O “NOVO” versus o “VELHO”: Análise Exegética de Mc.2:21¾22 (Mt.9:14¾17; Lc.5:33¾39).
“Ninguém
costura remendo de pano novo em veste velha; [...] Ninguém põe vinho novo em odres velhos;” (Mc
2:21, 22 ARA)
Neste
ensaio a delimitação exposta tem foco textual definido. Tal investigação parte da
necessidade de certas compreensões tanto no nível exegético como teológico. Algo
complexo, neste quesito, passa pela impressão oriunda de uma primeira leitura
de Mc.2:21¾22 (estrutura
de superfície), expondo a dificuldade quanto as definições conceituais que
emanam do texto, a partir de seus desdobramentos. Em suma, podemos afirmar que os
adjetivos “novo” e “velho” trazem discussões quanto ao continuísmo ou
descontinuísmo entre o AT e o NT. A estrutura da análise proposta nos levará
por alguns caminhos: [1] Mc.2:21¾22 na
harmonia dos evangelhos; [2] Mc.2:21¾22 em
sua abordagem contextual; [3] Mc.2:21¾22
explicado, a partir de suas parábolas.
A primeira atividade investigativa passa pelo
viés da harmonia dos evangelhos. Este tipo de análise produz alguns desdobramentos
que trazem certas referências, mas nosso objetivo passa, somente pela
comparação redacional.
21 Ninguém costura remendo de pano novo em veste velha;
porque o remendo novo tira parte da veste
velha, e fica maior a rotura (Mc.2:21). Ninguém põe remendo de pano novo
em veste velha; porque o remendo tira
parte da veste, e fica maior a rotura (Mt.9:16). 36 Também
lhes disse uma parábola: Ninguém tira um pedaço de veste nova e o põe em veste
velha; pois rasgará a nova, e o remendo da nova não
se ajustará à velha (Lc.5:36).
22 Ninguém põe vinho
novo em odres velhos; do contrário, o vinho
romperá os odres; e tanto se perde o vinho como os odres. Mas põe-se
vinho novo em odres novos. (Mc.2:22). Nem se põe vinho novo em odres
velhos; do contrário, rompem-se os odres,
derrama-se o vinho, e os odres se perdem. Mas põe-se vinho novo em
odres novos, e ambos se conservam (Mt 9:17).
E ninguém põe vinho novo em odres velhos, pois o
vinho novo romperá os odres; entornar-se-á o vinho, e os odres se estragarão.
38 Pelo contrário, vinho novo deve ser posto em odres novos e ambos
se conservam. 39 E ninguém, tendo
bebido o vinho velho, prefere o novo; porque diz: O velho é excelente. (Lc.5:37¾39).
Em suma, Robert e Gundry entendem que esta harmonia
descrevem a seguinte síntese: “Jesus defende os seus discípulos com três parábolas
por eles estarem festejando em vez de jejuar” (THOMAS, GUNDRY. Harmonia dos
Evangelhos, p.36). As pequenas mudanças textuais que ocorrem nestas partes expostas
serão vistas com de forma mais pormenorizada na explicação dos conceitos.
O
segundo ato foca a abordagem contextual, antes de pensarmos nestes conceitos. É
comum os estudiosos pensarem a proeminência de Mc.2:18¾22,
envolvendo o jejum. Vemos isto em Brooks (Mark, The New American Commentary, p.63), Guelich
(Mark 1-8:26. Word Biblical Commentary, p.106) e outros, Entretanto, a temática de Grant
Osborne destoa, pois entende a questão, descrevendo “o novo verso o antigo”
(OSBORNE. Comentário Expositivo Marcos, p.6), algo presente também na
percepção de R.T France: “Velho e novo na observância religiosa” (FRANCE. The Gospel of Mark: A commentary
on the Greek text, p.136). Além das temáticas
expostas se faz necessário pontuar a progressividade argumentativo presente no
contexto.
Inicialmente percebemos que Mc.2:18¾22
está situado em uma série de narrativas de conflito. Os elementos usuais do
cenário, ação, pergunta e resposta aparecem em 2:18,19. Mas, a última (resposta)
continua em 2:19b-20, com base nos temas de 2:19a, e em 2:21,22, com duas
parábolas construídas paralelamente (GUELICH. Mark 1-8:26. Word Biblical
Commentary, p.107). Em suma, as cinco histórias em 2:1¾3:6
mostram uma constante intensificação do conflito entre Jesus e os líderes
religiosos, particularmente os escribas e fariseus. Na primeira história (2:1¾12),
o antagonismo permaneceu em grande parte não falado. Nos três seguintes (2:13¾17,
18¾22, 23¾28), o conflito resulta em
confrontos verbais. Na história final (3:1¾6) se irrompe uma conspiração
contra a vida de Jesus. Em cada encontro, a autoridade de Jesus acentua as
fórmulas e categorias nas quais as pessoas o pressionariam (EDWARDS. The Gospel According to Mark. The Pillar New Testament commentary, p.86). A redução tratada pode ser vista em três partes:
os dois grupos (2:18), o questionamento (2:18) e a resposta de Jesus (2:19¾22).
Em Marcos
2:18 é feita menção dos discípulos de João (Lc.7:18; Mt. 14:12; Lc.11:1; Jo.1:35,37;
3:25) e dos Fariseus (Lc.5:33). Osborne afirma que “esses dois grupos
representam a antiga ordem, que ainda observa as práticas tradicionais” (OSBORNE.
