Ap.22:18,19:
APOSTASIA DO CRENTE OU ADVERTÊNCIA QUANTO A INTERPRETAÇÃO DA ESCRITURA? As
linhas exegéticas antitéticas de Grant Osborne (apostasia) e Gregory Beale
(advertência)
SE ALGUÉM
LHES FIZER QUALQUER ACRÉSCIMO, DEUS
LHE ACRESCENTARÁ os flagelos escritos neste livro; ἐάν
τις ἐπιθῇ ἐπ᾽ αὐτά, ἐπιθήσει ὁ θεὸς ἐπ᾽ αὐτὸν τὰς πληγὰς τὰς γεγραμμένας ἐν τῷ
βιβλίῳ τούτῳ, (Rev 22:18 BNT)
SE ALGUÉM
TIRAR qualquer coisa das palavras do livro desta profecia, DEUS TIRARÁ A SUA PARTE DA ÁRVORE DA VIDA...
O livro
do Apocalipse tem muitas discussões em foco, as quais dividem os estudiosos há
séculos. Isso se torna claro, quando observaremos os posicionamentos exegéticos
de Ap.22:18,19, pensados de forma antitética por Grant Osborne e Gregory Beale
(outros como Aune, Pohl, Kistemaker e Barton também serão usados nesta dinâmica).
Neste ensaio analisaremos dialeticamente as posturas hermenêuticas destes
referidos estudiosos, seguindo alguns caminhos. Estruturalmente trabalharemos
com alguns elementos vistos de forma progressiva, funcionando como bússola: 1) a identificação do narrador de 22:18 (análise contextual); 2) “a
fórmula de juramento” como descrição precedente, 3) a quem foram dirigidas as palavras (destinatários) e “as fórmulas
condicionais de maldição” vistas pelas teses de Osborne e Beale e 4) o efeito
conclusivo.
Para
identificarmos o narrador (ἐγώ, “eu”), devemos nos voltar ao fluxo
contextual, reduzindo a argumentação em voga, vista num continuísmo que define
a amarração dos elementos discursivos precedidos. Nesse viés Beale entende que
22:6-21, “funciona como conclusão formal
de todo o livro e está especialmente relacionado com a introdução (1:1–3), de
maneira que ambos identificam o livro como comunicação de Deus”. Além
disso, “destaca que existem ‘cinco exortações’ na marcação de limite descrito:
22:6,7; 22:8-10; 22:11,12; 22:13-17; 22:18-20” (BEALE. The Book of Revelation: A
Commentary on the Greek Text, 1999, S.1122). Não são todos os estudiosos que veem a
delimitação desta forma, pois pela percepção de Aune, 22:6-9 funciona como
“transição contextual”, desta forma, “as duas extensas unidades textuais usam
imagens femininas antitéticas: a primeira (17:1-19:10) se concentra em
Roma-Babilônia sob a metáfora dominante de uma prostituta, enquanto a segunda
(21:9-22:9) se concentra na escatológica, ou seja, a cidade de Deus, a Nova
Jerusalém, sob a metáfora da noiva, a esposa do Cordeiro” (AUNE. Word Biblical
Commentary: Revelation 17-22, 2002, p.1146). Assim, a consonância neste caso (Aune e Beale), pode
ser destacada pelo elemento parentético já que “nada menos que oito dos quinze
versículos finais ressaltam essa intenção através de exortações à obediência,
bênçãos prometidas em resposta a uma vida santa, ou advertências de julgamento
para a vida ímpia (vs. 7, 9, 11-12, 14-15, 18-19)”. Desta forma, “a introdução
e o epílogo são semelhantes em descrever a exortação, a santidade e a
advertência do juízo sobre os eventos revelatórios que virão” (BEALE. The Book of Revelation: A Commentary on the Greek Text,
1999, p.1122). Num
último apontamento Pohl destaca a repetição de ἰδοὺ
ἔρχομαι ταχύ (“eis
que venho rapidamente”) em 22:7,12,20 presente na divisão proposta por ele: “O epílogo
sublinha inicialmente a autoridade divina do livro nos vs. 6-9, depois sua
atualidade vs.10-17 e finalmente sua vigência normativa na igreja vs.18-21” (POHL. Comentário
Esperança, Apocalipse De João; Comentário Esperança, Apocalipse, 2008, p.
