o grego do apocalipse é notoriamente complexo. Pelos solecismos percebemos seus usos nas antigas literaturas que precederam o livro das revelações. Além disso, a detecção inicial deles no 3º século d.C. De forma, introdutória percebemos que a escrita do livro teve fundamento no AT. Parece ser esta a explicação tendo também como base que as aparições dos solecismos se desenvolvem na intertextualidade (relação com o AT). Tal síntese parece expressar hebraísmos ou aramaísmos. Os outros elementos a serem observados complementarão a análise.
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