
Aproximações Exegéticas entre “o Serviço
dos santos” (oferta) de 2Co.8-9 e a prática do Dízimo de Dt.14:28-29 (dízimo).
Neste
ensaio elementos parentéticos serão trabalhados, para pensarmos nas
aproximações exegéticas presentes em Dt.14:28,29 e 2Co.8-9. Desta forma, as
reduções em foco trarão uma discussão introdutória sobre: [1] a relação do AT
com o NT, [2] o aspecto normativo das passagens em voga e [3] o alvo comum do
aspecto prescritivo. A defesa deste ensaio expõe a consonância existente entre
dízimo e oferta quanto as suas construções, de maneira que, não há razão
para a descontinuidade, mas certa continuidade, no que diz respeito ao aspecto
paradigmático da Lei e intertextualidade.
No
viés da genealogia da interpretação, encontramos algumas linhas exegéticas, quanto
a relação do AT com o NT, oriundas de pensadores em tempos distintos. Assim,
não há dúvida da consolidação do debate em torno deste tema teológico. A
questão passa pela seguinte problemática: “em que medida há continuidade ou
descontinuidade entre o sentido original das passagens do AT e o uso que o NT
faz delas?” (BEALE. Manual do Uso do Antigo Testamento no Novo Testamento,
2013, p.21). Esta resposta passa, primariamente, pela compreensão de Calvino,
quando afirma “a igualdade entre os testamentos, tendo administrações
diferentes” (CALVINO. A Instituição da Religião Cristã, 2007, pp.406-440).
Quanto as distinções em foco oriundas dos títulos AT e NT podem ser vistas,
segundo Dyck: “temporalmente (um é cronologicamente anterior ao outro),
qualitativamente (sendo que um é sombra do outro) e teologicamente
(relacionamento obsoleto, novo relacionamento baseado na redenção de Cristo)”.
Esta crença na unidade da Bíblia tinha implicações hermenêuticas diferentes
(DYCK. Hermenêutica, 2012, pp.38,39). Neste viés, trabalharemos com
percepção de Peter Vogt, a partir de sua “Abordagem paradigmática da Lei” (cf.
VOGT. Interpretação do Pentateuco, 2015, pp.25-47) e com “Abordagem
Canônica” que vê o texto em seu próprio mundo histórico e em sua forma final do
cânon (DYCK. Hermenêutica, 2012, p.41). Desta forma, podemos pensar numa
harmonização feita com considerandos teológicos distintos, rejeitando o fantasma
de Marcião de Sínope que tem assolado certos teólogos.
I.
Dt.14:28,29. “As estipulações da aliança” aparecem numa
extensão de Deuteronômio (12:1-26:15) que traz dentre estas, “o tributo ao
soberano” (MERRIL. Deuteronomy, NAC, 2001, p.239). Assim, as
normatizações em voga expõem o comando divino (14:22) quanto: ao lugar em que
comeriam e o objetivo dos dízimos (14:23), a dificuldade da distância com
sua resolução (14:24-26) e o amparo dirigido ao levita, estrangeiro, órfão e viúva
(14:27-29). Assim, dois elementos formavam a constituição do tributo em seu
viés litúrgico e social. Nosso interesse é pelo último: “o dízimo trienal” e
seu objetivo (14:28,29). Na verdade, a amplitude contextual (14:22-15:18)
descreve o que Christensen define como: “as preocupações humanitárias de
Deuteronômio que inclui três disposições para aliviar o sofrimento dos pobres
no antigo Israel” (CHRISTENSEN. Word Biblical Commentary: Deuteronomy 1-21:9,
2002, p.300). Os desdobramentos exegéticos que servem de substrato precisam ser
estabelecidos pela explicações que envolvem os conceitos de 14:28,29.
