O Batismo de Rm.6:3 visto como “Metafórico”, a luz da percepção
de James Dunn.
“...fomos batizados
em Cristo Jesus” (... ὅσοι ἐβαπτίσθημεν εἰς
Χριστὸν Ἰησοῦν).
“o batismo como a
expressão psicologicamente culminante de compromisso e auto identificação com o
último Adão. A fé do batizado é, obviamente, tida como certa” (DUNN. WBC, Romans,
p.314).
Este
ensaio trará alguns aspectos norteadores de fundamento exegético para a compreensão
de Rm.6:3. A tarefa em voga não pode ser vista como simples, pois as
complexidades que a cercam são realidades plausíveis. Uma delas passa pela junção
da dimensão teológica da interpretação com a dimensão interpretativa
da teologia, porquanto as associações têm conotações distintas. Para esta
empreitada investigativa alguns
estudiosos corroborarão com suas percepções (Lutero, Barth, Dunn, Lloyd Jones, Schneider,
Osborne e outros), entretanto, a defesa exposta passará pelas considerações
oriundas das argumentações fundantes de James Dunn, pois vê o “batismo” de 6:3
como “metafórico”.
O primeiro ato deste ensaio passa pela
exposição sintética de outras duas teses defendidas quanto Rm.6:3 (“...fomos batizados em Cristo Jesus” (... ὅσοι ἐβαπτίσθημεν εἰς Χριστὸν Ἰησοῦν). Em primeiro lugar, Martyn Lloyd-Jones
(1899-1981), em seu extenso comentário de Romanos, questiona a luz do contexto
(6:2): “como morremos para o pecado?” Sua exposição tem alguns aspectos basilares,
mas sua tese passa pelo “batismo pelo Espírito” (1Co.12:13). Isto se deve ao
fato de que esta é a forma, a qual “o Espírito nos batiza no corpo e nos
incorpora e nos liga a Cristo” (JONES. Romanos,
Exposição sobre o Capítulo 6: O Novo Homem, p.53). Em segundo lugar, temos
o viés sacramental com um número considerável de representantes. Karl Barth
descreve este batismo como “um meio de graça” (BARTH. Carta aos Romanos,
p.295). Charles Hodge afirma que “o significado e propósito desse sacramento, e
a natureza da união com Cristo, da qual o batismo é o sinal e o selo”. (HODGE. Commentary on the Epistle
to the Romans, 1835. The Crossway Classic Commentaries (Rm 6:3). Neste viés, Lutero afirma que este sacramento é para o
homem interior como em 6:6 (LUTERO. Comentario de la Carta de los Romanos,
1522, p.225). Talvez, não é exagero afirmar que esta última linha de
interpretação tem um número maior de representantes no evangelicalismo
brasileiro.
Outro elemento a ser observado passa pela observância
dos pontos desenvolvidos, a partir da tradução de: ... ὅσοι ἐβαπτίσθημεν εἰς Χριστὸν Ἰησοῦν... 6:3). Esta afirmativa de Paulo passa pelo nominativo sujeito
(NS) ὅσοι (hósoi, “todos aqueles que”) como em 8:14, seguido do
verbo ἐβαπτίσθημεν (ebaptísthemen) no aoristo e na voz passiva
(posteriormente veremos o agente da passiva). Se faz necessário observar que este
verbo βαπτίζω (baptízo, raiz de ἐβαπτίσθημεν) aparece somente aqui em Romanos, entretanto encontramos
um uso idêntico quanto a construção morfológica em
1Co.12:13: καὶ γὰρ ἐν ἑνὶ πνεύματι ἡμεῖς πάντες εἰς ἓν σῶμα ἐβαπτίσθημεν... (“pois, em um só Espírito,
todos nós fomos batizados em um corpo”... ARA). Finalmente, a locução preposicional εἰς
Χριστὸν Ἰησοῦν fecha o verso e requer mais extensas considerações. Inicialmente,
ao pensarmos nos usos básicos que envolvem a preposição εἰς (eis) algumas possibilidades podem ser observadas, entretanto,
duas se destacam aqui: “espacial (‘para dentro de’) e referência/respeito (‘com
respeito, com referência a’) com suas associações com o acusativo como ‘objeto direto
ou de referência’” (cf. WALLACE. Gramática Grega, pp.179, 203, 369). Como
“espacial” chancela a união com Cristo, significando algum movimento (“para
dentro de”) como destaca John Stott (STOTT. Romanos, p.103). Além disso,
Schneider amplia: “aqueles que são batizados pertencem a Cristo e estão unidos
a Ele” (SCHREINER. Vol. 6: Romans. Baker Exegetical
commentary on the New Testament, p.307).
