quarta-feira, 26 de maio de 2021


          “...E CRIO O MAL”: Is 45:7 VISTO NUMA DINÂMICA EXEGÉTICA.

 

A Deo docetur, Deum docet, ad Deum ducit (Três aspectos da Teologia:  “é ensinada por Deus, ensina a Deus e conduz a Deus” Tomás de Aquino).





     O texto de Is.45:7 produz numa leitura dissociada de seus elementos contextuais a impressão de que Deus “é o criador do mal”. Entretanto, tal afirmação tem suas problemáticas declaradas, a partir de vários pontos. O foco deste ensaio (de forma sintética) passa pelo propósito de expor isto, numa redução que envolve a exegese. Por esta razão, Is.45:7 será submetido a dois fundamentos, objetivando a busca de seu devido significado: 1) seu contexto histórico-religioso presente na época de Isaías que estava em antítese as percepções da Sagrada Escritura e 2) o recurso retórico usado que traz o paralelismo antitético na construção dos termos.

      O primeiro problema presente na leitura de 45:7, como algo isento de progressividade argumentativa, passa pela necessária acomodação ao aspecto mais amplo que envolve direcionamentos imperativos a atividade hermenêutica. É possível pensar numa estrutura, a qual passa pela extensão de Is.44:24 a 45:14, expondo as falas do Senhor para Israel e Ciro. Nesse caso, Israel ouve que “Eu, o Senhor sou o redentor e criador de todas as coisas” (Is.44:24) que “valido as profecias dirigidas a Jerusalém” (Is.44:25,26), “controlo toda a natureza” (Is.44:27) e “chamo Ciro[1], para reconstruir Jerusalém” (Is.44:28). Essas máximas precedem Is.45 e servem de fundamento para a exposição profética que enfatiza o trabalho de Ciro, “a mão direita e ungido de YHWH” (Is.45:1-7). Depois desta manifestação da soberania do Senhor o texto mais uma informa para Israel (Is.45:8-13): “Eu Sou YHWH criador por meu próprio direito, por isso, ai daqueles que questionam meu direito de fazer isso!” (45:9-11), “Eu criei o mundo (45:12) e levanto Ciro para reconstruir minha cidade (45:13)”. Assim, observemos que Is.45:7 está nesse contexto de declarações divinas aos personagens citados (WATTS. Word Biblical Commentary: Isaiah 34-66, p. 154). Esta síntese corrobora com a discussão proposta pelo texto em sua dinâmica contextual.

      Outro ponto a ser observado está relacionado ao contexto religioso (histórico) da passagem em questão. Isso se deve ao dualismo presente na religiosidade persa, a qual distinguia os deuses pelos paralelos construídos (bem-mal) e que provavelmente era bem conhecida por Isaías.[2] De forma mais específica Carson fala do ataque ao dualismo zoroastriano, com seus deuses rivais do bem e do mal. Entretanto, também considera que este versículo é igualmente oposto ao politeísmo, o alvo da maioria dos invectivos desses capítulos (CARSON. New Bible Commentary: 21st Century Edition, s. Is 45:1). Mesmo com algumas distinções em foco afirmamos que Is.45:7, funciona como crítica para a religiosidade presente no tempo de Isaías. Assim, as máximas do profeta destacam que YHVH é soberano sobre tudo e todos (Is.44:24; 45:1,8-12) em antítese ao dualismo e politeísmo.

    Estes elementos preliminares descrevem os pontos mais amplos em voga. Assim, temos, agora, condições de nos voltarmos para entendermos 45:7 em subserviência aos seus contextos. Inicialmente, atentemos aos particípios usados nesse verso destacam isso:

   יוֹצֵר    (yotser - formo) בוֹרֵא (boreh - crio)  עֹשֶׂה (hosoh - faço)

     בוֹרֵא (boreh - crio) 

אֲנִי יְהוָה עֹשֶׂה כָל־אֵלֶּה     -  “eu mesmo YHWH faço todas estas coisas”.

    Além disso, foquemos no paralelismo antitético presente neste verso. Ele funciona da seguinte forma:  

 

·         A. “luz” (אוֹר  - hor)             B. “trevas  (חֹשֶׁךְ – hoshekh)  

·         A. “paz” (שָׁלוֹם  - shalom)  B. “mal” (רַע – rah).

