“...E CRIO O MAL”: Is 45:7 VISTO NUMA
DINÂMICA EXEGÉTICA.
A Deo docetur, Deum docet, ad
Deum ducit (Três
aspectos da Teologia: “é ensinada por Deus, ensina a Deus e conduz a
Deus” Tomás de Aquino).
O texto de Is.45:7 produz numa leitura
dissociada de seus elementos contextuais a impressão de que Deus “é o criador
do mal”. Entretanto, tal afirmação tem suas problemáticas declaradas, a partir
de vários pontos. O foco deste ensaio (de forma sintética) passa pelo propósito
de expor isto, numa redução que envolve a exegese. Por esta razão, Is.45:7 será
submetido a dois fundamentos, objetivando a busca de seu devido significado: 1) seu contexto histórico-religioso
presente na época de Isaías que estava em antítese as percepções da Sagrada
Escritura e 2) o recurso retórico usado que traz o paralelismo
antitético na construção dos termos.
O primeiro problema presente na
leitura de 45:7, como algo isento de progressividade argumentativa, passa pela
necessária acomodação ao aspecto mais amplo que envolve direcionamentos imperativos
a atividade hermenêutica. É possível pensar numa estrutura, a qual passa pela
extensão de Is.44:24 a 45:14, expondo as falas do Senhor para Israel e Ciro. Nesse
caso, Israel ouve que “Eu, o Senhor sou o redentor e criador de todas as
coisas” (Is.44:24) que “valido as profecias dirigidas a Jerusalém”
(Is.44:25,26), “controlo toda a natureza” (Is.44:27) e “chamo Ciro[1],
para reconstruir Jerusalém” (Is.44:28). Essas máximas precedem Is.45 e servem
de fundamento para a exposição profética que enfatiza o trabalho de Ciro, “a
mão direita e ungido de YHWH” (Is.45:1-7). Depois desta manifestação da
soberania do Senhor o texto mais uma informa para Israel (Is.45:8-13): “Eu
Sou YHWH criador por meu próprio direito, por isso, ai daqueles que questionam meu
direito de fazer isso!” (45:9-11), “Eu criei o mundo (45:12) e levanto
Ciro para reconstruir minha cidade (45:13)”. Assim, observemos que Is.45:7 está
nesse contexto de declarações divinas aos personagens citados (WATTS.
Word Biblical Commentary: Isaiah 34-66,
p. 154). Esta síntese corrobora com a
discussão proposta pelo texto em sua dinâmica contextual.
Outro ponto a ser
observado está relacionado ao contexto religioso (histórico) da passagem em
questão. Isso se deve ao dualismo presente na religiosidade persa, a qual distinguia
os deuses pelos paralelos construídos (bem-mal) e que provavelmente era bem
conhecida por Isaías.[2]
De forma mais específica Carson fala do ataque ao dualismo zoroastriano, com
seus deuses rivais do bem e do mal. Entretanto, também considera que este versículo é igualmente oposto ao
politeísmo, o alvo da maioria dos invectivos desses capítulos (CARSON. New
Bible Commentary: 21st Century Edition, s. Is 45:1). Mesmo com algumas distinções em foco afirmamos que
Is.45:7, funciona como crítica para a religiosidade presente no tempo de
Isaías. Assim, as máximas do profeta destacam que YHVH é soberano sobre tudo e
todos (Is.44:24; 45:1,8-12) em antítese ao dualismo e politeísmo.
Estes elementos preliminares descrevem
os pontos mais amplos em voga. Assim, temos, agora, condições de nos voltarmos
para entendermos 45:7 em subserviência aos seus contextos. Inicialmente, atentemos
aos particípios usados nesse verso destacam isso:
יוֹצֵר (yotser - formo) בוֹרֵא (boreh
- crio) עֹשֶׂה (hosoh
- faço)
בוֹרֵא (boreh - crio)
אֲנִי יְהוָה עֹשֶׂה כָל־אֵלֶּה - “eu mesmo YHWH faço
todas estas coisas”.
