sexta-feira, 13 de março de 2020
domingo, 1 de março de 2020
No presente
ensaio, trabalharemos uma leitura/interpretação de Dn.9:24-27 pelo viés da
Cronografia, algo proposto por John Goldingay. Esta percepção foge da comum,
aplicada a interpretação dos “Setenta setes” (semanas) presente no
evangelicalismo brasileiro, pois numa dinâmica singular a abordagem cronológica impera. Entretanto,
a inversão exposta funcionará, de maneira que, a história terá preeminência
sobre os seus dados. O objetivo do ensaio é apresentar algumas sínteses levantadas
pelo estudioso inglês.
Pela dinâmica do micro no macro, observemos o marcador usado em Dn.9:1, funcionando como elemento transicional em Daniel: “no primeiro ano de Dario, filho de Assuero, da linhagem dos medos, o qual foi constituído rei sobre o reino dos caldeus”. Em onze capítulos deste livro, os versos iniciais começam com a descrição de reis distintos: “Nabucodonosor 1:1; 2:1; 3:1; 4:1 - Belsazar 5:1 – Dario, o medo 5:31; 6:1; 11:1 - Belsazar, rei da Babilônia, 7:1; 8:1 - Dario, filho de Assuero 9:1 - Ciro, rei da Pérsia 10:1” (cf. GOLDINGAY, John. Word Biblical Commentary: Daniel, 2002; MILLER. Daniel, NAC, 2001, p.194). Propriamente em 9:1 é feita a menção de “Dario, filho de Assuero da linhagem dos Medos...” Nas outras aparições a Dario descrito como “o medo” (5:31 [6:1]; 11:1). Assim, problematizamos ao questionar: estes podem ser identificados como os mesmos personagens? Goldingay pensa que a associação pode ser legitima entre 9:1 e 6:1 [5:31], pois “Dario (o medo) recebeu a aquisição da realeza oriunda da Babilônia” (GOLDINGAY, John. Word Biblical Commentary: Daniel, 2002, p.239). Esta data é repetida no v.2, porque com a derrubada do reino do Caldeu, a esperança dos exilados de libertação foi despertada novamente, e naturalmente recorreram aos seus “livros”, para julgar, se o término de exílio havia chegado (MONTGOMERY. A Critical and Exegetical Commentary on the Book of Daniel, 1927, p.359). Depois desta questão inicial (data e ocasião), a progressividade da argumentação deste capítulo envolverá: uma oração de adoração (9:4), confissão (9:5-14) e petição (9:15-19). Posteriormente, a visão e seus desdobramentos (9:20-27). Em nossa redução focaremos “as setenta semanas” de Dn.9:24-27.
Os “setenta
anos”. É verdade que algumas linhas interpretativas são advogadas para entendê-los. Em primeiro
lugar, pelo viés da Intertextualidade indicando uma ocasião de sete anos que era o ciclo do ano sabático. Noutra
somatização, apontando para os sete ciclos de anos sabáticos que constituem o ano jubileu, no final do qual, os escravos eram
libertados e a terra devolvida ao seu dono (Lv.25). É claro que esses números
são carregados de significado teológico, dando-lhe uma aparência esquemática.
Além disso, associações históricas podem ser feitas, pois na Mesopotâmia os
números “setenta setes” representavam uma
medida completa do tempo. Essa dinâmica estava presente também na
literatura Judaica no uso esquemático do termo “semanas”, o qual podia ser
vista em 1Enoque (no Apocalipse de Semanas), e o período de 70 semanas em
Qumran (MATTHEWS; CHAVALAS;
WALTON. The IVP Bible Background
Commentary: Old Testament, 2000, S. Dn. 9:24).