Comentário Expositivo Marcos, p.48). Assim, os “discípulos” mencionados
aqui aparentemente voltaram à vida normal na Galileia, em vez de continuar numa
comunidade no deserto na área do ministério de batismo de João. Como um grupo
de “renovação”, não é surpreendente que eles, como os fariseus, adotassem um
código de observância religiosa mais exigente, seguido pela maioria dos judeus
na época (FRANCE. The Gospel of Mark: A commentary on the Greek text, p.138). Brook traz uma importante consideração sobre a tradução: “a
expressão ‘discípulos dos fariseus’ tem sua dificuldade declarada, porque os
fariseus não tinham discípulos, mas eram eles próprios discípulos dos escribas.
Talvez a ideia seja ‘admiradores’ ou ‘companheiros de viagem’ que simpatizavam com o partido farisaico, mas
não eram membros” (BROOKS. Mark, The New American Commentary, p.64)
Nesta cena, o questionamento aparece (feito
pelos discípulos de João, Mt.9:14): “Por que jejuam os discípulos de João e
os dos fariseus, e não jejuam os teus discípulos?” (Mc.2:18). Para compreender
esta questão se faz necessário observar a prática do Jejum pelo viés da Torá. Desta
forma, observamos que a Lei exigia jejum apenas no Dia da Expiação (Lv.16:29¾34), mas muitos outros jejuns foram acrescentados por
judeus religiosos, especialmente por grupos como os fariseus (muitos dos quais
podem ter jejuado sem água duas vezes por semana, especialmente na estação seca,
Lc 18.12,). O jejum era uma prática importante para se juntar à oração ou
penitência, então seria incomum para os discípulos evitá-lo completamente. Naquele
tempo, um mestre era considerado responsável pelo comportamento de seus
discípulos (KEENER. The IVP Bible background commentary: New Testament, Mc 2:18-19). Sobre os outros jejuns, na verdade, estavam associados as
experiências traumáticas vividas por Israel (Zc 7.5;8.19) ligadas ao Exílio). Em geral, os jejuns representavam arrependimento
dos pecados ou tristeza por morte ou enfermidade (OSBORNE. Comentário
Expositivo Marcos, p.49). Para entendermos esta questão precisamos pontuar
estas diferenciações, para que tenhamos a conotação prescritiva assimilada.
A resposta do Senhor aparece, primeiramente
com uma contra pergunta algo comum nas disputas rabínicas e de acordo com
Marcos, Jesus frequentemente a usava (BROOKS. Mark, The New American
Commentary, p.64). Além disso, numa analogia o Senhor traz elementos do
casamento judaico para explicar a questão. Na verdade, as festas de casamento
exigiam sete dias de festa e não era permitido jejuar ou envolver-se em outros
atos de luto ou trabalho difícil durante elas (KEENER. The IVP Bible
background commentary: New Testament, Mc 2:18-19). Corroborando com isto,
pela estrutura de plausibilidade percebe-se que 2:19 é uma declaração sobre a
presença da “nova era” incorporada na presença e companhia do noivo, 2:20 é
essencialmente uma predição da perda do noivo. O “velho” e o “novo” são
mutuamente exclusivos (cf. 2.21-22). Portanto, 2:19b,20a muda o foco de 2:19a,
mas não o significado. Ambos lidam com o jejum, mas de forma mais metafórica do
que principalmente com referência ao ministério terreno de Jesus, o outro com
referência à sua morte (GUELICH. Mark 1-8:26. Word Biblical Commentary,
p.114).
Finalmente, chegamos a questão deste ensaio, pois as parábolas de Mc.2:21,22 estão em foco. Como entender “o novo versus o velho”? Inicialmente, Osborne destaca que “a mensagem é a incompatibilidade entre a nova e a antiga aliança. A roupa velha já encolheu e não mudará mais de tamanho. O retalho de pano novo costurado a ela encolherá quando for lavado e a linha rasgará o manto velho e também o retalho novo. Ambos serão destruídos. O mesmo se aplica à mensagem de Jesus acerca do novo reino.” (OSBORNE. Comentário Expositivo Marcos, p.49). Além disso, a ênfase no “novo” no ministério de Jesus que “rasga a roupa velha” e é “colocado em odres novos”, traz elementos, realçando o motivo da paixão de 2:19,20, ou seja, a retirada do noivo (GUELICH. Mark 1-8:26. Word Biblical Commentary, p.115). Assim, as parábolas gêmeas ensinam a antagonismo do antigo (judaísmo dos escribas) e do novo (cristianismo). Neste viés, o judaísmo é a “roupa velha e o odre velho”. O cristianismo é a nova vestimenta (implícita), o “odre novo e o vinho novo” (no último, Jo.2:1-11, especialmente v.10). A questão não é que o “velho” seja errado ou mal, mas que seu tempo já passou (BROOKS. Mark, The New American Commentary, p.65).
Esta sintética jornada investigativa passou
por algumas considerações fundantes. A partir delas, temos uma perspectiva
inicial. Nossa questão passou pela relação do “novo versus velho” em Mc.2:21,22. Parecer ser real a conclusão
hermenêutica que envolve a relação entre as perspectivas judaicas e o cristianismo
inaugurado por Cristo. O contexto da passagem analisada corrobora com alguns
exemplos em que os diálogos do Senhor trazem interpretações autoritativas (2:15-17,
23-27; 3:1-6). Com isto podemos falar num aspecto cristocêntrico num viés
prospectivo e retrospectivo em relação ao AT. Para ser mais claro, a
hermenêutica cristológica se tornou a régua para entendermos o AT, olhando para
trás e para entendermos a progressividade do AT, olhando para a frente.
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