Em 14:28 encontramos, inicialmente, um aspecto
normativo prescrito da seguinte forma: “ao fim (מִקְצֵ֣ה lê-se: miqetseh) de três anos (שָׁלֹ֣שׁ שָׁנִ֗ים lê-se: shålosh
shånym) trarás/tirarás todos os dízimos (תּוֹצִיא֙ אֶת־כָּל־מַעְשַׂר֙ lê-se: totsy et kal maësar) da tua produção (תְּבוּאָ֣תְךָ֔ lê-se: tëvuåtëkha)
naquele ano (בַּשָּׁנָ֖ה lê-se: bashånåh)
e recolherás nas tuas portas (וְהִנַּחְתָּ֖ בִּשְׁעָרֶֽיךָ lê-se: vëhinachëtå
bishëåreykha)”. Assim, este dízimo trienal, fruto da produção anual, não deveria ser levado ao santuário, mas para
as portas da cidade, sendo que depois disto, segundo Dt.26:12-15, os que
contribuíam, precisariam confessar ao Senhor o que haviam feito e
orar por Suas bênçãos (KEIL; DELITZSCH. Commentary on the Old Testament,
2002, S.1:918). Os beneficiados com este tributo dado a YHVH eram: “o levita
(que não tem parte ou herança,14:27; 12.12), o estrangeiro (esses são os que
viveram permanentemente em Israel; cf. 1:16; 5:14; 10:18,19), o órfão e a
viúva” (cf.10:18). Em suma, todos aqueles que estavam desprovidos de condições (pobres
e necessitados) para sobreviverem. Esta percepção não foi exposta num vácuo
histórico, mesmo que com certa singularidade presenta na Lei, pois, como afirma
Matthews: “a preocupação com os necessitados era evidente nas coleções
jurídicas da Mesopotâmia em meados do terceiro milênio, mas isso geralmente
tratava da proteção dos direitos e da garantia da justiça nos tribunais, em vez
da provisão financeira” (MATTHEWS; CHAVALAS; WALTON. The IVP Bible Background Commentary: Old Testament, 2000, S. Dt 14:29).
II.2Co.8-9. Depois desta introdutória análise de Dt.14:28,29,
observaremos 2Co.8-9, focando o que Paulo chama: τῆς διακονίας
τῆς εἰς τοὺς ἁγίους (“...da assistência/serviço aos/para com os santos”,
2Co.8:4; 9:1) - ἡ διακονία τῆς λειτουργίας ταύτης (“a administração deste serviço”, 2Co 9:12,13). Esta διακονία (lê-se: diakonía) era vista pelos judeus como
apontamento para a distribuição de esmolas aos pobres (MATTHEWS;
CHAVALAS; WALTON. The IVP Bible Background Commentary: Old Testament, 2000,
S. Dt 14:29). A questão em foco envolvia
a coleta para os cristãos necessitados da Judeia (Rm.15:25,26; 1Co.16:1-3). Neste
viés de aproximação exegética, dois elementos são fundantes no processo de
análise proposto neste ensaio: 1) o alvo da ação benéfica que são os
pobres (mesmo que em Dt estes sejam identificados de formas diferentes) e 2)
a aparente antítese entre a conotação prescritiva de Dt.14:28,29 com a clara
voluntariedade de 2Co.8:2,3,8. A primeira é clara pelo substrato histórico
visto em suas delimitações (Rm.15:25,26; 1Co.16:1-3), mas, a segunda funcionará
com algumas reduções que envolvem o contexto imperatival dos capítulos de 2Co.
Por
essa via imperatival, observamos ἐπιτελέσατε (lê-se: epitelésate) o único
imperativo de 2Co.8 ligado ao infinitivo τὸ ποιῆσαι (lê-se:
tò poiêsai). A ideia paulina, por esta construção (8:11), atingia
o coração da preocupação do apóstolo que a igreja da Macedônia terminasse o que
havia começado. Adiar algo não resulta apenas numa diminuição da motivação para
concluir a tarefa, mas o atraso põe em dúvida sua disposição inicial (GARLAND.