477). A
apropriação da conotação parentética proposta por Beale e Aune será usada de
forma basilar nas conclusões desta ensaio.
Com esta
percepção, focaremos em duas questões: a identificação do locutor de Ap.22:18 e a fórmula de
juramento? O “eu” (ἐγώ, lê-se: egó) de
22:18 tem significados distintos segundo alguns estudiosos. Basicamente, são três as
possibilidades interpretativas, pois, “alguns pensam ser Jesus (22:16) outros João (22:8). Essas são as duas
possibilidades mais usadas, entretanto, uma terceira aparece, nela o “eu” (ἐγώ) aponta para as
maldições dirigidas” (AUNE. Word Biblical Commentary: Revelation 17-22,
2002, p.1229). Ao
olharmos o contexto mais próximo que destaca os usos do ἐγώ (“eu”) nos versos 16 e 20, provavelmente, esteja apontando
para Jesus (OSBORNE Grant. Apocalipse Comentário Exegético, 2014,
p.888).
Além disso, precisamos atentar para “a
fórmula de juramento” emitida pelo Senhor (Μαρτυρῶ ἐγὼ - “eu
mesmo testifico” 22:18). Assim, o verbo usado na construção com
o pronome “eu” (ἐγώ), chancela a seriedade do que será dito. Aune
explica que o “testifico” usado é uma das várias fórmulas de juramento usuais
no Apocalipse, para introduzir ou concluir pronunciamentos proféticos.
Propriamente aqui tem como objetivo, enfatizar a integridade da fórmula da
passagem (AUNE. Word Biblical Commentary: Revelation 17-22, 2002, p.1229). Portanto, o cenário introdutório
apresentado pelo Senhor Jesus, expõe a grandeza das informações apresentadas,
quanto ao trato com a Palavra.
Depois
destas preliminares que são fundamentais para nosso objetivo, pensaremos a
problemática em questão: a quem foram
dirigidas estas palavras? (... παντὶ τῷ ἀκούοντι τοὺς λόγους τῆς προφητείας τοῦ βιβλίου
τούτου· - “todo
aquele que ouve as palavras da profecia deste livro” - 22:18). Diante
da gravidade das informações apresentadas pelo texto quanto as maldições,
naturalmente podemos pensar, se estas palavras foram realmente dirigidas aos
cristãos. A expressão usada no texto (“todo aquele que ouve as palavras da
profecia deste livro”) está presente também em Ap.1:3 (“cenário litúrgico” -
David Aune).[1]
Assim, numa coesão lexical, pensaremos nestes
leitores interpretes, primeiramente como os cristãos das sete igrejas da Ásia juntamente
com àqueles que ensinavam heresias nelas (2:14b,20,21). Com esta
perspectiva não deixamos de pensar a primazia exposta por Beale: “... as
advertências em 22:18,19 não são dirigidas primariamente àqueles que estão fora
da igreja, mas a todos na comunidade da igreja, pois como em Deuteronômio
(4:1-9) as advertências foram dirigidas a todos os israelitas” (BEALE, G. K. The Book of Revelation: A Commentary on the
Greek Text, 1999, p.1152). Essa mensagem mostra como devemos lidar com a
Palavra de Deus (não somente o Apocalipse). O cuidado em não ser desonesto
hermeneuticamente deve ser imenso. Como afirma Osborne: “todos nós somos responsáveis por nos empenharmos em interpretar o
livro de acordo com o sentido pretendido por Deus” (OSBORNE Grant. Apocalipse Comentário Exegético, 2014, p.890).
Nessa
dinâmica que envolve o apreço pela fuga do pecado que envolve a interpretação
errada das Escrituras, voltemo-nos para a fórmula condicional
de maldição (Aune) que
aparece em duas construções (Prótase e Apódase): 1) ἐάν τις ἐπιθῇ [...] ἐπ᾽ αὐτά, ἐπιθήσει ὁ
θεὸς καὶ 2) ἐάν τις ἀφέλῃ [...], ἀφελεῖ ὁ θεὸς... (Se alguém acrescer [...] Deus acrescentará... se alguém
tirar [...] Deus tirará... 22:19). O texto expõe o
paralelo entre “acrescer” (ἐπιθῇ) e “tirar” (ἀφέλῃ), mas como entender estas ações? Elas focam
o que necessariamente?