Osborne entende o acusativo de referência ligado à declaração do credo
primitivo de que alguém era (batizado) “em nome do Pai e do Filho e do Espírito
Santo” (Mt 28:19; At.8:16, 19:3,5; Gl.3:27), significando “uma união com” a
Divindade (OSBORNE. Romans. The IVP New Testament commentary series,
p.150). Cranfield alarga a discussão ao destacar que “ser batizado em Cristo
Jesus” é sinônimo de “ser batizado dentro do nome de Cristo Jesus” (ἐν τῷ ὀνόματι Χριστοῦ Ἰησοῦ) e “ser batizados no nome de Cristo Jesus” (εἰς τὸ ὄνομα Χριστοῦ Ἰησοῦ; Mt.28:19; At.8:16; 19:5 At.10:48). Assim, tudo quanto
Paulo deseja transmitir aqui, passa a ser o mero fato de que as pessoas
envolvidas receberam o batismo cristão. Ao mesmo tempo, porém, a expressão que
ele usa, sugere (como fazem também as expressões que envolvem o uso da palavra
“nome”) — e isto foi, sem dúvida geralmente admitido por toda a igreja
primitiva — que o batismo tem a ver com um relacionamento pessoal decisivo
entre o crente individual e Cristo (CRANFIELD.
Romanos, p.130). Entretanto, Dunn mostra que a frase mais longa (εἰς
Χριστὸν Ἰησοῦν) se refere, diretamente
ao ato ritual (como 1 Co.1:13-16 indica claramente), mas é difícil evitar a
conclusão de que em Paulo o εἰς
(eis), na (frase) mais curta (εἰς τὸ ὄνομα Χριστοῦ, “no nome
de Cristo”), pretendia ter um sentido mais significativo do que “com referência
à”. Na verdade, o sentido de movimento para se envolver com ou parte está
certamente implícito na sequência de pensamento aqui (vs.3-5), como também nos
outros paralelos mais próximos (1Co.12:13; Gl.3:27; 1 Co10:2 sendo modelado
tipologicamente na formulação). Além disso, o aoristo passivo (ἐβαπτίσθημεν (ebaptísthemen, “fomos
batizados”) descreve a ação de Deus (DUNN. Word Biblical Commentary: Romans,
p.311). Com isto passamos a estar mais conectados as discussões que envolvem o texto grego. Entretanto,
precisamos ter em mente a progressividade em voga, porquanto estes aspectos
preliminares são importantes.
Depois destas primeiras considerações a
problemática ainda está em voga: de que forma Paulo trabalha o batismo de
6:3? Como foi dito a resposta passará pelas percepções de James Dunn (e
seus avaliadores). Assim, como ele destaca: “em si, a frase deixa em aberto a
questão, neste caso, se o ato divino acontece em e por meio do ato
ritual (como 6:4 pode implicar) ou é, antes, imaginado por este
ato/ritual (como o uso metafórico cunhado pelo Batista sugere – Mc.1:8 ¾
DUNN. WBC, p.311). Depois desta consideração Dunn afirma sua tese: “estou mais
persuadido a favor do último e posso referir-me simplesmente ao Batismo e ‘nascimento
de uma metáfora’ para um tratamento mais completo” (DUNN. WBC, p.311). Ao
lermos estas falas pode ser que nossa reação passe pelo seguinte
questionamento: quais são as bases de tal afirmativa?
James Dunn
não nos deixa desprovidos de substratos para responder a problemática em voga. Inicialmente,
ele o faz numa dinâmica de crítica a abordagem sacramental, porquanto “não
há nada em Paulo que mostre sua pretensão em usar o verbo em um sentido
abrangente – ‘batizado’, seja como a realidade interna efetuada em conjunção
ou mesmo por meio da ação humana, ou como uma descrição de toda a realidade
sacramental” (DUNN. WBC, p.311). A ligação com João Batista é pedagógica,
já que em todos os quatro casos claramente indica o “batizar” em referência ao
ato/ritual e como metáfora, ficando lado a lado sem fusão ou identificação. Ao
mesmo tempo, a vitalidade contínua da metáfora depende do significado contínuo
do ato/ritual dentro do processo de iniciação, desta forma, somente se o
batismo continuar a fornecer o foco e a ocasião para o encontro divino-humano
servirá como metáfora para a divino iniciativa neste encontro (DUNN. WBC, p.312).