2 Corinthians, NAC, 2001, p.380).
A intensificação disto se dá pelo uso do advérbio νυνί (lê-se: nyní), usado de
forma enfática aqui. Assim, voluntariedade e imperativo estão ligados, talvez,
numa dinâmica paradoxal ou de comprovação. Este elemento descreve a relação
parentética com Dt.14:28, pois, “o serviço dos santos”, de certa forma, tem
conotação prescritiva. Além disso, o significado “do serviço/da assistência”
visto verticalmente, expõe ações de graças dirigidas a Deus (9:12). Isso
complementado pela “obediência da vossa confissão quanto ao evangelho de Cristo”
(ἐπὶ τῇ ὑποταγῇ τῆς ὁμολογίας ὑμῶν εἰς τὸ εὐαγγέλιον τοῦ
Χριστοῦ, 9:13), a qual, tem como meio “a prova do
serviço” que levou os beneficiados a “glorificarem a Deus”. Em suma, entendemos
esta “confissão” (ὁμολογία, lê-se:
homologuía) como uma reivindicação, expressão de compromisso,
apontando para o afirmado: “o evangelho de Cristo” (HARRIS. The Second Epistle to the Corinthians: A Commentary on
the Greek Text, 2005, p. 653).
A
expressão τῇ ὑποταγῇ τῆς ὁμολογίας ὑμῶν
pode
ser traduzida, a partir de usos diferentes do genitivo: “obediência à sua
confissão” (genitivo subjetivo), “obediência criada pela sua
confissão” (genitivo objetivo), “obediência à sua confissão” (genitivo
aposicional). Segundo Garland a primeira opção parece melhor, pois esta “confissão”
deve ser mais do que clichês piedosos, na verdade, deve levar a ações, e não
somente palavras. A confissão “Jesus Cristo é o Senhor” acende sua generosidade
pelos santos de Jerusalém. Os destinatários cristãos judeus devem interpretar
essa expressão de amor autêntico dos gentios como um sinal da graça milagrosa
de Deus sobre todos. O único evangelho de Cristo traz reconciliação àqueles que
antes eram estrangeiros e antagonistas amargos (GARLAND. 2 Corinthians, NAC,
2001, p.414).
Depois deste sintético caminho investigativo, temos alguns pontos conclusivos em foco. Em primeiro lugar, a relação de continuísmo entre Dt.14:28,29 e 2Co.8-9, quanto a aplicabilidade histórica do elemento prescritivo supracultural, embora sem uma redução de valoração. Em segundo lugar, a descrição do “dízimo trienal” com considerandos exegéticos introdutórios, descrevendo a real e necessária postura para com os necessitados. Em terceiro lugar, numa leitura retrospectiva (do NT para o AT) percebemos o uso de Dt.14:28,29 como possibilidade intertextual. Portanto, não existe uma antítese ou substituição entre a oferta de 2Co,8-9 e Dt.14:28,29.
“A ressurreição dos
santos” ocorrida na morte/ressurreição de JESUS como SINAL que descreve a
grandeza destes eventos.
A Deo docetur, Deum docet, ad Deum ducit.[1]
“e eis que o véu do templo se rasgou em dois, de alto a
baixo; e tremeu a terra, e fenderam-se as pedras. e abriram-se os sepulcros, e
muitos corpos de santos que dormiam foram
ressuscitados; e, saindo
dos sepulcros, depois da ressurreição dele, entraram na cidade santa e apareceram
a muitos”. (mt.27:51-53).
Craig
explica que “evidências arqueológicas indicam que no judaísmo popular (não
oficial), os túmulos dos santos eram venerados” (KEENER, Craig S. InterVarsity Press: The IVP Bible Background
Commentary: New Testament, 1993, S. Mt 27:52).
“...
ao voltamos aos milagres relacionados com o nascimento de Jesus, o Filho de
Deus vindo ao mundo [...] há pouco a incomodar aqui na história da morte do
Filho de Deus” (ROBERTSON. Word
Pictures in the New Testament. Oak Harbor: Logos Research Systems, 1997, S. Mt 27).