Primeiramente observemos a ligação desse texto com o AT, assim, a resposta deve ser procurada inicialmente
em Deuteronômio, pois em 4:1,2 e 12:32 a linguagem denota uma dupla
advertência contra o ensino enganoso, o qual afirmava que a idolatria não era incompatível
com a fé no Deus de Israel. Aqueles que enganam dessa forma são falsos profetas
(Dt.13:1-18). Esse ensino falso corresponde
a acrescentar algo a lei de Deus, uma vez que viola as prescrições positivas
contra a idolatria (BEALE G.K ; CARSON.D.A.
Comentário do uso do Antigo Testamento no
Novo Testamento, 2014, p.1409).
Além disso, podemos ligar este texto a Gl.1:6-8,
entendendo que a proibição, de se pregar “outro evangelho” (ἕτερον εὐαγγέλιον), seria a questão aqui. Em terceiro lugar, pensando no
próprio Apocalipse, poderíamos entender que estas ações estão relacionadas aos
ensinos heréticos presentes nas igrejas da Ásia (Ap.2:6,14,20). Finalmente
uma referência aos copistas que cometiam erros ao copiar
o manuscrito de forma deliberada (KISTEMAKER
Simon. Comentário do Novo Testamento
Apocalipse, 2014, p.773).
Osborne nessa mesma dinâmica entende que
essa passagem se refere a uma pessoa que usa o Apocalipse, para reestruturar a
fé cristã como fazem algumas seitas, da mesma forma que os nicolaítas dos dias
de João (OSBORNE Grant. Apocalipse Comentário Exegético, 2014, p.888). Podemos então, pensar no “acrescer” ou
“tirar” como desvios hermenêuticos, os quais adulteram a verdade singular que
emana da Palavra de Deus.
A outra
parte desta fórmula condicional (prótase e apódase)
chancela
os atos futuros do próprio Deus (“acrescerá e tirará” - paranomásia).[2] No
primeiro “os flagelos escritos no Apocalipse” serão acrescidos. Essas
pragas são atormentadoras em seus registros (9:18-20; 11:6; 15:1,6,8; 16.9,21;
18:4,8). Osborne as pensa como juízos temporais (OSBORNE
Grant. Apocalipse Comentário Exegético,
2014, p.891). No segundo “a parte da árvore
da vida, da cidade santa e das coisas escritas no Apocalipse”, tudo isso o
próprio “Deus tirará”. Isso nos leva a questionar: esta
ação divina deve ser entendida de que forma? Aponta para a apostasia ou
advertência?
Inicialmente,
observemos a percepção interpretativa de Osborne que ao comentar esta passagem, conclui
que os juízos citados apontam para a apostasia. Ele entende que: “a apostasia é um tema teológico válido, e eu sustentaria
a possibilidade de crentes perderem sua fé, com base em trechos paralelos de
Jo.15:1-8; Hb.2:1-4; 10:26-31; Tg.5:19,20; 2Pe.2:20,21; 1Jo.5:16” (OSBORNE Grant. Apocalipse Comentário Exegético, 2014, p.891). Assim,
nesta linha não teríamos dificuldade em afirmar que o ensino do texto foca a
radical mudança de salvo para condenado. A real possibilidade de alguém perder
a salvação por causa dos desvios hermenêuticos que trabalham em antítese a
verdade que emana da Palavra.