Inicialmente, veremos estes (“setenta anos”), passando pela percepção hermenêutica de Goldingay, mas de que forma? Inicialmente o erudito inglês levanta algumas delimitações que em sua percepção indicam não haver razão, para inferir que Daniel necessariamente entendeu desta forma (cronologicamente). Desta forma, os 70 anos presentes nos oráculos de Jeremias tiveram início com a submissão de Judá à Babilônia em 605 a.C. ou com a queda de Jerusalém em 597 ou 587 a.C. Algo finalizado com a queda da Babilônia em 539, estabelecendo assim, o início de um retorno judaico em 538, ou a conclusão da reconstrução do templo em 517 a.C. É assim possível argumentar que Jeremias estava cronologicamente certo (vida humana, Is 2315; Sl.91.10, GOLDINGAY, John. Word Biblical Commentary: Daniel, 2002, p.239).A cronologia em seus pormenores acaba por ser estabelecida pelo trabalho investigativo, e não propriamente por Daniel. A tese em voga segundo Goldingay: “a importância do estudo corporativo das Escrituras (9:2) que caracterizava a Sinagoga e a aplicação da Intertextualidade ao ligar os “setenta’ (períodos de anos) originais de Jeremias 25:11-29:10 [Dn.9:2] com Lv.26 [v.18], desta forma, indicando a exigência de sete vezes mais, de acordo com Lv 26” (GOLDINGAY, John. WBC: Daniel, 2002, p.257).
Em segundo
lugar, focaremos nos vs. 24-27 (setenta semanas), os quais são vistos numa dinâmica
cronológica, entretanto, esta tese interpretativa têm alguns problemas levantados por Goldingay:
[1] o período entre a profecia de Jeremias (605 a.C) e o período da ascensão de
Ciro (556 a.C) foi de 49 anos – aquele entre a profecia de Jeremias e a morte
do sumo sacerdote Onias III (171a.C) 434 anos, de modo que, a soma esses
períodos é de 483 anos, assim, os últimos sete anos produziram os eventos
da outra dedicação do templo em 164 a.C. [2] O período de Neemias (445 ou 444
a.C) até a morte de Jesus na Páscoa em 32 ou 33 d.C. Estes foram exatamente de
483 anos, mas, “setenta e sete” foram preteridos (GOLDINGAY, John. WBC: Daniel, 2002, p. 257). Estas teses
têm problemas quanto ao seu cumprimento integral, por isso, Goldingay entende
esta questão “não pela cronologia, mas pela Cronografia: “um esquema
estilizado da história usado para interpretar dados históricos em vez de surgir
deles, comparável à cosmologia, aritmologia e genealogia, como aparecem em
escritos como o AT.” (GOLDINGAY. Daniel WBC, 2002, p.257).
Tais perspectivas
são vistas por Goldingay como arbitrariedades, sendo assim, problematizadas: por que dois números simultâneos devem ser somados? Por que a palavra
sobre a construção de uma Jerusalém restaurada deveria ser relacionada com a
comissão de Neemias dada por Artaxerxes para reconstruir os muros de Jerusalém?
Por que deveríamos aceitar a base do cálculo de um ano de 360 dias? Por
que deveríamos separar as setenta semanas, como a teoria exige? Por que
deveríamos datar a comissão de Neemias em 444 a.C. ou a crucificação de Jesus
em 32 d.C? O cálculo requer um ou outras, mas as datas geralmente preferidas
são 445 e 30 ou 33 d.C (GOLDINGAY. Daniel WBC, 2002, p.257). As respostas podem solucionar ou mostrar a dificuldade da abordagem cronológica.
Finalmente, Goldingay
responde a visão crítica dirigida a Daniel. Neste caso, esta visão geralmente lê
os “setenta setes” se estendendo como uma sequência de algum ponto do século VI
até o período de Antíoco Epifânio. Dan 9 é então uma estimativa superestimada e
o profeta é culpado por seus “cálculos aritméticos equivocados”. Uma objeção
fundamental a tais tentativas de justificar ou de culpar os números de Daniel é
que ambos estão errados ao interpretar os 490 anos como oferecendo informações
cronológicas. Não é cronologia, mas cronografia: “um esquema estilizado de
história usado para interpretar dados históricos em vez de decorrentes deles,
comparável à cosmologia, aritmologia e genealogia como estes aparecem em
escritos como o AT” (GOLDINGAY. Daniel WBC, 2002, p.260).
Este ensaio tem pretensões limitadas. O objetivo em voga é provocar uma reflexão quanto a outra possibilidade de se ler as "70 semanas" de Daniel. Em nosso contexto a abordagem cronológica reina sem questionamentos. Algo perigoso, pois acaba por fundir texto/interpretação. As questões levantadas devem servir para pensarmos como mais cuidado na interpretação destas 70 semanas.
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