Este texto tem contornos exegéticos complexos
para a determinação de suas devidas conclusões. São muitas as perguntas feitas
sobre ele, desenvolvidas “numa dimensão
teológica da interpretação” e “numa
dimensão interpretativa da teologia” (VANHOOZER. Há Um Significado nesse texto?, 2010, p.38), de maneira que as
problemáticas em questão unem estes dois polos. Além disso, a relação unidade/diversidade
do NT principalmente, no que diz respeito a escatologia, parece funcionar numa
antítese teológica (Mt;27:52,53; 1Co.15:50-57; 1Ts.4:13-18). Assim, conscientes
da grandeza do desafio em questão, buscaremos entender o fenômeno ocorrido com
suas implicações e proeminência (27:51-54), fundamentados no método gramático-histórico
de interpretação.[2]
A defesa neste ensaio pensa este fenômeno
de 27:52,53, como sinal miraculoso que serviu de substrato, para a grandeza do evento que o acompanha: a morte/ressurreição
do Senhor Jesus com seus benefícios soteriológicos inefáveis.
O caminho investigativo que será percorrido
neste ensaio, funcionará metodologicamente em suas fundamentações, buscando
entender elementos que permeiam o texto em voga, os quais envolvem: [1] as
identificações das questões sintáticas do texto grego e suas conclusões;
[2] a análise da relação contextual existente
entre 27:45-50 e 27:51-54 (delimitação do discurso); [3] o background da passagem entendido pelo viés
contextual dos leitores originais (leitor implícito) e [4] as problemáticas e sintéticas resoluções presentes
na passagem, explicadas pelas definições dos conceitos.
[1] As identificações das questões sintáticas do
texto grego e suas conclusões. Nosso primeiro passo na análise deste
texto passa pela observação de alguns pontos do texto grego de 27:51-53:
51 “Καὶ ἰδοὺ τὸ
καταπέτασμα τοῦ ναοῦ ἐσχίσθη ἀπ᾽ ἄνωθεν ἕως κάτω εἰς δύο καὶ ἡ γῆ ἐσείσθη
καὶ αἱ πέτραι ἐσχίσθησαν, [“E eis
que o véu do templo foi rasgado em dois, de alto a baixo; e foi feito
que tremesse a terra, e fendessem as pedras”].
52 καὶ τὰ μνημεῖα
ἀνεῴχθησαν καὶ πολλὰ σώματα
τῶν κεκοιμημένων ἁγίων ἠγέρθησαν, [“E foram abertos os sepulcros e muitos corpos de santos que dormiam (eufemismo, uso do particípio substantivado no perfeito) foram ressuscitados” (ACF, ARC).
53 καὶ ἐξελθόντες
ἐκ τῶν μνημείων μετὰ τὴν ἔγερσιν αὐτοῦ εἰσῆλθον εἰς τὴν ἁγίαν πόλιν καὶ ἐνεφανίσθησαν
πολλοῖς.” 53 [“e, enquanto saiam (uso
adverbial/temporal do particípio) dos
sepulcros, depois da ressurreição [uso temporal da locução preposicional] dele (“de Jesus”, ARA) entraram na cidade santa, e foram manifestos a muitos”].
Alguns pontos desta
tradução devem destacados: 1) os USOS
dos aoristos passivos (grifados) de 27:52,53, os quais funcionam como efeitos
contextuais de 27:51 (ROBERTSON. Word
Pictures in the New Testament, 1997, S. Mt 27:52). 2) o agente da passiva destes verbos (o responsável pela ação) que
parece ser Deus. Como
explica Newman: “se os tradutores fizeram de Deus o agente que fez tremer a
terra, quebrando pedras, então os túmulos também foram abertos por Ele” (NEWMAN;
STINE. A Handbook on the Gospel of
Matthew, 1992, p. 865); 3) a
última questão que talvez seja a mais complicada, é o uso da locução
preposicional “μετὰ τὴν ἔγερσιν αὐτοῦ” (“depois da ressurreição dele”, uso temporal), a qual parece sugerir um hiato entre a
morte e a ressureição de Cristo. Assim, “os santos foram ressuscitados”, quando Jesus morreu, mas
“foram manifestos a muitos em Jerusalém depois da ressurreição do Senhor”.