De outro
lado Gregory Beale anexa outra possibilidade, quando questiona: ... essa punição divina está sendo dirigida
aos que reivindicam ser cristãos, mas nunca tiveram uma fé verdadeira? (BEALE, G. K.: The Book of Revelation: A Commentary on the
Greek Text, 1999, P. 1153). Por isso, a necessidade de tal
advertência para os cristãos, incluindo escribas cristãos, é aparente por
aqueles que “distorceram” as cartas de Paulo e “o restante das Escrituras
para sua própria destruição” (2Pe.3:16). A advertência também é aparente
dos primeiros gnósticos, que avançaram seu falso ensinamento adicionando ou
eliminando material dos livros do NT (BEALE,
G. K.: The Book of Revelation: A
Commentary on the Greek Text, 1999, p.1154). Ao olharmos para Ap.13:8;17:8,14 teremos algumas
respostas, as quais funcionam como refutações a apostasia:
...e adorá-la-ão todos os que
habitam sobre a terra, aqueles cujos
nomes não foram escritos no Livro da Vida do Cordeiro que foi morto desde a fundação do mundo. (Ap.13:8)
|
E aqueles que habitam sobre a terra,
cujos nomes não foram escritos no
Livro da Vida desde a fundação do mundo, se admirarão, vendo a besta
que era e não é, mas aparecerá (Ap.17:8).
|
Pelejarão eles contra o Cordeiro, e
o Cordeiro os vencerá, pois é o Senhor dos senhores e o Rei dos reis;
vencerão também os chamados, eleitos
e fiéis que se acham com ele. (Ap. 17:14)
|
No mínimo
por estes textos é possível afirmar que a decisão quanto a salvação foi tomada
primeiramente por Deus em Cristo. Isso nos ajuda a entender a questão da
garantia e imutabilidade do que foi doado. Pensar em oposição as referências
indicadas, seria transformá-las em simples probabilidades. Além disso, o
contexto canônico nos ajuda a entender nossa relação com a verdade, como algo
que emana da ação do Espírito Santo (1Co.2:12,14). Além disso, a continuação
desta postura é justamente o elemento que distingui a verdadeira igreja
(1Jo.2:19,20).
Finalmente, ao nos voltarmos para o
Apocalipse encontramos em 3:5 a seguinte afirmação: “O vencedor será assim vestido de vestiduras brancas, e de modo
nenhum apagarei o seu nome do Livro da Vida; pelo contrário, confessarei o seu nome
diante de meu Pai e diante dos seus anjos”. As dinâmicas de confirmações textuais asseguram a
veracidade da tese de Beale. A heresia faz parte das convicções daqueles que
não foram escolhidos, chamados por Deus e não comprovam, automaticamente, em
seus testemunhos a fidelidade exigida.
Depois de
percorrer este caminho investigativo, observamos em primeiro lugar, a relação
de Ap.22:18,19 com Dt.4. Essa junção mostra o foco exortativo apresentado a
igreja. Em segundo lugar, a
condenação pelas antíteses hermenêuticas é chancelada, as quais estavam
presentes nos ensinos dos falsos mestres. Para a igreja esta advertência faz
com que pensemos na seriedade e importância em ser um “leitor intérprete”
(ouvinte intérprete no 1º séc.). Finalmente,
a garantia da salvação destacada no contexto remoto do Apocalipse expõe a
imutabilidade da salvação e da questão epistemológica que envolve o paradigma
revelacional que destaca a ação do Espírito Santo que nos fez entender
verdadeiramente a Palavra.
[1]
O
verbo “ἀναγινώσκω” usado em 1:3 (o cognato “ἀνάγνωσις” aparece em Tm.4:13) torna-se fundamental como
elemento probatório desta tese.(Ao ajo da igreja é o pastor). Isso se deve a
sua tradução que é “ler algo
que está escrito, normalmente em voz
alta, ou seja envolvendo expressão de viva voz” (LOUW;
NIDA, Léxico Grego- Português do Novo Testamento Baseado em Domínios
Semânticos, p.355). Assim, podemos parafrasear 1:3 da seguinte forma: “bem-aventurado
o que lê em voz alta e os que ouvem e os que guardam...” (Ap.1:3).
[2]
Osborne entende a paranomásia como “figura de
acréscimo ou de plenitude expressão”. Sua definição é a seguinte: “paranomásia
se refere às palavras semelhantes no som e colocadas lado a lado no texto, para
dar ênfase. Muitas vezes, as palavras são escolhidas para chamar a atenção do
leitor e comunicar a mensagem com eficácia”. OSBORNE Grant. Espiral Hermenêutica: Uma Nova Abordagem a
Interpretação Bíblica. São Paulo: Vida Nova, 2009, pp.156,157.
Nenhum comentário:
Postar um comentário