Assim, Paulo está aqui assumindo um uso metafórico já familiar na tradição
cristã (de seu tempo). Como observado, sabemos que havia uma tradição bem
estabelecida de João Batista, anunciando alguém que batizaria, “não com água (como
ele fazia), mas com o Espírito e fogo” (Mt.3:11; Mc.1:8; Lc.3:16; Jo.1:33). É
possível compreender também que o próprio Jesus provavelmente pegou e adaptou
essa metáfora, referindo-se a sua própria morte (Mc.10:38-39; Lc.12:49-50).
Lucas nos diz que isso era familiar nos primeiros dias da igreja,
particularmente com referência ao Pentecostes e experiências iniciatórias
semelhantes do Espírito (At.1:5; 11:16, DUNN. WBC, p.327). Finalmente, o
teólogo britânico entende que para Paulo todos os crentes estavam ligados por
uma experiência comum da graça (5:17; 1Co.1:4-5; 15:10; 2Co.6:1; Gl.1:6), por
uma participação comum no Espírito (1.Co.12,13; 2Co.13:13; Fp.2:1; Ef.4:3). É
provavelmente esta experiência de seus leitores com a graça do Espírito, a qual
o apóstolo se refere aqui, usando uma metáfora cuja familiaridade ele poderia
igualmente tomar como certa (DUNN. WBC, p.327). Esta síntese nos possibilita a
compreensão dos elementos probatórios usados para a interpretação deste teólogo
britânico.
Portanto, esta
abordagem “metafórica” pensa o batismo como algo “imaginário”, demonstrando uma
ligação (histórica) entre o salvo e o Senhor Jesus. É verdade que ela não está
isenta de discordâncias, entretanto, parece ser a mais coerente com o contexto,
pois deixa de cometer o erro da “regeneração batismal”, algo que segundo Martin
Lloyd Jones está presente na visão sacramental (JONES. Romanos, Exposição sobre o Capítulo
6: O Novo Homem, p.48). Precisamos estar conscientes de que o batismo não é
o meio de salvação como bem coloca Osborne, porquanto “em Paulo, nossa fé na
obra expiatória de Cristo é o meio. Mas, representa nossa morte para o pecado e
ressurreição em Cristo, e é uma participação muito real no que o Senhor
realizou” (OSBORNE. Romans. The IVP New Testament commentary series, p.200).
Morris nos mostra o uso do verbo “batizar” na percepção de Josefo como “metafórico”
quanto as multidões que inundaram Jerusalém e “destruíram a cidade”. De outro
lado, quando aplicado à iniciação cristã, não devemos pensar em termos de
gentileza e inspiração, pois significa “morte”, neste caso, morte para todo um
modo de vida. É este o ponto de Paulo aqui. Cristãos são pessoas que morreram,
e seu batismo enfatiza essa morte. A morte percorre essa passagem e é
mencionada em todos os versículos até o v.13. Não devemos permitir que as
associações modernas de batismo nos ceguem ao ponto que Paulo está enfatizando.
Ele está dizendo que é totalmente impossível para alguém que entende o que
significa o batismo aquiescer com alegria em uma vida pecaminosa. Os batizados
morreram para tudo isso. Paulo está afirmando fortemente que os justificados
são aqueles unidos pela fé a tudo o que Cristo significa e, portanto, o
antinomianismo é impossível para eles. Estar unido para viver a vida (MORRIS. The
Epistle to the Romans, p.247). Estas delimitações corroboram ainda mais com
a tese em foco.
Depois desta resumida análise podemos reafirmar as falas expostas. A defesa de James Dunn tem seus postulados definidos como vimos. Entretanto, antes disso apresentamos a existência das interpretações ligadas ao “batismo pelo Espírito” e a “visão sacramental”. Posteriormente, trabalhamos alguns aspectos do texto grego com suas particularidades morfológicas, sintáticas e lexicais. Finalmente, a defesa em foco teve sua descrição exposta. Não podemos deixar de observar que o “batismo” em Rm.6:1-11 não é o elemento central em voga (parece que esta ênfase advém de uma incoerência hermenêutica). Entendemos este “batismo” como uma metáfora que descreve nossa relação com Cristo, e não propriamente como um ato litúrgico de batizar alguém. O fundamento cronológico (ou lógico) tem papel fundamental aqui, pois batismo/conversão não parecem ser separadas, apresentado um estranho hiato. Desta forma, por entender que o “batismo” de Rm.6:3 não tem fundamentos soteriológicos seu aspecto metafórico ganha proeminência.
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