Carson entende que estes são dois momentos distintos, pois o v.52 está ligado a
morte (v.51), entretanto, o v.53 está ligado a ressurreição (28:1-10), assim: “não
há necessidade de ligar o terremoto e o abrir dos túmulos com a ressurreição
dos ‘santos’: os dois focos devem ser diferenciados” (CARSON. Mateus, 2010,
p.672). Em
consonância com isto, Hagner afirma: “Mateus quer conectar os túmulos
abertos com a ressurreição dos santos mortos, mas também conta com o fato
teológico de que Jesus deve ser o primeiro a ressuscitar” (HAGNER. Word Biblical
Commentary: Matthew 14-28, 2002, s.852).
[2] A análise da relação do co-texto existente
entre 27:45-50 e 27:51-54 (delimitação do discurso). Depois destes considerandos sintáticos do grego, pensemos
a dinâmica contextual de 27:51-54. Esta
delimitação proposta é defendida por alguns autores como Carson que a intitula da
seguinte forma: “impacto imediato da morte de Jesus” (CARSON. Mateus, 2010,
p.670); e Hagner que a pensa como: “eventos impressionantes que seguiram a
morte de Jesus” (HAGNER. Word Biblical
Commentary: Matthew 14-28, 2002, p.846). Em suma, “esta passagem deixa
claro o significado escatológico da crucificação, e que, sem fôlego, leva o
leitor ao clímax no v.54” (DAVIES; ALLISON. A
Critical and Exegetical Commentary on the Gospel According to Saint Matthew, 2004, p. 628). Com esta delimitação em foco observaremos a estrutura
subjacente a [estrutura] de superfície desse texto.
[3] O background da passagem entendido pelo viés
contextual dos leitores originais (leitor implícito). O background traz informações necessárias para a
composição do significado desta passagem. Craig explica que “evidências
arqueológicas indicam que no judaísmo popular (não oficial), os túmulos dos
santos eram venerados”. Por esta razão, “a ressureição dos santos indicava também
o poder Daquele que podia recriá-los” (Keener, Craig S.: Matthew, 1997 [The IVP New Testament Commentary Series 1], S. Mt
27:50). Chouinard neste viés também destaca que “no judaísmo do primeiro século
a veneração dos túmulos dos santos falecidos era um elemento importante da
piedade judaica. No entanto, com a morte e ressurreição de Jesus, os santos
venerados recebem vida” (CHOUINARD. Matthew. College Press, 1997 The College Press NIV Commentary, S. Mt
27:52). Além disso, devemos notar que “os
terremotos não eram vistos pelos antigos como caprichos da natureza, mas como respostas
à maldade humana. As vezes ligados ao advento de Deus ou a um ser sobrenatural com
julgamento e mortes de muitas pessoas e com uma tragédia em geral” (DAVIES; ALLISON.
A Critical and Exegetical Commentary on the Gospel
According to Saint Matthew, 2004, p. 634). Ao
lermos com esta perspectiva histórica, entendemos o evento sob a perspectiva
dos leitores originais. Nesse caso, a objetivação, no que diz respeito ao
engrandecimento da morte/ressurreição do Senhor.
[4] As problemáticas e sintéticas resoluções
presentes na passagem, explicadas pelas definições dos conceitos. A explicação dos conceitos do texto passa por algumas
considerações importantes. Em primeiro
lugar, a identificação daqueles que foram alvo de tal maravilha, os quais Mateus
chama de “santos” (ἁγίων genitivo plural de ἅγιος). Hagner
entende que “estes ‘ἁγίων’ devem
ser os justos judeus do tempo precedente ao de Jesus, talvez os patriarcas,
profetas ou mártires, embora os leitores de Mateus pensem na eventual
ressurreição dos cristãos” (HAGNER, Donald A.: Word Biblical Commentary: Matthew 14-28, 2002, s. 849). Assim, a
síntese entre o passado judaico e o presente cristão está em voga (DAVIES; ALLISON.