Além disso, foquemos no
paralelismo antitético presente neste verso. Ele funciona da seguinte forma:
·
A. “luz” (אוֹר - hor) B.
“trevas” (חֹשֶׁךְ – hoshekh)
·
A. “paz” (שָׁלוֹם - shalom) B. “mal” (רַע – rah).
Por este recurso identificamos cada termo pelo seu oposto. Sendo assim,
o “mal” é o oposto da “paz”. Por esta razão este verso não tem como objetivo
apontar e afirmar que “Deus é o criador do mal” em seu caráter ontológico. Pelo
contexto, como foi analisado, o profeta demonstra que o Senhor é soberano sobre
as calamidades (45:1-3,14) que viriam a partir de Seu propósito para com a
restauração de Israel, por meio de Ciro. Estas antíteses em suas amplitudes pelo
contexto servem para entendermos “as trevas” e “maldades”, como os julgamentos
penais (as nações não eleitas 45:1) e de outro lado, “a luz”, “a paz” ou “a
salvação” se manifestam para o povo de Deus (Israel 45:1 os eleitos). Assim,
este “mal” que o Senhor cria é a antítese da paz (Sl.65:7; Am.3:6). Como o oposto
dela não é pecado ou mal moral. É óbvio que o mal físico, ou as consequências
calamitosas de maus tratos são destinados aqui (PFEIFFER. The
Wycliffe Bible Commentary: Old Testament, S. Is 45:7).[3] Keil Delitzsch explicam que “sem dúvida, o
mal como um ato não é o trabalho direto de Deus, mas o ato espontâneo de uma
criatura dotada de liberdade (KEIL; DELITZSCH. Commentary on the
Old Testament, p. 7:445)..[4]
Essa percepção destaca os agentes do
mal em seu sentido ontológico.
Concluímos que não é possível
afirmar que “Deus é o criador do mal”, partir de Is.45:7. A ênfase desse texto
não é essa. Como observamos a questão é justamente chancelar a grandeza de YHWH
em relação aos ídolos estabelecidos pelo dualismo ou politeísmo, os quais não
são nada diante d’Ele (Is.45:9-11). O Deus de Israel não particiona nem é
construído por mãos humanas. Ele é o criador de tudo. Tudo está nas Suas mãos,
por isso afirma: “Eu sou o SENHOR e não outro além de mim...”(Is.45:5). Seus
olhos estão dirigidos ao Seu povo e por/para ele age soberanamente (Is.44:1,2;
45:4).
[1]
Ciro da Pérsia foi um dos maiores conquistadores da história mundial. Ele
herdou o trono da Pérsia de seu pai, Cambyses I, em 559. Em 556, o rei
babilônico Nabonidus, motivado por um sonho, abandonou o tratado que seu país
manteve com os medos há mais de meio século e fez um tratado com Ciro . Isso
deu a Ciro a liberdade de se mover
contra os Medes (governado por seu avô Astyges) a quem conquistou em 550. O
novo Império Medo-Persa foi assim formado, com controle sobre a totalidade do
Irã. Em 546, ele derrotou o reino anatólio de Lídia e Ionia. Nos próximos cinco
anos, ele consolidou seu controle sobre as tribos no nordeste do Irã. Todo esse
sucesso abriu o caminho para sua conquista, a conquista da Babilônia em 539 a.C.
Todo o Oriente Próximo (excluindo o Egito) estava sob o controle dos persas
quando Ciro foi morto na batalha em 530. MATTHEWS, Victor Harold ;
CHAVALAS, Mark W. ; WALTON, John H.: The
IVP Bible Background Commentary : Old Testament. electronic ed. Downers
Grove, IL : InterVarsity Press, 2000, S. Is 45:1.
[2]
É bastante razoável supor que Isaías esteja familiarizado com a crença
dos persas e dos medos, que entraram em contato com os assírios desde 830 a.C. Spence-Jones,
H. D. M. (Hrsg.): The Pulpit Commentary:
Isaiah Vol. II. Bellingham,
WA: Logos Research Systems, Inc., 2004, p. 174
[3] PFEIFFER, Charles F.: The Wycliffe
Bible Commentary : Old Testament. Chicago : Moody Press, 1962, S. Is 45:7.
[4]
KEIL, Carl Friedrich; DELITZSCH,
Franz: Commentary on the Old Testament.
Peabody, MA : Hendrickson, 2002, S. 7:445.
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