   Por este recurso identificamos cada termo pelo seu oposto. Sendo assim, o “mal” é o oposto da “paz”. Por esta razão este verso não tem como objetivo apontar e afirmar que “Deus é o criador do mal” em seu caráter ontológico. Pelo contexto, como foi analisado, o profeta demonstra que o Senhor é soberano sobre as calamidades (45:1-3,14) que viriam a partir de Seu propósito para com a restauração de Israel, por meio de Ciro. Estas antíteses em suas amplitudes pelo contexto servem para entendermos “as trevas” e “maldades”, como os julgamentos penais (as nações não eleitas 45:1) e de outro lado, “a luz”, “a paz” ou “a salvação” se manifestam para o povo de Deus (Israel 45:1 os eleitos). Assim, este “mal” que o Senhor cria é a antítese da paz (Sl.65:7; Am.3:6). Como o oposto dela não é pecado ou mal moral. É óbvio que o mal físico, ou as consequências calamitosas de maus tratos são destinados aqui (PFEIFFER. The Wycliffe Bible Commentary: Old Testament, S. Is 45:7).[3]  Keil Delitzsch explicam que “sem dúvida, o mal como um ato não é o trabalho direto de Deus, mas o ato espontâneo de uma criatura dotada de liberdade (KEIL; DELITZSCH. Commentary on the Old Testament, p. 7:445)..[4] Essa percepção destaca os agentes do mal em seu sentido ontológico.

    Concluímos que não é possível afirmar que “Deus é o criador do mal”, partir de Is.45:7. A ênfase desse texto não é essa. Como observamos a questão é justamente chancelar a grandeza de YHWH em relação aos ídolos estabelecidos pelo dualismo ou politeísmo, os quais não são nada diante d’Ele (Is.45:9-11). O Deus de Israel não particiona nem é construído por mãos humanas. Ele é o criador de tudo. Tudo está nas Suas mãos, por isso afirma: “Eu sou o SENHOR e não outro além de mim...”(Is.45:5). Seus olhos estão dirigidos ao Seu povo e por/para ele age soberanamente (Is.44:1,2; 45:4).

 


[1] Ciro da Pérsia foi um dos maiores conquistadores da história mundial. Ele herdou o trono da Pérsia de seu pai, Cambyses I, em 559. Em 556, o rei babilônico Nabonidus, motivado por um sonho, abandonou o tratado que seu país manteve com os medos há mais de meio século e fez um tratado com Ciro . Isso deu a Ciro  a liberdade de se mover contra os Medes (governado por seu avô Astyges) a quem conquistou em 550. O novo Império Medo-Persa foi assim formado, com controle sobre a totalidade do Irã. Em 546, ele derrotou o reino anatólio de Lídia e Ionia. Nos próximos cinco anos, ele consolidou seu controle sobre as tribos no nordeste do Irã. Todo esse sucesso abriu o caminho para sua conquista, a conquista da Babilônia em 539 a.C. Todo o Oriente Próximo (excluindo o Egito) estava sob o controle dos persas quando Ciro foi morto na batalha em 530. MATTHEWS, Victor Harold ;  CHAVALAS, Mark W. ; WALTON, John H.: The IVP Bible Background Commentary : Old Testament. electronic ed. Downers Grove, IL : InterVarsity Press, 2000, S. Is 45:1.

[2] É bastante razoável supor que Isaías esteja familiarizado com a crença dos persas e dos medos, que entraram em contato com os assírios desde 830 a.C. Spence-Jones, H. D. M. (Hrsg.): The Pulpit Commentary: Isaiah Vol. II. Bellingham, WA: Logos Research Systems, Inc., 2004, p. 174

[3] PFEIFFER, Charles F.: The Wycliffe Bible Commentary : Old Testament. Chicago : Moody Press, 1962, S. Is 45:7.

[4]  KEIL, Carl Friedrich; DELITZSCH, Franz: Commentary on the Old Testament. Peabody, MA : Hendrickson, 2002, S. 7:445.


Nenhum comentário:

    De que forma o NT interpreta a Teologia da Criação do AT? Um Estudo de caso envolvendo Hb.11:3         Neste ensaio discutiremos a seg...