A Critical and Exegetical Commentary on the Gospel
According to Saint Matthew, 2004, S. 634). Em
segundo lugar, observemos que de forma paralela este adjetivo é usado também
para Jerusalém (τὴν ἁγίαν πόλιν, “a
santa cidade”, 27:53). Assim, “o santos”
foram manifestos na “cidade santa”. Davis e Alisson pensam que a expressão “τὴν ἁγίαν πόλιν”: “deve ser lida como ironia” (DAVIES; ALLISON. A
Critical and Exegetical Commentary on the Gospel According to Saint Matthew, 2004, S. 635). Entretanto, Spence pensa numa conotação
paradoxal em voga, pois, “Jerusalém (cf.Mt.4:5) ainda é a cidade santa. Ela
retem o templo com seus serviços, o ministério e as Escrituras” (Spence-Jones,
H. D. M. The Pulpit Commentary: St.
Matthew Vol. II, 2004, p. 595). Ainda existem aqueles que preferem metaforizar
“Jerusalém” neste texto, como se fosse a “celestial” (Ap.21:1,2). Entretanto, como
observamos na tradução, “depois da ressurreição de Cristo os santos na cidade
santa apareceram a muitos” (27:53). Por isso, o texto não dá a menor indicação
de que esta conotação esteja em voga aqui (HAGNER,
Donald A.: Word Biblical Commentary:
Matthew 14-28, 2002, p. 849). Em terceiro
lugar, quanto ao ocorrido com “os
santos” algumas interpretações são levantadas por Carson: [1] “é um relato de
ressurreição deslocado, originalmente ligado ao terremoto de 28.2”; [2] “um hino cristão primitivo” ou [3]
“esses versículos são um midrash, uma
representação simbólica de determinadas ideias teológicas sobre o triunfo de
Jesus e o alvorecer da nova era” (CARSON. Mateus, 2010, pp.671,672). Além disso, “muitos veem aqui uma demonstração visível de que a morte e ressurreição
de Cristo efetuaram a libertação de Sheol-Hades dos justos mortos (Ef.4:8,9).
Entretanto, o que aconteceu com esses santos ressuscitados subsequentemente não
é declarado” (PFEIFFER; HARRISON. The Wycliffe Bible
Commentary: New Testament. Chicago: Moody Press, 1962, S. Mt 27:51). A última questão envolve o hiato (tratado na tradução),
pois a primazia da ressurreição de
Cristo em relação as outras deve ser preservada.
Dentre estas alternativas
observaremos a dificuldade com a primeira (a mais contundente), por menos três
motivos levantados: (1) A perícope
interromperia a narrativa de Mateus 28. (2)
O relato é mantido junto por dois focos — a morte e a ressurreição de Jesus.
Portanto, seria ainda mais estranho Mateus pôr esse relato junto com as perícopes
da ressurreição que com as perícopes da paixão. Ligar a cruz com o sepulcro
vazio em uma aplicação teológica unificada não é isento de dificuldades, independentemente
de se a perícope em questão está localizada com a história da cruz ou com o
relato da ressurreição. (3). De
forma mais positiva a localização dessa perícope com outros versículos, lidando
com o impacto imediato da morte de Jesus pode ser peculiarmente mais apropriado,
uma vez que eles também apontam para o futuro. A obra de Jesus na cruz está presa
a sua iminente ressurreição; juntas elas inauguram a nova era e prometem vida
escatológica. Em suma, a ressurreição dos “santos” começa uma nova sentença e
está ligada apenas à ressurreição de Jesus. Portanto, Mateus não pretende que
seus leitores pensem que esses “santos” foram ressuscitados, quando Jesus
morreu e, depois, esperaram no túmulo até o domingo de Páscoa para aparecer. De
todo jeito, a ideia é um pouquinho absurda: não há mais motivo para achar que
eles foram impedidos pela substância material do que o foi o Senhor ressurreto,
a pedra que tampava a entrada de seu sepulcro foi removida para deixar que as
testemunhas entrassem no sepulcro, e não para deixá-lo sair (CARSON. Mateus, 2010, pp.672,673).
Finalmente nos deteremos
para a defesa deste ensaio. Portanto, é possível pensar no ocorrido em 27:52,53
como “sinal”,
ou seja, algo miraculoso que apontava para a grandeza da morte/ressurreição
do Senhor com seus benefícios inefáveis. Isso observamos imediatamente
depois destes eventos nas palavras de reconhecimento do centurião e dos que
juntamente com ele guardavam a Jesus: “verdadeiramente
este era o filho de Deus” (27:54). Assim, “ao lado das testemunhas transfiguradas de Jesus, Mateus
posiciona as pessoas que confessaram o seu nome” (RIENECKER. Comentário Esperança, Evangelho De Mateus,
1998; 2008, p. 444). Robertson também define isso: “ao voltamos aos milagres
relacionados com o nascimento de Jesus, o Filho de Deus vindo ao mundo [...] há
pouco a incomodar aqui nesta história da morte do Filho de Deus” (ROBERTSON. Word Pictures in the New Testament, 1997, S. Mt 27). O foco cristológico desta passagem define que Jesus é
Senhor sobre os vivos e mortos (MORRIS. The
Gospel According to Matthew, 1992, p. 725). A declaração observada de 27:54
dos centurião e dos guardas (independente do que viram realmente) chancela
também isto. Eles identificaram Aquele que morrera na cruz como “Filho de Deus”
(ἀληθῶς
θεοῦ υἱὸς ἦν οὗτος. 27:54). Mesmo sem o artigo υἱὸς (“o
Filho”) não destaca uma indefinição, pois como explica Hagner “esse é o clímax
de Seu ministério terreno” (HAGNER, Donald A.: Word Biblical Commentary: Matthew 14-28,
2002, s. 852). Blomberg considera que
“Jesus como único Filho de Deus destaca Sua divindade, a qual aqueles que
reconheceram, estavam a par de alguma forma” (BLOMBERG. Matthew, 2001, [The New American Commentary 22], p. 422). Nesse
viés de interpretação nosso foco está mais fundamentado no apontamento deste
evento miraculoso, ou sua devida proeminência. Assim, as questões internas que
envolvem a ressurreição dos santos não são exploradas de forma exaustiva, pois
como “sinal” pertence a categoria dos feitos extraordinários do Senhor Deus.
Ao pensarmos em todas as perguntas que veem desse texto (talvez hermeneuticamente indevidas), pode ser que estejamos percorrendo um viés antagônico a questão hermenêutico/teológica em foco. Podemos ler 27:51-54 numa fundamentação cristológica, de maneira que o evento miraculoso ocorrido, possa ser de alguma forma, o substrato da morte/ressureição do Senhor Jesus. Em consonância a isso, ocorreram poderosos sinais miraculosos em todo o Seu ministério, definindo que de fato era o Cristo (Mt.12:28; Jo.2:11; At.2:22-28). Assim, Mt.27:52,53 destaca o último deles, ligando o evento miraculoso a sua devida direção.
[1] Três aspectos da Teologia: “é ensinada por
Deus, ensina a Deus e conduz a Deus” (Tomás de Aquino).
[2] Anglada
define esse método hermenêutico da seguinte forma: “trata-se de um sistema de
interpretação bíblica fundamentado em pressupostos teológicos escriturísticos,
que emprega princípios gerais e metodologias linguísticas e históricas
consistentes com o caráter divino humano das Escrituras”. ANGLADA Paulo.
Introdução a Hermenêutica Reformada,
pp.71,72.
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